«O ABC dos Queijos Portugueses», obra recente de Manuela Barbosa, conduz-nos numa viagem pela história de um produto arreigado a todas as regiões nacionais. O factor climático, as raças produtoras de leite, o «saber fazer», são esmiuçados pela autora. Esta percorre várias regiões do país, da Serra da Estrela aos Açores, passando pela Beira Baixa, Alentejo e Trás-os-Montes. Um livro que mostra a importância económica mas também «as memórias, os sabores e os prazeres da nossa tradição queijeira».
Este é um livro que procura dar a conhecer, «de uma forma muito simples e acessível», o conjunto dos queijos tradicionais portugueses», sublinha a investigadora Manuela Barbosa em jeito de apresentação sucinta do seu mais recente título. Uma obra que parte ao encontro das especificidades dos nossos queijos, da «complexidade de apreciação e sua importância como factor de desenvolvimento económico e social, regional e nacional».
«Os queijos tradicionais constituem um património cultural e gastronómico que deve ser bem conhecido por todos nós, dignificado e preservado», considera a autora, adiantando que a obra «procura ainda sensibilizar e informar o consumidor sobre os princípios e factores que enquadram e influenciam este sector, ajudando-o a descobrir as várias regiões de produção, as memórias, os sabores e os prazeres da nossa tradição queijeira».
Além disso, vinca Manuela Barbosa, «poderá também ser um elemento de informação para quem nos visita» e, por isso mesmo, informa, «talvez possa surgir o interesse de fazer uma outra edição numa língua internacional como o Inglês».
A autora aborda questões fundamentais como o clima, as raças e o «saber fazer». Em que medida estes são pontos importantes para que tenhamos um produto final de qualidade? À pergunta, Manuela Barbosa responde prontamente: «a qualidade final de um produto é sempre a resultante da qualidade das matérias-primas e do processo de fabrico aplicado. Aqui o problema é mais complexo ainda e, portanto, exige muito rigor».
Realça, por isso, que quando falamos de queijos tradicionais e nomeadamente dos que hoje são designados como produtos DOP - Denominação de Origem Protegida, «falamos de queijos de leite crú que deve ser de excelente qualidade, feitos por um processo, um “saber fazer”, que deve respeitar a tradição transmitida de geração em geração e que deve estar convenientemente especificado em caderno de encargos».
«O leite, matéria-prima que dá origem ao queijo, provém por sua vez de animais (vacas, ovelhas ou cabras), que devem estar de perfeita saúde e serem alimentados de uma forma equilibrada, em pastagens adequadas, que por sua vez são influenciadas pelas características edafo-climáticas de cada região produtora. Portanto, o produto final “Queijo” é a resultante de toda esta envolvente, animal produtor do leite, clima, tipo de alimentação e maneio, condições de fabrico, incluindo o tipo de cura que é de importância capital. É essencial que o consumidor e até os próprios produtores percebam a diferença entre estes produtos e os produtos industriais, igualmente bons, mas diferentes na sua essência e no seu modo de produção», explica Manuela Barbosa.
O «ABC dos Queijos Portugueses», uma edição Feitoria dos Livros, «não pretende ser uma obra exaustiva, percorre o país abordando de uma forma sucinta os nossos queijos tradicionais mais conhecidos e característicos e procura evidenciar as suas especificidades. Destacam-se os queijos de leite de ovelha coagulados com a flor do cardo (Cynara cardunculus), dos quais o mais conhecido e prestigiado é o Serra da Estrela, garante da tradição milenar das actividades de pastorícia e fabrico de queijo nos Montes Hermínios na vigência do Império Romano. Seguem-se o Serpa, Azeitão, Castelo Branco, Nisa e Évora, tendo estes dois últimos características absolutamente distintas dos anteriores».
Na obra, a autora aborda ainda o Queijo Terrincho, de leite de ovelha em Trás-os-Montes, o Queijo de Cabra Transmontano, os Queijos Amarelo e Picante da Beira Baixa, fabricados com uma mistura de leite de ovelha e cabra, todos coagulados pelo coalho animal. Mas também os queijos dos Açores, destacando-se o Queijo São Jorge e o do Pico e «a relação das suas características organolépticas com a constituição do leite e a riqueza das pastagens magníficas e verdejantes que cobrem as respectivas ilhas todo o ano, graças às características edafo-climáticas particulares daquela região insular. A qualidade do leite proporciona ainda queijos industriais, não tradicionais, de muito boa qualidade», afiança.
«Temos o “saber fazer” essencial»:
Manuela Barbosa considera que temos o «saber fazer» essencial. No entanto, salienta, «o país sofreu nos últimos 30 anos transformações muito profundas que alteraram, para o bem e para o mal, muitos dos nossos conceitos e processos de trabalho agrícola e agro-pecuário verdadeiramente tradicionais».
«A entrada do país na União Europeia, em 1986, e a obrigatoriedade de adopção de determinadas Directivas comunitárias provocaram grandes mudanças nas gentes e nas suas práticas rurais e artesanais. O excesso de zelo, se assim se pode dizer, das instituições responsáveis pelo processo e a precipitação de querer ser o tal “aluno bem comportado”, que queremos ser sempre, por falta de verdadeira convicção daquilo que somos e temos, fez-nos negligenciar a protecção do que era verdadeiramente nosso, adoptando demasiado depressa o que diziam, nos estava a ser imposto, sem tempo para uma reflexão profunda e fundamentada dos prós e contras dessa atitude. Isto levou à perda de valores, conceitos, processos e métodos que constituíam património deste sector e do país».
No livro, a autora procura «encorajar as pessoas a redescobrir esses aspectos, visitando as regiões, museus etnográficos e alguns produtores que ainda se mantenham fiéis ao tal “saber fazer” dos seus pais e avós».
A produção de queijos tradicionais tem fomentado o desenvolvimento das economias locais um pouco por todo o território. «A produção de um produto tradicional e regional é sempre uma fonte potencial de riqueza e desenvolvimento desse local ou região. Se o produto for bem feito, tiver qualidade e agradar ao consumidor este compra-o quer localmente quer nos grandes Centros dada a facilidade de transporte e comunicação que hoje existe. Também o número de eventos promocionais locais, como feiras, mercados, concursos etc., tem aumentado muito na última década, encorajando as pessoas a deslocar-se e a conhecerem as regiões, os seus produtos e os seus produtores», reconhece.
A exigência da produção artesanal:
Vinca, porém, que o período de crise que estamos a viver desde 2008 «tem afectado de certa forma esta dinâmica, mas ela terá que ser continuada e reanimada quando voltarem dias mais esperançosos». No entanto, «em qualquer tempo, a produção artesanal tem que ser muito exigente consigo própria, o que nem sempre acontece, e apresentar produtos, neste caso queijos com um nível de qualidade muito elevado para poder superar a força concorrencial da indústria que apresenta produtos mais económicos e com uma qualidade média aceitável».
Por fim, Manuela Barbosa realça que este livro é o resultado da «conjugação de duas vontades». «A vontade de uma editora, a Feitoria dos Livros, que aposta e investe na divulgação do nosso património gastronómico e da minha vontade de transmitir ao público em geral, conhecimentos adquiridos ao longo da minha vida profissional dedicada à ciência e tecnologia do leite e produtos lácteos com especial enfase e carinho pelos queijos tradicionais, que constituem um património muitas vezes ignorado, esquecido ou mesmo maltratado».
«Considero que a divulgação do conhecimento é essencial e neste âmbito há ainda muito a fazer. Os conceitos aqui transmitidos são essenciais para conhecer e apreciar melhor os nossos queijos. Conhecendo melhor a sua origem, as suas características e as suas diferenças o consumidor esclarecido pode escolher os produtos com mais segurança e com mais exigência, podendo também desfrutar de uma forma mais intensa da sua variedade e qualidade», remata.
Manuela Barbosa é licenciada em Farmácia pela Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, tendo desenvolvido a sua actividade científica Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação (de 1965 a 2006).
A sua actividade de investigação a nível nacional e internacional esteve ligada ao estudo bioquímico de enzimas coagulantes e ao sector da tecnologia dos produtos lácteos de pequenos ruminantes, nomeadamente para a defesa da genuinidade dos produtos tradicionais. Desenvolveu várias acções de estudo e promoção da qualidade dos produtos lácteos nacionais, tendo sido coordenadora, a nível nacional, de vários projectos europeus de I&D no âmbito do estudo e protecção de Queijos de Denominação de Origem (1991-2005).
Ana Clara
in:cafeportugal.net



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