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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Gaita-de-fole

Gaita-de-fole transmontana da colecção do Museu da Música de Bruxelas (anterior a 1982). Presume-se que será da autoria do artesão Rodrigo Fernandes, de Miranda do Douro; notem-se os entalhes característicos e o fole de cabrito inteiro. Os tubos serão em madeira de enguelgue (foto: cortesia do Museu da Música de Bruxelas).
"Gaita-de-fole", "Gaita Mirandesa" ou "Gaita Transmontana" - Portugal, Trás-os-Montes
A Gaita-de-fole de Trás-os-Montes (também chamada de "Gaita Transmontana" ou "Gaita Mirandesa") é tradicionalmente de construção artesanal e partilha semelhanças morfológicas com as gaitas-de-fole de Sanabria, Aliste ou Zamora, comarcas espanholas fronteiriças. Possui um ponteiro de furação larga, com digitação aberta, preso no pescoço de um fole de cabrito, assim como um bordão de grandes dimensões, preso na pata direita, e um assoprete, preso na pata esquerda. A sua tonalidade pode oscilar entre Si, Si bemol e Lá, dependendo dos artesãos, e exibe intervalos próximos dos usados na música da região, sobretudo na flauta pastoril ("Fraita", em Mirandês) e vocal.

Construção



As práticas musicais e os próprios materiais de construção dos instrumentos estão profundamente envolvidos no contexto agro-pastoril desta região. 
As técnicas de construção deste instrumento eram, até há bem pouco tempo,  artesanais, com os artesãos (eles próprios gaiteiros, por vezes) a tornear as peças em tornos de pedal, perfurando-as com brocas e ferros fabricados para o efeito por ferreiros, ou adaptando para essa função material já existente.
Esse era também o modo como em toda a Europa se faziam as diferentes gaitas-de-fole, antes da introdução de técnicas industriais.
Actualmente começam a surgir alguns artesãos que procuram construir gaitas transmontanas com as ferramentas industriais hoje disponíveis: tornos eléctricos, ferramentas de precisão, ferros de furação em aço temperado, etc.
Isso tem levado ao surgimento de gaitas deste modelo que têm características mais estáveis e precisas do que os modelos mais antigos - inclusive, já permite que várias gaitas transmontanas afinem e toquem em conjunto, mantendo as suas características tímbricas e musicais únicas.
A Gaita-de-fole na foto acima é uma réplica de modelos transmontanos construída na oficina da Associação Gaita-de-Foles, por Victor Félix e Mário Estanislau, a partir dos modelos dos artesãos transmontanos Rodrigo Fernandes e Manuel Paulo Martins. 
O modelo da foto foi construído com técnicas de construção modernas e possui uma escala diatónica menor natural - uma opção que procura conciliar o timbre original destas gaitas, com uma afinação próxima (tanto quanto possível), dos modelos tradicionais, tentando torná-la minimamente temperada.
Foi construída em madeira de buxo e possui um fole de cabrito inteiro. As palhetas simples e duplas são de cana ("Arundo Donax").


Afinação


Um aspecto detalhado da copa de um Roncão. 
Os entalhes decorativos com padrões geométricos 
são uma das imagens de marca
 das gaitas transmontanas. 
(foto: André Ventura).
Hoje em dia mantém-se um debate intenso sobre qual será a escala "verdadeira" dos instrumentos desta região: fundamentalmente diatónica menor natural, menor harmónica, menor melódica, maior ou até uma escala natural não-temperada.
Segundo Alberto Jambrina Leal (1), é possível encontrar exemplares afinados com uma 3ª neutra e em várias ocasiões, com o 6º e 7º graus neutros, com quase 1/4 de tom abaixo - o que ao ouvido humano dá a sensação de escala menor, com uma subtónica em vez de sensível e de 3º e 6º graus baixos. Estes micro-intervalos podem encontrar-se nos Romances (género épico-lírico cantado, com provável origem medieval), prova da influência mútua das práticas musicais e da presença de um sistema modal, mais do que tonal.

Apesar da diversidade de opiniões, é preciso lembrar um facto importante: este era um instrumento artesanal, que por isso admitia inúmeras variações em vários exemplares, conforme o gosto dos artesãos e dos gaiteiros que os tocavam. 


Apesar de ser identificável um padrão minimamente comum em muitos instrumentos de diferentes artesãos (sobretudo na sua morfologia), os exemplares recolhidos em várias campanhas etnográficas e as muitas gravações existentes mostram uma grande variedade de afinações, o que torna a existência de um "modelo único" algo difícil de comprovar.

Os Gaiteiros
José Maria Fernandes, 
Gaiteiro transmontano de Urrós,
 Mogadouro. (foto: André Ventura).
Mas a Gaita-de-fole transmontana conserva ainda alguns aspectos das tecnologias pré-industriais e dos saberes a elas associados: tradicionalmente eram os próprios gaiteiros que procuravam e escolhiam as madeiras adequadas, seleccionavam o cabrito do qual se fazia um fole e não raras vezes, fabricavam as suas próprias palhetas, para além de fazerem depois os entalhes decorativos nas peças da gaita, com uma mão habilidosa e uma simples navalha.

O típico gaiteiro transmontano assume, portanto, a figura do "Gaiteiro total": é ele que afina e faz a sua própria gaita, aprende e ensina repertório e técnicas e naturalmente, é ele o "rei da festa", quando é solicitado para animar os bailes e festas comunitárias.

Alguns dos mais conhecidos tocadores de gaita-de-fole transmontanos, 
nos anos 60: Carlos Gonçalves (Moimenta de Vinhais, Bragança), 
João Prieto Ximeno (Rio de Onor, Bragança), 
Manuel Paulo Martins (Vale de Mira, Miranda do Douro) 
e Manuel Sam Pedro (Travanca, Mogadouro). 
Fotos: Instrumentos Musicais Populares Portugueses, 
Gulbenkian, 2000.
A formação mais habitual é o grupo de Gaiteiro, Caixa e Bombo, sendo que o gaiteiro abre as festas sazonais com Alvoradas, acompanha habitualmente as procissões e as danças de "L's Palos" (mais conhecidos por "pauliteiros"). 
Esta gaita está a tornar-se bastante popular, assistindo-se em Trás-os-Montes a uma revitalização crescente das práticas musicais a ela associadas. Curiosamente, também fora da área geográfica transmontana existe um certo público urbano que se interessa cada vez mais por este instrumento e que está apostado na sua revitalização.
Os géneros musicais frequentemente associados a esta gaita são as danças como o Baile Agarrado, Baile Picado, Jotas, Murinheiras, Carvalhesas, mas também os Lhaços que acompanham as danças dos pauliteiros, nas aldeias do concelho de Miranda do Douro.
Para além da música de dança, também é  frequente que o gaiteiro seja chamado a acompanhar funções rituais, como as alvoradas, passacalhos, rondas e procissões.

Da esquerda para a direita: Galandum Galundaina, G
aitafolia e Lenga-lenga, exemplos de novos grupos
 que procuram recuperar as gaitas transmontanas.
Gaiteiros transmontanos famosos foram recolhidos por vários etnógrafos e existem numerosas gravações que hoje servem de inspiração para a recuperação desse instrumento e do seu repertório - entre os mais conhecidos, contam-se os nomes de Alexandre Augusto Feio, José João da Igreja, Manuel Sampedro, Manuel Paulo Martins, Nascimento Raposo, Paulino Pereira João, João Prieto Ximeno, Carlos Gonçalves, Rodrigo Fernandes, entre outros.
Hoje em dia, para além dos gaiteiros "tradicionais", vão surgindo também novas formações que procuram fazer a continuação e reinterpretação dos repertórios e instrumentos transmontanos, como por exemplo, os grupos Gaiteiros de Lisboa, Galandum Galundaina, Gaitafolia ou Lenga-lenga.

in:gaitadefoles.net

1 comentário:

  1. Sou filha do artesão Rodrigo Fernandes de Miranda do Douro. Ele várias vezes me falou que vendeu a primeira gaita de foles que fez, ainda moço, a um amigo Joaquim ventura, quando foi prestar serviço militar. Em 1972 fez a segunda para o neto Luís cordeiro (fotógrafo). Pelas informações de meu pai e porque ambas as gaitas são quase iguais bem como uma de duas da sua autoria que estão no museu de terras de Miranda posso garantir que a gaita que está exposta em Bruxelas é trabalho de meu pai. Lurdes Fernandes cordeiro

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