À tarde o sol fervia em Miranda do Douro. Pensámos lavar a vista e apanhar ar fresco na barragem de Picote, onde se costumam encontrar alguns pescadores e gentes locais a banhos. Mas a meio da rota, numa ruela de Sendim, fomos surpreendidos por uma senhora rija de lenço preto na cabeça, montada em cima de uma burra com uma mula ao seu lado.
Achámos naquele cenário um certo imaginário do filme "Trás-os-Montes", de António Reis e de Margarida Cordeiro, que retratou em 1976 o Portugal interior e profundo. Pobre e isolado. Que chegava a meter neve no prato para comer.
Descemos do nosso veículo e fomos ao seu encontro. A velha senhora de rosto mapeado pela vida estava em viagem, sem vagar para paragens. Pedi-lhe boleia como pretexto para conversar com ela. A D. Arminda, de 71 anos e de humor afiado, orientou-me para subir à mula. E depois de instalado ao seu lado fiquei a saber um bocado mais sobre si, o seu passado e as actividades daquela terra.
Contou-me que esteve mais de vinte anos emigrada em França, a trabalhar numa fábrica de cerâmica. "Estava a ganhar a vida. Amealhei o que pude para regressar à minha aldeia com dinheiro suficiente para comprar uma casinha, uma terreno e uma vinha. Agora que estou viúva trabalho no campo só para mim. Gosto de escavar, gosto de lavrar com a mula e o arado. E canto. De resto, roubo o tempo a Deus."
No final da conversa pedi-lhe para cantar. Arminda recusou. Porque é senhora da sua voz e só canta quando lhe apetece. "Quem canta seus males espanta. Quem chora tem sentimento. E eu canto sempre nos trabalhos do campo e em casa", diz. E, para sorte nossa, acabou por cantar. E que encanto. Um belo momento que documentámos em vídeo. "Agora vou-me. Boa continuação de dia", despediu-se Arminda. E seguiu o seu caminho. Nós seguimos o nosso de regresso a Lisboa. Voltamos à estrada dia 20 de Julho com mais quilómetros de histórias.
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