Um investigador da Universidade de Vila Real recorda que é em Trás-os-Montes que se mantêm as formas mais originais do Entrudo, protagonizado por caretos «herdeiros diabólicos dos deuses da Roma antiga», que contrasta com o Carnaval citadino. Este, «uma miscenização civilizacional que colhe influências de outros carnavais do mundo».
«As figuras dos caretos de Podence, Ousilhão, Baçal, Varge, Vilas Boas e Salsas que marcam o Entrudo em Trás-os-Montes personificam seres sobrenaturais, herdeiros dos deuses diabólicos venerados na Roma antiga desde o império de Júlio César», afirmou o etnógrafo Alexandre Parafita.
O professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) defendeu que, por isso, esta é a «região de Portugal onde se mantêm as formas mais originais do Entrudo, longe do Carnaval que se vê nas grandes urbes».
Para o investigador, o Carnaval citadino resulta «de uma miscenização civilizacional que colhe influências de outros carnavais do mundo, especialmente do Brasil».
Alexandre Parafita considerou que a fisionomia dos caretos transmontanos, «com as suas máscaras demoníacas, impondo um misto de terror e diversão, apresenta evidentes semelhanças com as divindades das festas «Lupercais» romanas que eram celebradas igualmente nesta altura do ano em honra do deus Pã, também conhecido por «Fauno Luperco».
Esta figura, segundo explicou, apresentava-se com aspecto diabolizado, cornadura de bode e corpo peludo, perseguindo as pessoas que fugiam aterrorizadas.
Actualmente, por exemplo, em Podence, os caretos perseguem também as pessoas, especialmente as raparigas. «Ocultos nas suas máscaras de lata, chocalhos à cintura, fatos de franjas de cores garridas feitas de linho e lã, percorrem os cantos da aldeia, entram e saem pelas janelas das casas e alpendres, trepam aos telhados e arrastam para a rua as raparigas indefesas sujeitando-as ao barulho das chocalhadas e ensaiando com elas rituais eróticos», referiu.
Nesta altura, um pouco por todo a região de Trás-os-Montes, longe dos carnavais das grandes urbes, mantêm-se rituais «expurgatórios cujas origens se perdem nos tempos».
É, segundo Alexandre Parafita, o caso do «julgamento do Entrudo» em Santulhão, Vimioso, o qual é «responsabilizado pelas desgraças do Inverno, especialmente os males agrários» e, por isso, acaba queimado pelo povo na praça pública.
Também em Pinela, na segunda-feira, ao final da tarde, é construído um boneco, simbolizando o Entrudo, que é escondido numa casa, sem que o dono saiba, e terça-feira os habitantes saem à rua e dão a volta à aldeia à procura do Entrudo.
De acordo com o especialista, na casa onde ele for encontrado, os donos têm que lhes dar de comer, e, na quarta-feira, os habitantes juntam-se e queimam-no.
Por sua vez, em Carrazedo, na noite de Carnaval, os rapazes constroem um boneco de palha e colocam-no à porta de casa das raparigas solteiras e, no decorrer da noite, cada uma delas fica de vigia à sua porta, e se encontrar lá o boneco, vai colocá-lo à porta de outra rapariga. De manhã, na casa onde estiver o boneco de palha, é sinal de que a moça não irá casar.
«Os castigos e sevícias aplicados sobre este boneco, como símbolo do Entrudo, representam, simultaneamente, o seu esconjuro e a purificação da comunidade, que assim entrará, com outro ânimo, num novo ciclo produtivo», concluiu.
Café Portugal/Lusa; Foto - «Festas de Inverno com Máscaras»
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