terça-feira, 19 de agosto de 2014

Castelo de Ansiães, Igreja de São Salvador e panorama (Carrazeda de Ansiães) – História e paisagem num espaço singular

Igreja de São Salvador de Ansiães
O Castelo de Ansiães com o seu antigo povoado medieval, hoje apenas restos de muros, as sua igrejas românicas (a igreja São Salvador de Ansiães, é uma das mais belas neste estilo no Nordeste Transmontano) e beleza abrasador do seu panorama, tornam este lugar um dos mais importantes do turismo cultural em Portugal.
Um pouco de História do Castelo de Ansiães
A escolha do local para implantar a antiga povoação de Ansiães não poderia ser mais perfeita em termos estratégicos no alto de um cabeço fácil de defender (altitude, 810 m) com excelentes condições naturais de defesa.´
Escavações arqueológicas têm demonstrado que a ocupação do Castelo de Ansiães se iniciou há cerca de 5000 ano atrás, durante a fase pré-histórica denominada de calcolítico.
Desde essa altura o Castelo de Ansiães teve sucessivas fases ocupacionais são testemunhadas por interessantes vestígios materiais reveladoras de uma longa diacronia que abarca a Idade do Bronze, a Idade do Ferro e toda a fase de romanização do território transmontano.
“Esta vocação para a defesa natural adquire particular importância durante a Reconquista Cristã.
Nesta altura o Castelo de Ansiães obtém a sua primeira carta de foral. O documento outorgado em meados do séc. XI pelo rei leonês Fernando Magno constitui um dos mais antigos forais do espaço geográfico definido pelas actuais fronteiras do território português.
Durante a fase alti-medieval, o Castelo de Ansiães possuía já uma longa e reminiscente herança cultural, factor decisivo para se estruturar como centro fulcral na zona fronteiriça do rio Douro.
Os séculos XII, XIII, XIV e XV definem um período exponencial do crescimento deste reduto amuralhado.
Afonso Henriques em 1160; Sancho I, 1198; Afonso II, 1219 e finalmente D. Manuel I em 1510 reconhecem e promulgam forais à Vila amuralhada de Ansiães.
Este primeiro alargamento territorial revela a consolidação crescente da importância urbana que a vila teve ao longo de toda a Idade Média. Mas será na Baixa Idade Média que Ansiães se impõe estrategicamente numa região fulcral do expansionismo cristão, adquirindo assim um estatuto urbano que atinge o seu apogeu durante os séculos XIII e XIV.
Será nesse contexto que em 1277 o rei D. Afonso III lhe concede carta de feira. Esta realizava-se a meio de cada mês e tinha a duração de um dia completo. A prerrogativa deste monarca atesta, de certa forma, a pujança e a dinâmica de crescimento que durante a Baixa Idade Média Ansiães detêm na região de Trás-os-Montes, sendo a sua feira, a par da de Bragança, um dos poucos locais transmontanos onde o comércio estava instituído por diploma régio.. Mesmo assim, o povo de Ansiães revela-se pacífico e exclusivamente norteado em prol do interesse nacional.
Porque o povo de Ansiães apoia a causa do Dom João I na crise de 1383-85 contra o governador da localidade, João Rodrigues Porto Carreiro, a população revolta-se, escorraça-o e posteriormente impõe-lhe uma derrota em Vilarinho da castanheira (localidade que tem uma conhecida anta).
Banidos os Porto Carreiro, o povo de Ansiães ganha prestígio aos olhos da nova dinastia. E quando D. João I chega ao poder a localidade impõe-se mais uma vez como um dos principais centros “urbanos” na região transmontana.
A posição assumida pelo povo ansianense durante a crise de sucessão, ao tomar ” voz por Portugal”, em detrimento de outros concelhos e senhores que na mesma altura se “bandearam” com Castela, foi determinante para construir aos olhos do novo monarca uma forte referência de apoio à sua causa na região de Trás-os-Montes.
Por esse motivo e durante o seu reinado sucederam-se um conjunto de privilégios outorgados como nítidos actos de reconhecimento. Assim, em 1384 um diploma régio obriga os habitantes de Freixiel, Abreiro e Murça a concorrer para o levantamento dos muros e torres de Ansiães. Ao que se sabe, a dita vila estava cercada na maior parte por muros constituídos por pedra miúda, e são os homens bons do concelho que na altura se dirigem ao monarca para reclamarem um sistema defensivo mais monumental e condizente com o prestígio que a localidade gozava na região.
Infere-se daqui que o carácter monumental do sistema defensivo que ainda hoje possui a antiga vila foi projectado e construído já muito próximo dos finais do séc. XIV.
O processo dinâmico que conduziu à monumentalidade de Ansiães testemunha o seu antigo prestígio dentro da região transmontana, onde ao longo de toda a Idade Média se instituiu como um importante espaço concelhio. A dimensão e imponência desta antiga vila permitem adivinhar áureos momentos do seu secular desenvolvimento. Contudo, Os finais do séc. XV, e particularmente o séc. XVI, marcam o início de uma transformação demográfica traduzida numa perda cada vez mais acentuada da importância urbana do reduto amuralhado do Castelo de Ansiães, em função do desenvolvimento de outras localidades que constituíam o território concelhio.
Nas centúrias seguintes este movimento acabou por se agudizar, culminando na transferência dos Paços do Concelho do Castelo de Ansiães para Carrazeda, acto que ocorreu em 1734 pelo facto de no antigo reduto residir um número bastante reduzido de pessoas, dando-se assim início ao abandono de um local que foi ininterruptamente ocupado ao longo de 5.000 anos”.
A muralha exterior de Ansiães
A muralha mais externa da vila de Ansiães tem uma extensão superior a 600 metros e três torres quadrangulares. em traçado algo sinuoso dando origem a um espaço interno de grande dimensão mas com um perímetro bastante irregular.
Desta planta geral emerge uma organização urbana assente em dois eixos estruturantes que acompanham a rota dos pontos cardinais. Um primeiro eixo de ligação interna arranca a Norte, junto da porta de S. Francisco e dirige-se para Sul, culminando na porta de Fonte de Vedra.
O segundo, parte da Porta da Vila, a Oriente, e vem culminar no outro extremo Ocidental, junto da porta de São João Baptista. A partir destas linhas estruturantes partem depois pequenas ruas, vielas e arruamentos que organizam o intrincado da malha urbana.
Nesta organização espacial, ressalta em posição destacada a igreja de S. Salvador de Ansiães que é um dos mais belos templos românicos de Trás-os-Montes e quiçá de Portugal e que se ergue imponentemente na zona mais alta da área habitacional- mas lá iremos senhores. O templo é rodeado por um largo que integra a antiga necrópole medieval.
A muralha Interna de Ansiães
A sudeste abre-se a porta de S. Salvador junto a igreja com o mesmo nome que permite o acesso ao interior deste recinto através de um caminho que liga diretamente à torre de menagem. Esta porta, com arco de volta perfeita, é flanqueada por dois dos torreões que integram o complexo estrutural desta primeira muralha, constituindo o único ponto de acesso ao interior do reduto onde se centra a “infra-estrutura” vital do povoado, como é o caso de uma profunda cisterna com grande capacidade para o armazenamento de água.
Na cota mais elevada desse morro organiza-se uma primeira plataforma de configuração aproximadamente oval, que é definida a partir do traçado de uma pequena muralha que se reforça por cinco torreões quadrangulares.
A igreja de São Salvador de Ansiães
Mas mais fantástica é esta igreja românica de São Salvador de Ansiães com uma escultura românica excepcional pelo seu simbolismo iconográfico.
Outros edifícios românicos subsistem no distrito de Bragança que são notáveis e que merecem o respeito e a visita de todos os amantes do românico europeu e que são:
-Igreja românica de Santa Maria Azinhoso (Mogadouro)
-Igreja românica de Algosinho (Mogadouro)
-Igreja românica de Adeganha (Torre de Moncorvo)
-Cabeceira da Igreja de Castro de Avelães (Bragança)
-Domus Municipalis de Bragança
“A igreja de invocação a S. Salvador, em Carrazeda de Ansiães, é um testemunho de valor excecional do Românico nordestino. Destaca-se pelas suas proporções, harmonia e decoração escultórica. A arquitetura da igreja denota uma grande qualidade conceptual, desconhecendo-se, no entanto, o responsável do risco e realização da obra. A igreja, de pedra granítica aparelhada, ergue-se junto à porta do castelo, não se sabendo, em rigor, a data da sua fundação. A filiação estilística do templo na arte românica não significa que não seja posterior, dado o apego que persistiu no Norte de Portugal a esta corrente estilística. Pelas lápides que se encontram no terreiro, como letras e armas gravadas de ordens militares, é plausível aceitar que aqui se encontram enterrados os cavaleiros que lutaram contra Castela, numa batalha desenrolada num ribeiro próximo, e que para a vitória muito contribuíram os Sampaio, senhores da vila de Ansiães. A fachada da igreja é marcada por dependência medieval em ruínas, possivelmente a casa do padre, que se encosta ao alçado no ângulo direito.”1
Pantocrator
O Leitor sabe o que é um Pantocrator?
A igreja de São Salvador de Ansiães tem no seu portal principal, ou seja no seu tímpano, um objeto único, um “Pantocrator do Juízo Final” ou seja um  “Cristo em Majestade” que é um dos mais bonitos no país.
Um Pantocrator normalmente é colocado no tímpano de um templo românico, acolitado por evangelistas, profetas, santos e com frequentes figurações alusivas ao castigo e a salvação da alma com frequência barbado, justo mas atemorizador, que domina claramente-pela escala central majestática- as cenas enquadradas, procurando levar pelo bom caminho os crentes que a contemplam-pelo exemplo do verbo revelado através do programa iconográfico mas também pelo temor que a sua visão suscita.
Em substituição de Cristo surge, por vezes com o mesmo sentido teofânico-de manifestação de Deus- o Agnus Dei ou Cordeiro Místico simbolizando cristo da Paixão, morto para salvação dos homens.
Conhecemos 5 Pantocratores em Portugal: Igreja de São Pedro de Rates (Póvoa do Varzim), Igreja de São Salvador de Bravães (Ponte da barca), igreja de São Cristovão de rio Mau (Vila do Conde), igreja de São pedro de Rubiães (Paredes de Coura) e este Pantocrator de Ansiães
O Pantocrator de Ansiães está rodeado pelo tetramorfo com os símbolos dos evangelistas nas posições hierarquicamente corretas, com o anjo de São Mateus e a aguia de acima do touro de São Lucas e do leão de São Marcos, ou seja as entidades aladas sobre as terrestres.
Um raro Cristo imberbe encontra-se sentado com a mão esquerda segurando um livro sobre a perna esquerda e a mão direita em bênção.
Na última aduela do lado sul onde se esculpiu, numa escala consideravelmente maior que as restantes figuras, a figura de Moisés com as tábuas da Lei o primeiro passo para a salvação da humanidade.
Pela sua ornamentação, é considerado um portal de excepção. Envolvem as arquivoltas variadíssimas temáticas decorativas: fitomórficas, de perfis salientes, simbólicas, figuras antropomórficas, zoomórficas, etc.
No segundo arco interior, aparecem-nos representados S. Pedro, S. Paulo e mais sete figuras: umas ostentando livros e uma outra um pequeno macaco. As arquivoltas seguintes mostram-nos vários tipos de animais e distorcidas cabeças humanas, uma sereia…

Para tornar ainda mais misterioso o portal, aparece gravado neste um grande número de siglas. Estas repetem-se pelas paredes da igreja, sendo algumas de grande beleza.
A magnífica a igreja com os seus em capitéis profusamente decorados com a imaginária simbólica medieval é realmente admirável e poderíamos aqui construir várias páginas a meditar sobre o significado de todo aquele conjunto.
As fachadas laterais são animadas pelos singelos modilhões dos beirais e por duas portas também excelentemente ornamentadas.
Mas o românico não se fica por aqui, pois antes de chegarmos a linha de muralhas pode encontrar aqui a singela igreja de São João Baptista, cuja origem se perde no tempo e com um portal que estranhamente não se volta Ocidente, porventura devido a uma reestruturação posterior.

in:portugalnotavel.com

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