Bragança abriu um centro de fotografia com o nome do francês que, desde 1980, vem fotografar Portugal.
O fotógrafo francês nascido na Bretanha em 1934 e que trabalha para a Rapho, a mesma agência de Robert Doisneau - o autor de ‘O beijo do Hotel de Ville', a fotografia iconográfica tirada em 1950 em Paris -, tem um centro de fotografia com o seu nome em Bragança. Estão lá, desde abril, uma centena de fotografias tiradas por Georges Dussaud, nas oitenta viagens que fez a Portugal.
- Qual é a história da abertura em Bragança do Centro de Fotografia Georges Dussaud?
- Em 2007, no Porto, fizemos uma grande exposição retrospetiva [intitulada ‘Crónicas Portuguesas', depois publicada em livro pela Assírio & Alvim]. No final da exposição propus ao Centro Português de Fotografia a doação de parte do meu trabalho, mas o projeto acabou por não se concretizar, creio que por falta de meios. Como já tinha exposto diversas vezes em Bragança e sabia que a cidade era muito dinâmica - a mais dinâmica de Trás-os-Montes -, tornou-se a alternativa mais óbvia.
- Quando veio pela primeira vez a Portugal?
- Foi em 1980. No regresso da primeira viagem a Portugal, no verão desse ano, ao Alentejo, com os nossos três filhos, passámos por acaso na pequena aldeia transmontana de Ponteira e ficámos espantados com a atmosfera e com o mundo arcaico, mas, ao mesmo tempo, feliz. De regresso a França procurámos literatura portuguesa e começámos por Miguel Torga. No ano seguinte regressámos a Portugal, ao Barroso, e foi na pequena aldeia de Negrões que encontrámos um jovem chamado José. Naquele tempo não havia hotéis nem quaisquer infraestruturas na região; era inverno e estava frio. Perguntámos, então, ao jovem se havia sítio onde pudéssemos ficar. Ele disse-nos: ‘Em casa da minha mãe'. Era uma casinha muito modesta, sem aquecimento. A senhora, que se chamava Deolinda Varela, ofereceu-nos então - e sempre que lá fomos e até à sua morte - a sua casa para ficarmos. Sempre que vínhamos a Trás-os-Montes ficávamos com a ‘madame' Deolinda. Ela tornou-se a nossa avó portuguesa. Desde 1980 até agora, fizemos oitenta viagens a Portugal e acabámos por fotografar todas as regiões do País.
- Que impressão tem de Portugal? Como descreve o País?
- Em Portugal preferimos Trás-os-Montes, e particularmente o Barroso. Em vinte anos não mudou muito. Nota-se, isso sim, um êxodo de pessoas. Há cada vez menos famílias, menos crianças. As escolas fecharam. Mas, embora tenha menos gente, continua a ser uma região muito interessante. Eu e a minha mulher estamos muito ligados a Portugal.
- Fala português?
- A minha mulher fala um bocadinho, mas ‘eu fala muito mal'. A questão é que encontramos sempre alguém que fala francês e, por isso, nunca nos sentimos encorajados a aprender a língua.
- Portugal é fotogénico?
- Trás-os-Montes é muito fotogénico. É teatral. Os interiores são rústicos, com a luz crua da pintura holandesa, como nos interiores de Vermeer. Trás-os--Montes é uma região autêntica. Autêntica, mas não folclórica. Miguel Torga dizia que quando os camponeses saem para o campo com o rebanho parece que levavam uma constelação de estrelas atrás do capote. É isso. É essa poesia.
- O Portugal que prefere não é o Portugal atlântico?
- Não é por causa das praias que viajamos para Portugal, mas, é claro, já fotografamos o Litoral. Fotografámos Lisboa mas também a Apúlia, por causa da pesca tradicional, os agricultores que são também pescadores, uma coisa extraordinária que deu fotografias muito interessantes.
- Qual é o papel de Christine Dussaud? A sua mulher acompanha-o sempre...
- Ela é a minha assistente, escreve sobre as pessoas que encontramos, escreve sobre a nossa história. O catálogo da exposição no Peso da Régua, no Museu do Douro, é dela. E também uma instalação extraordinária, em que trabalhámos juntos.
- Fotografou o escritor Manuel António Pina, o realizador Manoel de Oliveira ou a escritora Agustina Bessa-Luís, entre outros. Como foi?
- Na exposição retrospetiva no Centro Português de Fotografia encontrámos o adido cultural de França e o diretor do serviço da câmara da cidade, responsável pelas relações internacionais, que me propuseram fazer um trabalho de residência sobre a cidade. Foi nesse âmbito que encontrámos essas personalidades do Porto - o Manuel António Pina, o Manoel Oliveira, o Júlio Resende, a Agustina, o Pedro Abrunhosa e o empresário Rui Moreira [candidato às autárquicas]. Agora estou a preparar um livro sobre o Porto.
- Houve alguém particularmente difícil de fotografar?
- Não, não. Tivemos com todos uma relação muito simpática. O Manoel de Oliveira, por exemplo, veio ter comigo ao Centro Português de Fotografia para ver a exposição e depois jantámos num restaurante. As fotografias foram feitas em sua casa e depois na rua... Foi tudo muito fácil com todos.
- Nunca fotografou políticos?
- Sim, fotografei Miguel Veiga e Adriano Moreira, mas, digamos, que estou mais interessado no mundo das artes.
- Disse numa entrevista que faz um trabalho de geografia humana. Pode explicar melhor?
- Digamos que faço parte daquela corrente da fotografia humanista, que em França é representada pela Rapho, uma agência muito antiga onde trabalhou Robert Doisneau, Édouard Boubat, entre muitos outros. Eu pertenço a essa corrente.
- Como é trabalhar na Rapho? É uma responsabilidade?
- É uma alegria. Infelizmente, atravessamos uma época muito difícil para os fotógrafos. A Rapho foi comprada por um grande grupo e perdeu um pouco da sua essência. Éramos uma família. Os grandes fundadores da Rapho estão todos mortos e a agência foi comprada. É outra época, infelizmente, mas é a vida. Agora a Rapho é uma máquina mais fria - uma revista vem e compra os direitos de publicação e pronto -, mas é a época em que vivemos.
- Como começou a fotografar?
- Fotografei durante toda a minha vida. A minha primeira comunhão foi o meu primeiro trabalho. O meu pai tinha uma loja de fotografia, por isso cresci no meio. Depois casei, tive três filhos e para viver fiz um trabalho comercial, mas quando os meus filhos cresceram resolvi dedicar-me inteiramente à fotografia. Foi em 1970.
- Por que é que fotografa a preto e branco?
- A fotografia a preto e branco exige que quem a vê se embrenhe naquilo que está a ver. A fotografia a cores exige menos e tem menos mistério. O preto e branco é uma linguagem próxima da poesia. As pessoas têm de entrar na imagem. Vivemos uma época em que a cor é a protagonista das solicitações comerciais - o cinema é a cores, a publicidade é a cores, a televisão é a cores. Vivemos cercados de cores. Na sociedade contemporânea há uma espécie de usura da cor.
Correio da Manhã
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