“Chabotos” ou “recos” e gitanos ou quitanos são as denominações que cada um dos grupos de ciganos que se encontra na região transmontana atribui ao outro, sendo que ambos se autodenominam Ciganos, nome pelo qual a população não cigana designa os indivíduos dos dois grupos.
Em Trás-os-Montes, o grupo mais numeroso de ciganos, os “chabotos”, atribui ao próprio grupo determinados aspetos identitários, com os quais se identificam e a partir dos quais se diferenciam dos outros ciganos (gitanos), que habitam na zona e no resto do país.
Na perspetiva dos “chabotos”, as diferenciações estão presentes em várias dimensões, como a económica, física, cultural, linguística, moral, entre outras, especificando que, para eles, os gitanos:
a) Vivenciam e cumprem com maior rigor determinados aspetos específicos da cultura cigana, como por exemplo a celebração de casamentos ou o culto dos mortos. Quanto ao primeiro aspeto, nesta região, a grande maioria pratica a fugai, sendo que a união do casal, por vezes, não é definitiva. A este respeito Gonçalves (1981, p. 154) descreve a conversa com um indivíduo, em Retalhos da vida transmontana no passado e no presente: “De propósito lhe perguntei: (a um cigano doente na aldeia de Gralhós) «É casado?»
Ao que ele respondeu: «Já tive dezassete mulheres» e quantos filhos tem? «Ao certo não sei...»”;
No que diz respeito ao culto dos mortos, aquando da morte do marido, em geral, a mulher gitana corta o cabelo curto e cobre a cabeça com um lenço, veste de preto para o resto da vida e não volta a casar. A mulher cigana transmontana não corta o cabelo, passado o período do luto deixa de vestir de preto e pode voltar a casar.
b) Profissionalmente dedicam-se à venda de roupa nas feiras e possuem maior poder económico, que lhes permite usufruírem de determinadas condições sociais, tal como o aluguer de casas.
Eles (gitanos) já se vestem melhor do que nós, já se querem com todas as condições, alquilar casa, ou dão-lhe casa ou compram casa, porque eles já têm dos dinheiros, donde é que nós não temos.
Por isso que nós somos sempre o cigano mais pobrezinho (mulher, 37 anos, cigana, extrato de entrevista, Bairro Horizonte).
c) Linguisticamente, cada grupo desenvolveu o seu dialeto (a expressão que utilizam os “chabotos” é “latim”). Alguns indivíduos afirmam existirem semelhanças em determinados vocábulos, enquanto outros são da opinião que se distingue completamente.
d) No aspeto moral atribuem-lhes um caráter e atos agressivos, o que contribui, certamente, para o estabelecimento de fronteiras mentais que atuam como barreiras, reduzindo ao mínimo a interação entre ambos os grupos.
e) Em termos de religiosidade aderiram à igreja evangélica, mas como a mesma não tem expressão a nível local, deslocam-se a províncias limítrofes para a prática do culto. Os ciganos transmontanos seguem os rituais da igreja católica tradicional, direcionando as suas práticas sobretudo para as cerimónias de batizados, funerais e missas pelos seus defuntos.
Cada grupo evita determinados locais onde a presença do outro pode ser constante, evita ligações sociais e/ou maritais ou outras e guarda uma distância considerada prudente, de forma a não gerar situações conflituosas. Só uma circunstância de extrema necessidade pode levar a uma interação entre ambos.
(...) cada um tem o seu nome, por exemplo, é como os gitanos, eles também são ciganos mas lá está, já têm o nome deles, são gitanos. Nós também já não temos convivência com essa gente, porque essa gente é muito, muito … marota e essa gente não dá para conviver. O nosso cigano não dá para conviver com um gitano. (...) São muito marotos, então aí se vê um cigano,... se lhe dá para nos malhar, batem-nos! (...) Pode crer que é verdade! Por exemplo uma filha nossa com essa gente, nós mais a queremos morta que com essa gente. (...) São ciganos sim, eles também são ciganos só que são gitanos, pronto são doutra…, doutra raça (mulher, 55 anos, cigana, extrato de entrevista, Ribeira).
Oh, isso é uma raça muito marota! É outra... como hei de dizer? São mais maus, já é outra raça, já não é como a nossa. A nossa, os ciganos é uma raça, eles já é outra (...) São ciganos mas são gitanos (mulher, 24 anos, cigana, extrato de entrevista, Largo).
Os ciganos “chabotos” além de se encontrarem por toda a área geográfica transmontana, tal como nos distritos de Bragança, Chaves ou Vila Real deslocaram-se também para outras regiões do país.
No distrito do Porto residem algumas famílias que Rodrigues (2006) identifica possuírem relações de parentesco com os ciganos, por ele estudados, em Carrazeda de Ansiães.
Na cidade do Porto, Magano (1999) refere que os ciganos que faziam parte do seu objeto de estudo se consideravam diferentes dos outros ciganos. Segundo a autora, os outros “chamam-lhes “chabotos”, “beirões”, ou então “ciganos portugueses”. Por seu turno, quando estes se referem aos outros ciganos que não os do grupo a que dizem pertencer, designam-nos de “espanhóis” ou “guitanos” (modo como pronunciam gitano) (Ibidem: 178). Entre “chabotos” eguitanos, tal como sucede em Bragança, “normalmente não há comunicação entre estes dois grupos de ciganos” (Ibidem). De acordo com a mesma fonte, “o tipo de grupo cigano a que esta comunidade defende pertencer, estende-se sobretudo pela região norte de Portugal, sobretudo no interior Norte (Trás-os-Montes). Muitos deles terão emigrado para Espanha” (Ibidem).
Em Coimbra, os “chabotos” que compõem a comunidade do Laranjal provêm da zona de fronteira com Espanha, dos concelhos e vilas adjacentes a Miranda do Douro que se deslocaram para essa região e aí se estabeleceram (Gonçalves, 2001). Os gitanos/quitanos e, na perspetiva de Gonçalves, os ciganos mais incluídos, para se diferenciarem do fraco estatuto que têm na sociedade, apelidam-nos de “chabotos”. Esta palavra, de origem espanhola, misturada com o romani significa pessoas que vivem em chabolas, ou seja, em barracas (Ibidem, p. 209).
No que diz respeito aos gitanos do concelho de Bragança, no início de 2007 residiam em meio urbano dois agregados familiares, com laços de parentesco entre si, num total de nove indivíduos que, profissionalmente, se dedicavam à venda de roupa nas feiras.
Esta família, oriunda da Beira Alta, estabeleceu-se em Mirandela há várias décadas e, posteriormente, nos anos 90 do século passado, deu-se um desmembramento, devido à formação de “contrários”vi, o que levou alguns dos seus membros a deslocarem-se para Bragança, onde residem até à atualidade.
Na perspetiva dos gitanos as diferenciações com os “chabotos” são claras, acentuando sobretudo razões de ordem moral (diferenças de estatuto e de atitude civilizacional), para justificar o afastamento em relação aos mesmos. A “autenticidade” do cigano centra-se no grupo ao qual pertencem e os “recos” ou “chabotos”, segundo afirmam, só se encontram nesta região.
Eles são tipo daquelas pessoas das aldeias, mais. Algum traço cigano mas não são ciganos, eles só são ciganos porque estão a viver no monte e as pessoas pensam que eles são ciganos. Eles não são ciganos mesmo, eles são recos, “chabotos”. Ciganos somos nós, eles são “recos”, “chabotos”.
Como é que eu hei de explicar? Nas aldeias há muitos ciganos desses mas esse cigano só é usado em Trás-os-Montes, não há em mais lado nenhum (…).Nós somos ciganos, eles são “recos”! Não é cigano, é “reco”, “chaboto”! Vem da palavra chabola, que é cigano de barraco! (…) Porque eles são capaz, por exemplo, mesmo a sociedade hoje em dia, se lhe der uma casa, eles são capaz de estar em sua casa mas não terem limpeza, nem higiene, nem horas para comer! (...) É raro (convivência). Vimo-los vir, até já me perguntaram se era dessas famílias, muitas vezes: “Oh pá, tu és cigano!” “ Mas sou cigano diferente, eu sou cigano parecido com o aldeano e eu não sou “reco”! Que é o caso de muitos. E mesmo as mulheres, as mulheres ciganas da nossa tradição gostam muito de se produzir e essas coisas e a mulher do “reco” não! É que elas..., elas não têm..., mesmo uma pessoa olha para elas não sente aquela... "Ai que cigana tão linda!" Enquanto que a nossa tradição já é diferente! (as mulheres deles) não fascinam. (...) Porque eles têm outras maneiras de viver. Eles vivem noutras culturas diferentes, mesmo. Mesmo dos hábitos, dos costumes, mesmo a pessoa em si, é diferente. Nós, você olha para nós, temos outra aparência da deles, mesmo na maneira de estar e essas coisas assim. (...) Mas eles podem ter aos mil, dois mil contos no bolso, mas eles preferem estar numa instituição a pedir! (risa)(homem, 26 anos, gitano, extrato de entrevista, Bragança).
Estes ciganos identificam-se com os espanhóis em vários aspetos como o cultural, social, tal como na linguagem ou calão por eles utilizado, que designam de romanó e, na sua opinião, não é idêntico ao dos “chabotos”.
Alguma coisa, mesmo na música, flamenco, nós gostamos muito. E mesmo os casamentos ciganos é quase igual aos nossos, dos espanhóis, é tal e qual, nos costumes. O romanó, nós temos o romanó que é aquelas palavras nossas que nós utilizamos no nosso dia-a-dia, o cigano espanhol é quase igual ao nosso, enquanto o do “reco”, o cigano “reco” é diferente! (…) Nós já é diferente, nós usamos o nosso calão mas em certas e determinadas situações. (...) É mais parecido com o espanhol, porque nós não temos nada a ver com os “recos”, é outra maneira diferente (homem, 26 anos, gitano, extrato de entrevista, Bragança).
No concelho de Bragança não se encontravam gitanos a residir em meio rural, no entanto noutras concelhos tal como Mirandela ou Torre de Moncorvo havia famílias que povoavam algumas aldeias.
Ciganos “chabotos”: percurso vivencial
Em tempos passados, os ciganos da região transmontana deslocavam-se por diversas povoações (normalmente as famílias tinham um circuito circunscrito a determinadas localidades), praticando a mendicidade, pois esta era uma forma de adquirirem bens alimentares para a sua subsistência.
A pedir, hoje aqui, amanhã além, passado numa aldeia, passado noutra! Com o tacho para que lhe botassem lá azeite! (...) A pedir pelas casas, a pedir um bocado de carne, de batatas, o que lhe davam as mulheres! Às vezes dava agulhas em troca de batatas (mulher, 24 anos, cigana, extrato de entrevista, Bairro Horizonte).
(Os ciganos) Eram ambulantes. (...) íamos a pedir esmola, para fazer de comer! (...) De casa em casa e de aldeia em aldeia. (...) Por ali pela zona de Vinhais (mulher, 37 anos, cigana, extrato de entrevista, Bairro Horizonte).
Algumas famílias, tal como refere Alves (1982), dedicavam-se à troca e/ou venda de animais, sobretudo asinino e cavalar, nas feiras da região e ao fabrico de cestaria, mas com o aparecimento da maquinaria agrícola que veio substituir o trabalho dos animais e com a entrada dos utensílios de plástico no mercado, estas atividades, aos poucos, foram abandonadas.
Na década de 60 e 70 do século passado, verificou-se um elevado fluxo migratório para o estrangeiro e, tal como os não ciganos, a população cigana emigrou, sobretudo para Espanha, à procura de melhores condições de vida, fixando-se em várias províncias do país vizinho. De acordo com Pereira (1992, p. 13), nos anos 90 do século passado, em Pontevedra viviam cinquenta a sessenta ciganos portugueses provenientes da região de Chaves; em Vigo calculava-se que fossem quinhentos os ciganos portugueses em atividades marginais; nas Astúrias cerca de uma centena em Segadas e cento e cinquenta em Tremanes, dedicando-se à mendicidade; em Santander viviam cento e cinquenta ciganos, provenientes de Chaves e Bragança, inicialmente a trabalhar na construção civil, passando mais tarde para o negócio nas feiras e mercados e em Miranda de Ebro cerca de uma centena, provenientes de Mogadouro. Nos anos de crise dispersaram-se por Vitória, Logroño, Burgos e outros centros urbanos. Um grande grupo de ciganos mendigos vivia em bairros de lata, nos arredores de Madrid. Em Valladolid existia outra colónia, assim como em Leão, Sevilha, Zamora, Salamanca, quase todos provenientes do Nordeste Transmontano.
Na década de 60 e seguintes, do século XX, o Nordeste Interior Português sofreu um êxodo populacional sem precedentes, assistindo-se a uma debandada contínua da população ativa mais jovem caminhando-se, assim, para um processo de desertificação(Cepeda, 1991)vii.
A perda de trabalhadores no meio rural e a consequente escassez de mão-de-obra foram algumas das razões que levaram os aldeanos (nome utilizado pelos ciganos quando se referem aos não ciganos) a valorizar o trabalho dos ciganos que, pouco a pouco, começaram a trabalhar como jornaleiros.
Nas diferentes localidades por onde se deslocavam, os ciganos também criaram laços de compadrio e relações de confiança com os aldeanos e, com o decorrer dos tempos, adquiriram terrenos, onde posteriormente edificaram ou compraram casas abandonadas ou corriças, à época afastadas do núcleo populacional da aldeia, onde passaram a residir regularmente.
Anteriormente, sem habitação, pernoitavam em locais que os agricultores lhes cediam, como palheiros, corriças, cabanais ou erguiam toldos nas proximidades das localidades, que os próprios transportavam e lhes serviam de abrigo. Por vezes, nas localidades onde “acampavam” (expressão usada pelos próprios) ajudavam os agricultores nos trabalhos agrícolas, já que alguns necessitavam de muita mão-de-obra, tal como na época das ceifas.
Na década de 80 do século passado algumas famílias deslocaram-se para a cidade de Bragança, por motivos familiares ou por considerarem que o mercado de trabalho urbano lhes proporcionava mais possibilidades de trabalho.
Assim, na atualidade, os ciganos da região encontram-se sedentarizados há várias décadas em muitas localidades do meio rural e também no meio urbano, com condições socioeconómicas e habitacionais diversas.
Trata-se de uma população muito jovem, contrariamente à população não cigana do concelho que em 2006 apresentava 13% de crianças dos zero aos catorze anos e 20% de idosos com mais de sessenta e cinco anos,de um total de 34625 indivíduos. A população cigana que compunha o nosso objeto de observação, em 2007, era de duzentos e cinquenta e seis indivíduos, dos quais 40% se enquadravam na faixa etária dos zero aos catorze anos e apenas 2% de idosos, com mais de sessenta e cinco anos.
No concelho de Bragança, para além das aldeias onde se encontravam famílias ciganas residentes, havia também localidades onde construíram casas mas moravam no estrangeiro (sobretudo Espanha), regressando apenas em determinadas épocas do ano, como no verão ou em novembro, para a celebração do dia de Todos os Santos.
Em meio urbano, os ciganos residiam nos bairros onde decorreu o trabalho empírico e em várias zonas da cidade, em casa própria (alguns casos com boas condições habitacionais), alugada ou em bairros sociais.
Em 2007 contabilizamos cento e trinta e seis agregados familiares a residir no concelho que correspondia a um total de quinhentos indivíduos, dos quais quarenta e quatro (32, 3%) eram mistos, ou seja, um dos cônjuges não era cigano. Destes, os casais com mulher cigana representavam 61,4%em relação aos casais com homem cigano (38,6%).
Os números que acabamos de expor revelam uma aproximação da realidade em relação à totalidade da população cigana que habita no concelho pois consideramos, tal como Liégeois (2001, p. 56), que os ciganos economicamente bem sucedidos se tornam invisíveis para uma boa parte da população.
Situação socioeconómica e habitacional na atualidade
Em Bragança, os ciganos dos bairros onde decorreu o trabalho empírico tinham condições socioeconómicas muito desfavorecidas, uma vez que estavam desempregados e viviam, sobretudo, de apoios sociais (Rendimento Social de Inserção). Por vezes, por motivos de incumprimento, a prestação era-lhes cessada, pelo que procuravam outras formas de subsistência, normalmente realizando atividades agrícolas nas proximidades e/ou, temporariamente em Espanha.
O mercado de trabalho urbano, cada vez mais exigente e competitivo, não os inseria, pois tratava-se de uma população com baixa escolarização e formação, fator associado, segundo os mesmos, à discriminação e preconceito de que são alvo, por parte da sociedade maioritária.
O seu contexto económico de pobreza refletia-se nas suas condições habitacionais que eram muito precárias, não lhe permitindo a compra ou aluguer de casa, por isso viviam em barracas e casas em avançado estado de degradação. As primeiras eram construídas pelos próprios, com materiais diversos, como chapas de zinco, tábuas soltas, entre outros desperdícios de materiais que encontravam e reutilizavam. As casas também não tinham as mínimas condições de habitabilidade e conforto e eram propriedade do município, tal como os terrenos onde construíram as barracas (à exceção do bairro da Encosta, onde algumas barracas se encontravam em terrenos de proprietário particular), sendo que dois dos bairros onde decorreu o trabalho de campo se localizavam na periferia de bairros, também eles periféricos, impercetíveis para quem passa nas proximidades.
Para além da fragilidade dos materiais com que as barracas eram construídas, não tinham instalação de luz elétrica, água canalizada nas habitações, casas de banho e saneamento básico. Por outro lado, os espaços envolventes também careciam de arranjos uma vez que não se encontravam asfaltados e no inverno, com os dias chuvosos tudo ficava enlameado, dificultando a deslocação de pessoas e automóveis.
Como as famílias, na sua generalidade, eram numerosas e quando por vezes se formavam novos agregados familiares, os espaços tornavam-se exíguos, pelo que recorriam a carrinhas que adaptavam para dormir e/ou a rulotes.
Para além dos agregados familiares residentes nestes bairros, os ciganos vivem por toda a cidade, como referimos anteriormente, concentrando-se em maior número em determinadas zonas, sendo que algumas famílias possuem condições económicas e habitacionais razoáveis ou boas, normalmente de recursos provenientes da emigração, sobretudo para Espanha ou França. Outras, no entanto, apesar de terem emigrado regressaram, sobretudo por razões familiares, mas sem meios económicos que lhes permitisse alterar as suas condições de vida.
No meio rural, em quatro das localidades onde decorreu o trabalho empírico, os ciganos residentes trabalhavam essencialmente como jornaleiros, assegurando os trabalhos agrícolas dos aldeanos, pois esta população está muito envelhecida, como vimos anteriormente, e consequentemente fragilizada para a realização de tarefas que requerem grande esforço físico.
Aqui vamos ganhando uma jeira, quando nos aparece! (...) Por exemplo, para mim, é para as batatas, para a azeitona, para a castanha. (...) Não é uma coisa certa. Castanha, o muito que poderá dar, alguns oito dias, quinze, depende daquilo que houver (mulher, 44 anos, cigana, Penedo, extrato de entrevista).
Os trabalhos agrícolas eram efetuados tanto pelos homens, como pelas mulheres e, como complemento às suas economias, cultivavam produtos essencialmente hortícolas em terrenos que os próprios adquiriram ou que lhes eram cedidos pelos não ciganos.
Eu sempre semeei as minhas batatinhas e os meus feijões. (...) Emprestaram-me sempre a hortinha para eu poder semear e eu sempre tratei disso eu sozinha que o meu homem só mos metia à terra e tirava, que do resto mais nada. Eu ia à jeira de tudo: das batatas, das castanhas, de tudo. (...) Eu chegava a levar os meninos para ir a regar. Levava um xailezinho, deitava-os no chão e eu lá cavava e regava e fazia tudo, nunca tive ninguém que me pusesse a mão. (...) Eu depois acabavam as castanhas eu ia ao rebusco com os meus filhos (mulher, 39 anos, cigana, extrato de entrevista, Serrania).
Às vezes arrendam-nas (aos ciganos), esses emigrantes que estão na França. Olha, trabalhai aquela terra, fabricai aquela terra! É assim. (...) Fabricam a horta, batatas, feijão, cebolas, isso que pertence à horta (mulher, 76 anos, aldeana, extrato de entrevista, Freixo).
Esta situação não se verificava nas duas povoações restantes, onde os ciganos só pontualmente e determinados indivíduos exerciam trabalhos agrícolas para os não ciganos. Numa das localidades, em Souto, viviam de apoios sociais (Rendimento Social de Inserção), tal como alguns agregados familiares de Ribeira, mas, nesta localidade, a maioria deslocava-se sazonalmente para Espanha ou outras regiões do país (normalmente concelhos próximos), onde realizavam trabalhos agrícolas, como a apanha da azeitona, vindima, ou outros.
As condições de habitabilidade, pelo geral, eram muito precárias, contudo, alguns agregados familiares de localidades como Serrania ou Freixo tinham condições razoáveis, tratando-se normalmente de casamentos mistos ou indivíduos que haviam emigrado.
Em Souto compraram casas antigas, abandonadas, assim como noutras povoações ou adquiriram terrenos, onde posteriormente edificaram, como em terrenos pertencentes às juntas de freguesia. Muitas construções encontravam-se inacabadas, tendo em falta divisões de compartimentos, chão e paredes cimentados, azulejos/mosaicos ou pintura e, nalguns casos, careciam de água canalizada, luz elétrica, saneamento e casas de banho e no espaço exterior contíguo às habitações os acessos não se encontravam pavimentados.
Relações interétnicas
As relações sociais dos ciganos que residiam em meio urbano limitavam-se ao grupo, pois interagiam com os seus familiares residentes no bairro, bem como, por vezes, de outros bairros da cidade e, com menos frequência, com os familiares de localidades próximas.
Nós damo-nos assim com os ciganos e assim. Mas com os aldeanos, sem ser com a professora Antónia e a professora Ângela, não temos relações com mais ninguém. (...) Convivemos, convivemos uns com os outros (mulher, 23 anos, cigana, extrato de entrevista, Bairro Horizonte).
Olhe, nós nunca vamos para ao pé de um aldeano, nunca saímos daqui de casa, estamos longe dos aldeanos (mulher, 27 anos, cigana, extrato de entrevista, Bairro da Encosta).
As relações com os não ciganos eram, sobretudo, a nível económico e institucional, no primeiro caso através da compra de bens para o seu dia-a-dia, como alimentos, vestuário ou outros, por vezes em negócios, sobretudo de automóveis e em trabalhos pontuais essencialmente agrícolas, assalariados (quando não usufruíam de ajudas sociais). A relação institucional prendia-se com o facto de se dirigirem com alguma frequência a determinadas instituições, públicas (como a Câmara, Segurança Social, escolas) ou de cariz social, onde por vezes criavam relações de compadrio com indivíduos que aí trabalhavam, com o intuito de obterem apoio, em caso de necessidade (como esclarecimentos acerca do funcionamento de determinados serviços ou preenchimento de boletins variados).
Nas diversas localidades do meio rural as relações interétnicas processavam-se de forma diferenciada. Em Penedo, Ribeira, Fonte e Souto, os agregados familiares ciganos residiam num espaço contíguo e, de um modo geral, a sua sociabilização ocorriaem contexto intragrupal, ou seja, entre as famílias da mesma localidade e, por vezes, com familiares de localidades vizinhas.
Em Serrania e Freixo as famílias ciganas dispersaram-se e estabeleceram-se noutros concelhos ou no estrangeiro, por motivos como a emigração ou a ligação marital noutras localidades, fator que afetou a dinâmica com a família alargada e levou ao desenvolvimento das suas relações concentradas na família nuclear.
Nós vivos somos onze. Cada um para seu lado, o Jorge está em Bragança, a minha Ana Maria, a mais nova, está em Macedo, a Judite está cá, a Alzira está em Ribeira e o Duarte está para a Espanha, o Manuel está para a Espanha também. Agora está o mais novo ao pé da minha mãe e está lá outro em (aldeia do concelho de Mirandela) também, que é o Pedro (mulher, 38 anos, cigana, extrato de entrevista, Freixo).
Nestas duas localidades, o número de casamentos mistos era elevado, pois, de um total de nove agregados familiares na primeira aldeia e quatro na segunda, seis e três eram mistos, respetivamente, podendo este facto traduzir uma interação dinâmica entre ciganos e não ciganos.
Em Ribeira e Souto a convivência entre ciganos e não ciganos era mínima, sendo que os primeiros não participavam da vida social, laboral, religiosa, ou outra, da aldeia, no entanto, os indivíduos ciganos entrevistados referiam sentirem-se confortáveis na respetiva localidade.
Conclusão
Na região transmontana encontram-se dois grupos de ciganos que se autodiferenciam entre si, uma vez que, segundo os mesmos são vários os aspetos identitários que os distinguem, tal como a nível económico, cultural, linguístico, religioso, entre outros.
Os “chabotos”, assim chamados por outros ciganos, a quem eles denominam gitanos, são o grupo mais numeroso que habita em Trás-os-Montes e sobre os quais incidiu o presente artigo.
Os “chabotos” do meio rural e urbano, apesar de um percurso vivencial idêntico até época recente, na atualidade estabeleceram dinâmicas diversificadas nas diferentes localidades onde residem, que se reflete nas suas condições socioeconómicas e habitacionais, bem como nas relações interétnicas com a população não cigana.
Enquanto na cidade vivem excluídos económica e socialmente, tal como em duas das localidades do meio rural, nas restantes aldeias os processos de interação com a população não cigana desenvolvem-se de forma dinâmica.
O estudo do grupo mais numeroso de ciganos que habita no Nordeste Transmontano contribuiu para a desomogeneização dos ciganos de Portugal, uma vez que os “chabotos” se encontravam invisibilizados, até ao momento.
Bibliografia
Alves, Francisco Manuel (1982). Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança ou Repositorio amplo de noticias chorographicas, hydro-orographicas, geologicas, mineralogicas, hydrologicas, bio-bibliographicas, hiraldicas, etymologicas, industriaes e estatisticas interessantes tanto à historia profana como ecclesiastica do districto de Bragança. Bragança: Tipografia Académica, tomo V.
Bastos, José Gabriel Pereira (2007). Sintrenses Ciganos - Uma abordagem estrutural-dinâmica. Sintra:
Câmara Municipal de Sintra/ Divisão de Saúde e Ação Social.
Cepeda, Francisco José Terroso (1991). Emigrantes regressados e desenvolvimento no Nordeste Interior Português. Bragança: IPB.
Coelho, Adolfo (1995).Os ciganos de Portugal. Com um Estudo sobre o Calão. Lisboa: Publicações D. Quixote.
Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura (2008). Relatório das audições efectuadas sobre Portugueses Ciganos no âmbito do Ano Europeu para o Diálogo Intercultural. Lisboa, (Doc. PDF).
Freire, Clotilde Tomé Reino (2004).Multiculturalismo Escolar: Uma Análise Comparativa. Curso de Complemento de Formação Científica e Pedagógica para professores do 1º CEB, IPB/ESE,Bragança, Portugal.
Gonçalves, Bruno (2001). Pontes sem margens. In AA.VV. (Ed.), Que sorte, Ciganos na nossa escola (pp.205-212). Lisboa: Centre de Recherches Tsiganes, Secretariado Entreculturas.
Gonçalves, João (1981).Retalhos da vida transmontana no passado e no presente. Izeda: Tipografia da Escola Profissional de Santo António.
LIÉGEOIS, Jean Pierre (2001). Minoria e escolarização: o rumo cigano. Lisboa: Centre de RecherchesTsiganes, Secretariado Entreculturas, Ministério da Educação.
Magano, Olga (1999). Entre ciganos «portugueses»: Estudo sobre a integração social de uma comunidade cigana residente na cidade do Porto. Dissertação de Mestrado, Universidade Aberto, Porto, Portugal.
Nicolau, Lurdes Fernandes (2010). Ciganos e não ciganos em Trás-os-Montes: investigação de um impasse inter-étnico. Tese de doutoramento, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. (2003).
A comunidade cigana portuguesa em Pamplona: Aculturação e preservação dos aspectos culturais do país de origem. Dissertação de mestrado, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. (2006).
Os ciganos transmontanos: Uma nota etnográfica. In Susana Pereira Bastos e J.G.P Bastos (Ed.), Filhos Diferentes de Deuses Diferentes. Manejos da religião em processos de inserção social diferenciada: uma abordagem estrutural dinâmica (pp. 237-249). Lisboa: ACIME.
Nunes, Olímpio (1996). O povo cigano. 2ª ed., Lisboa: Ed. autor/ Obra Nacional da Pastoral dos Ciganos.
Pereira, Inocêncio (1992). Ciganos continuam a ser marginalizados. In Mensageiro de Bragança (pp. 7-13).
Rodrigues, Hélder (2006). Ciganos: Percursos de integração e reivindicação da identidade - o exemplo paradigmático dos ciganos de Carrazeda de Ansiães. Guimarães: Editora Cidade Berço.
NICOLAU, Lurdes
Doutorada em Ciências Sociais e Humanas, Centro em Rede de Investigação em Antropologia
(CRIA)
in:VII Congresso Português de Sociologia
sou um cigano "xaboto"como dizem os gitanos,que nasci em castro de avelas bragança;Eu considerome CIGANO e nao xaboto temos outras costumes...e verdade,mas nem todos os ciganos sao iguais,pois depende no meio onde vivem,teem umas costumes ou outras;mas as costumes tradicionais (como o lenço)virginidade da moça, respeito aos mais velhos,o romano ou (latim)e o mesmo so algumas palavras sao diferentes (pois ha palavras que se podem dizer de varias maneiras ex.nos chamamos a policia barderes eles pestanhos mas palavra que se diz de uma so maneira e igual ex.agua,vinho,casa etc. nos e eles dizemos panhin,mol,quer a unica diferença mais apreciativa e que nos nao cumprimos tanto a rajatabla a LEI CIGANA nada mais OBRIGADO-
ResponderEliminarLos chabotos no son gitanos
Eliminar