Acordava-se em sobressalto com o rebentamento dos foguetes morteiros. Eram dois passos da cama à janela por onde entravam os ecos dos rebentamentos sobre os verdes milheirais que se estendiam até à igreja. Era a festa de Santiago Maior, naquela límpida manhã de fins de Julho.
Quase sem se dar conta, já tinha ardido o forno que repousava fechado com a tampa da porta, vedada com bosta. Tempo depois quando já os rapazes se organizavam para o transporte do andor na procissão da tarde e o mestre decorador de Vilar de Maçada dava os últimos retoques, estava na hora do almoço ou "jantar" como então se dizia e a porta negra do forno abria-se, para regalo dos sentidos. Saíam então os alguidares, o primeiro contendo o verdinho e o segundo com o arroz trazendo às costas o naco de ovelha, de cabra ou cabrito ou até vitela tendo por baixo paus de urze e por cima duas telhas, que retiradas de véspera da "cardanha" cobriam a peça, mantendo-lhe a cor aberta e doirada, mais tenra e apelativa. Não se dá receita de arroz do forno, que a água de cozedura do canelo do bísaro compunha e apaladava, porque, todos achamos que o melhor arroz era o do forno da nossa casa.
Mas do verdinho quem se lembra? "A carne do pescoço da cabra era cozida com os rins, o coração e os bofes. Acrescentava-se algum sangue para dar cor. À parte preparava-se o refogado. Este era vertido no alguidar com as carnes cozidas e o pão, indo ao forno para ganhar cor, textura e paladar."
Este prato próprio dos povos da serra, permitia a integração integral de partes menos nobres do animal, constituindo um prato saboroso, distinto e frequentemente usado em cerimónias festivas, como baptizados e casamentos.
Em honra do solstício e do Santiago padroeiro, praticava-se com prazer o pecado da gula, por culpa dos alguidares negros! Seguia-se a procissão, que desfilava com o andor de Santo Antão à frente, não fosse ele pastor de rebanhos, com cama cavada nos penedos do Outeiro, cabendo a Santiago encerrar aquela corrente humana de crentes, andores, anjinhos, penitentes e todos os Santos dos diferentes lugares da freguesia, que naquele dia saíam para acalentar almas e gentes.
Acabada a procissão, voltava o paganismo, os bailes, os doceiros, as pipas de vinho, as mães que vigiavam as filhas em idade de namorar e finalmente os homens encostados ao pau de marmeleiro, falando do pintor, porque "pelo Santiago pinta o bago" e medindo alguém da aldeia vizinha com quem, algum tempo depois, havia de medir forças!
Excerto de informação contida em ficha técnica, propriedade da NERVIR - Associação Empresarial
Redacção de Alberto Tapada e Filipe Saiote
alguidar do forno
in:diario.netbila.net

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