quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Diocese - “Preocupa-me a politização das instituições”

Mensageiro de Bragança: Que balanço faz do estado e vida da diocese em 2013?
D. José Cordeiro: É um estado em conversão, pastoral e missionária, como o Papa nos provoca. Aqui na diocese Bragança-Miranda estamos nessa linha. Aquelas três prioridades a que nos propusemos no início do ministério, depois da assembleia do Clero, realizada 15 dias depois da minha ordenação, mantêm-se atuais e em pé e estamos na sua consolidação. É a reorganização pastoral da diocese, a formação permanente do clero e a formação permanente dos leigos. Recordo isto a mim mesmo todos os dias para que o que fazemos seja consolidado à luz da palavra de Deus e do Evangelho, segundo os critérios do concílio Vaticano II, na comunhão da Igreja porque não somos uma ilha nem estamos isolados. Não somos uma periferia. Temos a centralidade de Cristo, da dignidade da pessoa humana e do Evangelho, que dão forma ao nosso agir pastoral. E é pastoral porque é na ligação com Cristo Bom Pastor. Daí que vem a pastoral e não só a ação pela ação mas a ação fundada na palavra de Deus, no estudo, segundo o que nos parece melhor naqueles critérios clássicos de ver, julgar e agir e que acrescentava também o verificar, o avaliar. É bom fazer o ponto da situação mas aquilo que fomos realizando ao longo deste ano, sob as orientações do ano da Fé e, agora, o ano da Vocação, é sobretudo consolidar estas três prioridades a que me referi.
MB.: Quando tomou posse, encontrou alguns problemas para resolver. Administrativamente, como está a vida da diocese, atualmente?
DJC.: A herança que recebi foi bastante pesada nesses dossiês do governo e da administração da diocese. Nomeadamente, o que pesava sobre nós – o da Catedral – e passado um ano (em 2012), chegamos à conclusão que ainda devíamos 650 mil euros. Ao longo deste ano e dois meses pedimos a muitas instituições, a muitas pessoas, apelámos à generosidade de quantos podiam ajudar e Graças a Deus e a essa generosidade de muitas pessoas e instituições e conseguimos ultrapassar esse peso. Mas com isso não ficaram resolvidos os problemas todos. Ainda temos vários dossiês em mão. Continuaremos com a mesma determinação. Por um lado, arrumando a casa, pondo em ordem aquilo que é a relação das paróquias com a Cúria diocesana e das várias instituições com a mesma, melhorando os serviços centrais da Curia, com o objetivo de uma melhor coordenação e de uma melhor partilha dos recursos económicos e financeiros ao serviço da evangelização. Vivemos numa região com características próprias, com despovoamento, défice de natalidade, com falta de recursos humanos para muitas ações que gostaríamos de ver concretizadas já no terreno. Mas com a colaboração das pessoas, e com capacidade e qualidade técnica, profissional e de formação cristã, estamos a por em pé algumas que hão de contribuir para o desenvolvimento integral das pessoas situadas no Nordeste Transmontano, onde a diocese de Bragança-Miranda tem a sua implantação mais direta. Estou a referir-me à Pastoral do Turismo, à Comissão de Arte Sacra e dos bens culturais, à Comissão Diocesana de Justiça e Paz, aos vários secretariados, aos vários serviços que na diocese se criaram e outros se recriaram para que o desenvolvimento seja integral. Aquilo que podemos iluminar com a alegria do Evangelho que o Papa tanto sublinha na sua última exortação, que nós nunca percamos a coragem da esperança e da alegria aqui na situação concreta em que nos encontramos. Cada Cristão é discípulo missionário em cada lugar em que se encontra. Por isso temos de sentir esta consciência muito clara dentro de nós e, ao mesmo tempo, este dever de contribuir para o bem comum como um dom e como uma obrigação ao mesmo tempo.
Na linha do que dizia anteriormente, estamos, também, a consolidar o projeto das unidades pastorais. Uma das características desta zona é a escassez das vocações. E criámos as unidades pastorais para que seja uma coordenação pastoral orgânica entre as paróquias. Temos 25 criadas, restam possivelmente ainda oito, das 33 que estão propostas (reduzimos de 40 para 33). E estamos a fazer um trabalho localizado nos arciprestados, que são quatro (Bragança, Miranda, Mirandela e Moncorvo) e é aí que a nossa ação irá incidir. Consolidar os arciprestados será uma das nossas linhas de força. Estamos a estudar, mesmo a fundamentação dos mesmos, ao nível dos estatutos, com os arciprestes, agora em janeiro, em fevereiro com o conselho presbiteral. Tudo isto por causa do grande desafio de hoje e de sempre que é o da evangelização. É como viver aqui, com estas características, neste lugar, o Evangelho de Jesus Cristo, como é que aqui podemos ser uma resposta a essas interpelações de Deus na nossa história.
MB.: E ainda não encontrou uma resposta a essa interrogação?
DJC.: Vamos descobrindo, uns com os outros, e a resposta vai aparecendo na medida em que há pessoas que respondem ao chamamento que Deus lhe faz. Por exemplo, pensando nos voluntários que estão na ação social e caritativa da Igreja; pensando nos catequistas, os ministros extraordinários da comunhão, as pessoas que colaboram nas nossas paróquias, nas comissões fabriqueiras, nas comissões de festas, nos santuários, nas confrarias… temos muita e boa gente que contribui com o seu saber, com o seu tempo, com a sua pessoa, para o dinamismo desta Igreja, mas precisamos de nos sentir ainda mais corpo, porque são pedras vivas mas algumas muito dispersas e toca também ao bispo e aos serviços que com ele colaboram mais de perto congregar na unidade todos os dispersos que fazem coisas tão belas e tão frutuosas. Mas podemos fazer ainda mais e melhor juntos. Aquele que é o rosto mais visível da Igreja é a ação social e caritativa mas nunca devemos perder de vista que ela é solidariedade cristã, não é mera filantropia. Preocupa-me que haja a tentativa, nalguns setores, naquilo que são as fundações, as Misericórdias, os centros sociais paroquiais, as obras institucionalizadas para que sejam uma caridade inteligente, que possam ser politizadas ou partidarizadas ou, até, fundadas numa qualquer ideologia que não no Evangelho. Faz parte da íntima natureza da Igreja a caridade, o amor, e só nessa linha podemos trabalhar, melhorar, solidificar, esta nossa ação solidária mas cristã, porque é em nome de Cristo. Não é um mero assistencialismo e nunca pode ser para proveito próprio. Não pode haver interesses nem negócios que interfiram na ação da caridade da Igreja. Ela tem de ser a transparência do Evangelho. Aquilo que acreditamos, que celebramos, tem de ser o que vivemos.
Recentemente fizemos a correspondência ao apelo do Papa à campanha internacional “Uma só família humana, alimento para todos”, e começámos pela oração. Pode parecer estranho que uma campanha para erradicar a fome no mundo comece com uma oração, mas não é. É justamente para que todos os que são envolvidos e chamados a participar para que a ninguém falte o alimento, a palavra, o conselho, mas que seja em nome de Cristo e não de uma ideia ou de uma ideologia ou de qualquer outra filosofia ou de uma mera solidariedade. É em nome de Cristo que o fazemos. Isto é que é o nosso distintivo como Igreja. Por isso parte da oração para que ele não seja contaminado nem sequer pelo bem que fazemos nem pelo mal que porventura cometemos mas que seja gratuito, à imagem e semelhança de Deus.
MB.: Sente que há essas tentações?
DJC.: Sim, são tentações humanas que sempre existiram e hão de continuar a existir, porque quando se olha para a ação da Igreja, uma vez que ela está institucionalizada, como uma forma de poder ou de domínio ou de assistencialismo, invertem-se todos os valores. Tem de se olhar é numa perspetiva de colaboração no bem comum, de construção da justiça e da paz e segundo as orientações próprias da igreja e do Evangelho.
MB.: De que forma é que sente a falta de ‘mão de obra’ na região? Tem receio de que possa não haver uma renovação dos fiéis a cada domingo?
DJC.: A diminuição das pessoas é uma preocupação e sentimo-lo de forma evidente. Em 50 anos perdemos metade da população. Se continuarmos a este ritmo, não sabemos como será o futuro. Mas não preocupa tanto a falta das pessoas porque são as características próprias deste tempo, nesta interioridade e da periferia quase das periferias. Não é algo que possamos resolver, embora alertemos para o problema. Preocupa mais é a falta da formação das pessoas que estão cá. E quando me referia à falta de recursos humanos é mais de que a transmissão da Fé não esteja a acontecer ao ritmo que Deus quer e a Igreja espera, que cada um de nós não esteja a fazer a sua parte. E precisa de ter razões de esperança. Se a pessoa não tem para si não pode comunicar aos outros. Por isso, o grande investimento a fazer é, justamente, na formação das pessoas, na educação cristã das pessoas para que sejam razões não de mera religiosidade e piedade mas que sejam razões cristãs e que brotem do Evangelho. Temos um projeto pastoral que vai até 2017, estabelecemo-lo para cinco anos e iniciámo-lo no ano passado. Celebrámos o ano da Fé com incidência na Liturgia, este ano o da Vocação, no próximo o ano da Bíblia, depois a Santíssima Trindade e um ano Mariano, para coincidir com o centenário das aparições de N. Sra. em Fátima, uma vez que aqui, no nosso Nordeste, não há nenhuma capela ou igreja que não tenha a imagem de N. Sra. de Fátima. A devoção mariana está muito enraizada neste povo, nesta diocese e, por isso, este projeto pastoral. E o slogan é ‘Juntos com Cristo nos Novos Caminhos da Missão”, sublinhando, em cada ano, um aspeto que nos parece importante. E esse, da formação, é essencial. No próximo ano, vincando o conhecimento da Bíblia, das Escrituras. Às vezes pergunto-me a mim mesmo se já existe, por exemplo, uma Bíblia em cada família cristã, se as pessoas têm familiaridade com as Sagradas Escrituras ou é apenas quando vão à missa e escutam as Leituras? Há um estudo, uma oração, a nossa vida é iluminada pela Palavra de Deus ou é conforme as circunstâncias? A maior parte das pessoas é batizada, foi crismada, até casou pela Igreja, tem uma relação esporádica com a Igreja mas não se sente membro, não se sente pertença do corpo da Igreja, de uma pertença efetiva e afetiva. E a nossa missão é, antes de mais, estarmos evangelizados mas somos, também, interpelados a comunicá-la aos outros e fazer com que mais pessoas possam viver da mesma centralidade de Cristo e do seu Evangelho.
MB.: E no seminário, tem sentido essa renovação? Há cada vez mais jovens que sintam o chamamento?
DJC.: Há uma diminuição numérica e há um aumento qualitativo. É a avaliação rápida que posso fazer nestes dois anos. Temos quatro seminaristas maiores e três diáconos em transição para o sacerdócio e temos oito jovens no seminário menor do nono ao 12º ano. No ano passado, por exemplo, no menor tínhamos 16. Este ano diminuímos para metade, por opção. É o trabalhar a qualidade dos sinais positivos desta resposta, porque a vocação existe. As pessoas sentem o chamamento mas alguns têm medo de arriscar, têm medo de responder e as respostas que, neste momento, estão no seminário, são qualitativas. Não vivemos de estatísticas. Não temos de nos comparar aos outros. A pergunta que eu me faço é se estou a fazer tudo para ajudar outros a darem a resposta, como eu a dei, que não caiu do céu aos trambolhões. E as respostas são várias. Não é só para o sacerdócio, é para a vida consagrada, para a vida matrimonial, para a vida na sociedade. Num conceito alargado de vocação, estamos num aumento e nunca houve tantas vocações como hoje na Igreja e neste Igreja da diocese de Bragança-Miranda. Nunca houve tantos leitores, acólitos, catequistas, voluntários. Há é uma diminuição de respostas para o sacerdócio, correspondentes à população. Somos 136500 pessoas e o nosso problema concreto é que temos demasiadas estruturas...
MB.: Ao nível geral ou da diocese?
DJC.: Ao nível da diocese. Temos demasiadas estruturas para a capacidade de resposta. Por exemplo, temos 326 paróquias e só 60 párocos. Poderia entender-se que isto é um desnível muito grande, e até é, mas precisamos de nos organizar melhor e é o que estamos a fazer. Mas isto não funciona por um decreto nem por imposição. Tem de ser por um diálogo pastoral. E, sobretudo, por uma conversão pastoral e missionária, que é uma mudança segundo os critérios do Evangelho. Não são os critérios da minha cabeça nem os das tradições, que o grande erro é dizer que sempre assim foi e sempre assim será. Claro que há muitas resistências mas isto não nos pode, de maneira nenhuma, desencorajar nem impedir a renovação. Aqueles que aderem de todo o coração e com toda a inteligência – que, felizmente, são cada vez mais – é com eles que temos de trabalhar. Gostei da expressão do Papa Francisco que disse que um bispo, um pastor, umas vezes tem de ir à frente a apontar o caminho, outras vezes tem de ir no meio para reconciliar e, outras vezes, tem de ir atrás para que ninguém fique para trás. Sinto-me, em muitos momentos, nessas três situações. É um desafio permanente. Há lugar para todos, ninguém está dispensado de rezar, de chamar, de testemunhar para seguirmos, juntos, Cristo. É o que estamos a tentar fazer, não é nada fácil mas não é impossível.
MB.: Em 2014 quais são os grandes desafios, ao nível prático, da diocese?
DJC.: Consolidar todas as prioridades que estabelecemos, nomeadamente as três que referi. Em termos práticos e organizativos estamos a tentar a consolidação do Instituto Diocesano do Clero. Gostaríamos, logo que seja possível, de criar melhores condições para os sacerdotes que já exerceram o seu ministério e estão na idade da jubilação. É a construção da casa do presbitério e de um centro pastoral diocesano. É a recuperação do edifício do bloco central do seminário, que teria várias valências. Seria casa sacerdotal, centro pastoral, para retiros, para a formação permanente dos leigos, a instalação do IDEP, uma biblioteca pública. Outro projeto é a consolidação do arquivo diocesano. É um dos mais completos arquivos diocesanos de Portugal porque não foi confiscado no tempo da República, contrariamente à Casa Episcopal. Temos muita documentação desde o início da diocese, em 1545, e queríamos consolidar isso material e imaterialmente, como já o estamos a fazer, com a digitalização do mesmo, mas criar melhores condições nas traseiras da Casa Episcopal, entre os serviços centrais da Cúria e o Mensageiro de Bragança. Depois a própria conservação e manutenção da Catedral e o encerramento de alguns dossiês que estão, ainda, em aberto. De um modo geral, em 2014 consolidar os arciprestados ao nível pastoral e a formação em vários níveis. A formação permanente do Clero passa pelos retiros, pela formação tipo académica, com o estudo do documento da constituição conciliar Lumen Gentium, e pelas ações que estão já no ano Pastoral, continuando com a peregrinação como a grande metáfora da diocese aos santuários diocesanos. Este ano será ao de N. Sra. do Naso.

in:mdb.pt

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