Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Viagem (continuação)

O meu primeiro dia neste novo planeta, Trás-os-Montes, acabou com um jantar que me consolou a alma e o corpo. Nunca havia comido nada que tão bem me soubesse. As batatas cozidas no pote ao calor da lareira, regadas com o puro azeite da casa, as alheiras e as chouriças dos porcos alimentados com o que de melhor dá a terra, temperado com as maravilhosas castanhas longais e o trigo das searas arrancadas à força de braços aos montes da aldeia... Tudo conjugado com o calor das brasas de carvalho que crepitavam debaixo da grelha feita pelas mãos sábias do meu avô.
Recordo-me como se fosse hoje, agora. O meu palato saboreia, ainda, o tempero do fumeiro tradicional de vinhais, onde não havia artifícios nem invenções. 
Na lareira, esmorecia o calor à medida que se consumia a lenha. Eram horas de ir para a cama que a noite era fria e cintilante de estrelas.
No quarto que me foi destinado, uma cama de casal de madeira de castanho sem grandes ornamentações. Uma mesinha de cabeceira e um guarda fatos da mesma madeira e com a mesma pretensão do restante mobiliário. Era simples e funcional.
Ao lado do quarto ficava a casa de banho, básica, com o estritamente necessário ao conforto de um local recatado. Não tinha água quente. Essa, aquecia-se ao lume, no lato existente para o efeito. 
Rapidamente enfiei o pijama mais quente que tinha e enfiei-me na cama onde me senti quase esmagada, tal era o peso dos cobertores de lã com que me cobria. Os lençóis, bordados pelas mãos hábeis da minha tia, mal impediam a aspereza do cobertor de pura lã de ovelha, tecido em tear manual. 
Pensei: "Como vou conseguir dormir com este peso todo em cima?" Tinha os pés frios. Aninhei-me o melhor que pude debaixo de todos aqueles cobertores e tentei esquecer a saudade que sentia da minha vida anterior. 
O sono, apesar do cansaço, não vinha. Ouvia os estalidos das madeiras antigas amplificados pela minha solidão. Pela pequena janela espreitava um raio de luar, da rubicunda e maravilhosa lua em noite de lobisomens.
Na ténue claridade do aposento, imaginava sombras e lagartixas venenosas e assassinas...
Quase sem conseguir respirar de tão abafada que estava, sentia a ponta do nariz enregelada. Geava dentro do quarto, tinha a certeza disso. Fechei os olhos rendida à exaustão. 
"Cocorocó! Cocorocó!" Senti um baque no peito, o coração a correr os 100 metros obstáculos sem preparação nenhuma. 
"Que coisa é esta?" O galo madrugador, cantava feliz a anunciar a alvorada. Levei algum tempo a reconhecer o som e a serenar os batimentos cardíacos. Olhei para o relógio de pulso, presente do meu pai, do qual nunca me separava e vi que eram as quatro horas da manhã. 
Desalentei. "Agora que eu tinha conseguido, finalmente, adormecer..." 
Toquei com um pé no outro e senti-o gelado, tão gelado que até me arrepiou. Verifiquei que o outro estava igual. Embrulhei-me em posição fetal na tentativa vã de me aquecer. Como era possível que com tantos cobertores em cima de mim, não conseguisse manter-me quente? Dei por mim a contá-los e descobri que eram oito. Oito cobertores! 
Fiquei abismada e fria. Por mais que cerrasse os olhos convictamente, não adormecia. As horas foram passando lentamente. 
Perto das oito da manhã oiço barulho na cozinha. No quarto, o raio de lua fora substituído por um tímido vestígio de sol. 
Decidi levantar-me para aquecer os pés. Vesti-me sem grandes cuidados e abri a torneira do lavatório que soluçou sem gota de água, uma, duas, três vezes... apenas molhei os dedos indicadores para fingir lavar os olhos e a boca. Arrepiei-me até aos ossos com a friúra da água. 
Voltei ao quarto e calcei dois pares de meias e as únicas botas que tinha. Abri a janela e arregalei os olhos de espanto. "Lindo! Ai, tão lindo!" 
Dos telhados, das árvores, dos arbustos, pendiam pequenos pingentes de gelo que o sol transformava em diamantes refletores de luz e de todas as cores do arco-íris. No caminho de terra uma tal camada de gelo que poderia, se quisessem, fazer um bailado.
Não sei quanto tempo ali estive. Fui acordada pelo cheiro irresistível do chocolate quente. Segui-o instintivamente até ao lar. 
"Bom dia, avó!" 
"Bom dia, filha. Dormiste bem? Tiveste frio?"
Era um novo dia de muitos...

Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário