quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Das ermidas que estão fora da cidade de Bragança

Ermida de S. Bartolomeu
Extramuros tem esta cidade três bairros e há menos de trinta anos se povoaram com
cento e setenta moradores: o da Ponte, e passa da outra parte do Fervença, o da Moreirinha e Fora de Portas. E das ermidas que todas estão fora do povoado darei princípio pela de Nossa Senhora do Loreto, santuário de grande devoção que tem esta cidade.
Pelos anos de 1535, pouco mais ou menos, o venerável padre frei Manuel Corvo, da religião seráfica, natural desta cidade e morador no Convento de S. Francisco da mesma, em tempo que ainda viviam com os privilégios dos padres conventuais, por ser este convento neste Reino, dos últimos em que no ano de 1568 entrou a reforma da regular observância, desejando retirar-se da claustra e, em estado mais perfeito, solitário seguir a vida contemplativa, foi a Roma e para este efeito alcançou a bula do Papa Paulo III. E visitando a Santa Casa do Loreto, na província da Marca, tão devoto daquele angélico santuário voltou a esta cidade que, com as esmolas de seus moradores e licença da Câmara, fundou no campo do concelho a igreja ou ermida de Nossa Senhora do Loreto que fica para a parte ocidental desta cidade e junto ao rio Fervença.
E nela colocou uma imagem de Nossa Senhora da mesma invocação do Loreto que tem ao Menino Deus nos braços e este religioso trouxe de Roma. É de escultura e terá dois palmos e meio, ainda que hoje e de que a memória dos homens se lembra por maior veneração está de vestidos e com eles representa mais estatura e uma peregrina beleza. Junto da igreja fez aquele venerável religioso uma pobre morada e decente ao humilde estado da sua profissão.
Mas nesta paz em que vivia tem algumas contradições com o bispo D. Toríbio Lopes, primeiro deste bispado. E, pedindo nova bula ao papa Júlio III, venceu as dificuldades da sua conservação nesta santa casa e, há lembrança, foi religioso reformado e de virtuoso exemplo.
E não alcanço outro particular da sua vida nem ainda com certeza notícia da sua sepultura, mas entendo que já no ano de 1553 devia ser falecido, porque no livro dos acórdãos da Câmara, em Fevereiro do mesmo ano, está um assento que diz: “porquanto a Igreja de Nossa Senhora do Loreto que é de muita devoção se acha devoluta, pertence a esta Câmara o cuidado dela”, etc.
Deste se encarregou o licenciado Manuel Gomes Correia, da principal nobreza desta cidade e, abusando da permissão, se chamava padroeiro, por cuja causa a Câmara alcançou sentença contra ele. E porque tinha umas propriedades junto da mesma igreja com duas fontes que era o fundamento que tomava, lhe deu outras em troca e daquelas fez doação à igreja, como também, no ano de 1661, de outro campo contíguo com as primeiras, e que um mordomo daria contas cada ano ao Senado do seu rendimento e despesa nas obras da mesma igreja, consta do tombo da paroquial de S. João Baptista, fol. 217. Semelhante dúvida houve com Bartolomeu de Abreu que, nomeando-o a Câmara para mordomo desta igreja, o zelo com que a tratou por alguns anos lhe facilitou querer ser também padroeiro, de que há outra sentença contra ele e está incorporada no tombo supra. Ultimamente, apresentando-se estas ao bispo D. Jorge de Melo, em 1634, por virtude delas julgou também pertencer o padroado desta igreja à Câmara desta cidade, como consta do livro das visitas da Colegiada de Santa Maria, fol. 64, e nesta posse se conserva e é a razão porque dia de Santo Amaro vai assistir na sua festa a esta igreja e lhe dá propina de cera e incenso.
O reverendo João de Prada, de vida exemplar, natural desta cidade, e abade que foi de Monforte de Rio Livre e especial devoto da Senhora do Loreto, em 1706 mandou reedificar esta igreja a fundamentis. E na vila de Chaves fez uma nobre capela da mesma invocação do Loreto, com vínculo de morgado, de que foi primeiro administrador seu irmão António de Prada, cavaleiro do hábito de Cristo, da Casa Real e governador do Forte de S. Francisco da mesma vila, onde casou. E hoje o é seu filho João de Prada Lobo, que tem os mesmos títulos e ocupação. E na desta cidade pôs capelão com obrigação de três missas cada semana: nas segundas-feiras, no altar das almas, nas sextas, no do Santo Cristo, e nos sábados, nesta igreja. Ficou esta com a nova reedificação com maior grandeza da que tinha e os seus devotos a têm ricamente paramentada. Na tribuna da capela-mor está a santíssima imagem da Senhora do Loreto que se festeja na infra octava da Sua natividade, festa do Santíssimo nome de Maria. E no corpo da igreja há dois altares, um de Santa Ana e outro de Santo Amaro, muito milagroso, com relíquia e venerada com grande concurso no seu dia.
Por duas vezes se erigiu confraria de seculares em louvor da Senhora e, ultimamente, outra de sacerdotes e todas se extinguiram brevemente, reparo que fez o Sant. Mariano, p. 5, L. 3, título 3, fol. 558, ser uma das grandes prerrogativas que também acham na magnífica casa de Nossa Senhora do Loreto da cidade de Lisboa. Mas sem este culto de irmandades, assistem os fiéis ao desta igreja, com muita frequência e devoção.
Junto da capela-mor se fez um recolhimento com tribuna para a mesma, no qual assistem algumas devotas mulheres. E a primeira que nele entrou e o fez por sua conta foi uma honesta viúva chamada Teresa da Cruz, terceira da Venerável Ordem da Penitência, natural desta cidade, à qual vestiu o hábito nesta igreja o padre pregador frei Francisco de Santa Engrácia, guardião do Convento de S. Francisco, em dia de S. José de 1712. É já falecida e a sepultaram na capela-mor desta igreja e deixou opinião de penitente e virtuosa vida.
Fazem memória desta igreja a Monarq. Lus., 5 p. L. 17, no fim do cap. 12; padre Esperança, na Hist. Seraph., part. 1, L. 1, cap. 6, fol. 56; Agiolog. Lus. e Cororaph. Lus., tom. 1, Livro 2, trat. 3, fol. 496; e o Sant. Marian, supra, 5 part., L. 3, título 3; e em tudo estão conformes, exceto na fundação e padroado, porque é na maneira que acima se declara, como também o mais que digo.

Ermida de Santa Apolónia
A ermida de Santa Apolónia, que fica perto do Loreto, da outra parte do rio, está em uma quinta e há tradição o foi de Fernão Mendes, o Braganção, e se continuara em seus descendentes até Nuno Martins de Chacim que era da mesma família e governou esta cidade em tempo de el-Rei D. Dinis. E por uma escritura do arquivo da Câmara consta o foi também do alcaide-mor Lopo de Sousa, casado com D. Beatriz de Albuquerque, e que seu filho João Rodrigues de Sousa doou a parte que lhe pertencia a Sebastião de Barros, em 1525.
Ultimamente, entrou nela, por via de compra, Pedro Aires Soares, e a possuem seus descendentes, com vínculo de morgado. Há poucos anos se via nela ainda uma antiga torre, junto ao rio, e se aproveitaram do material para outra que de novo se fez, por estar aquela arruinada.

Ermida de S. Lourenço
A ermida de S. Lourenço, com grandes herdades que aí estão juntas, é do morgado do alcaide-mor Lázaro de Figueiredo Sarmento. E seu pai, do mesmo nome, também alcaide-mor, a reedificou a fundamentis, há poucos anos.

Ermida de Santo António
Na quinta de Vale das Flores que é de João Ferreira Sarmento Pimentel, cavaleiro do hábito de Cristo e fidalgo da Casa Real, está a ermida ou capela de Santo António.
Outra ermida de Santo António No Campo do Toural, junto a esta cidade, está a ermida de Santo António, levantada em um lajeado de pedra, com escada por toda a circunferência e em 1708 a fundou António de Figueiredo Sarmento, cavaleiro do hábito de Cristo e governador que foi desta cidade e nela está sepultado, da parte de fora. E no fecho da abóbada tem as armas de Figueiredos e Sarmentos.

Ermida de S. Sebastião
Todas as ermidas sobreditas ficam para a parte ocidental desta cidade e para a parte do oriente a que fica mais próxima a ela é a de S. Sebastião, que se fundou no tempo em que este Reino se via agonizar entre os horrores de uma terrível peste, em 1569, e serenou o patrocínio deste santo e glorioso mártir, motivo por que é geralmente festejado. Nesta cidade solenizam a sua festa as duas paróquias alternadamente com a assistência da Câmara, que é padroeira desta ermida. Na dominga dos Ramos, o prior da colegiada os benze nesta ermida a que assiste o abade de S. João e a Câmara, que dá o sermão. E se forma uma devota e solene procissão que se termina na colegiada para continuarem os ofícios divinos e os fregueses de S. João se dividem com boa ordem a fazer o mesmo, porque passa a procissão junto da sua igreja.
Por estas partes se tem especial devoção com o Santo Mártir, não só em lhe fazer rogativas quando há males contagiosos, mas muito particularmente para sezões. E com frequência se visitam as suas ermidas com missa cantada ou rezada por agradecimento do benefício.
Um engenheiro que nesta província tomou por sua conta demolir as ermidas de S. Sebastião, com pretexto de conveniências militares nas guerras da feliz aclamação e a desta cidade experimentou a mesma execução, comummente se diz que, brevemente, morreu de sezões.
Certamente não teria devoção ao Santo Mártir, nem experimentaria o favor que os portugueses lhe confessamos. A desta cidade se reedificou a fundamentis por conta da Câmara e povo, como hoje está, e aquela tem obrigação de a ter reparada e paramentada.

Ermida de S. Lázaro
Junto do rio Sabor está a ermida de S. Lázaro e há tradição [que] havia antigamente junto a esta um hospital. E ainda hoje têm devoção os que se veem oprimidos com feridas antigas lavar a imagem do santo e com esta água curar-se. Bem notório é nesta cidade que meu filho Bento José de Figueiredo, sendo menino de um ano, se cobriu todo, exceto o rosto, de uma medonha pústula. E cansada a medicina de aplicar remédios, porque cada dia lavrava mais, foi o último se lhe preparasse a mortalha. Mas eu que apelei da sentença para o patrocínio do Santo, solicitando este com sacrifícios, e com a água com que se lavou se fez o mesmo ao menino e em termo de vinte e quatro horas caiu toda aquela pústula em caspa e ficou são e liso, só com a cor denegrida que, brevemente, tomou a natural. E no mesmo ano lhe fiz a sua festa, com demonstrações de obrigado, que é na dominga de Lázaro e se faz com grande concurso.

Ermida de S. Bartolomeu
Para a parte do sul tem esta cidade um levantado monte e com a eminência em que está o castelo levam o rio bem apertado. E no mais alto daquele se vê a ermida de S. Bartolomeu, que por este nome o faz conhecido e também pelos muitos mananciais de excelente água em que se desata. E na sua volta com a produção de generosos vinhos, principalmente os que se avizinham ao rio e também é reportório infalível que promete água quando se vê coroado de névoa.

Ermida de Santa Rita
Não se demorou muito esta cidade no conhecimento da advogada dos impossíveis, ao depois que o padre frei Francisco de Brito deu à estampa o livro da sua vida, em 1710 2, porque no mesmo ano apareceu no Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição desta cidade e, em 22 de Maio do seguinte, se lhe fez a primeira festa com novena e sermão que tomou por sua conta o doutor Bartolomeu Leitão, cidadão desta cidade, e a continua todos os anos no mesmo mosteiro em que pôs um quadro de excelente pintura e, na igreja do Santo Cristo, a sua imagem.
O reverendo prior Bento da Ponte, protonotário apostólico e beneficiado da Colegiada de Santa Maria, natural desta cidade, em uma sua quinta que tem no monte de S. Bartolomeu lhe levantou ermida e em ela celebrou a primeira festa, em Maio de 1714, e a faz todos os anos com sermão e a tem curiosamente asseada. E já que o padre mestre frei José de Santo António se não lembrou desta cidade para dizer os cultos e devoção que tem a esta grande santa, direi agora que de Lisboa imediatamente se lhe participou e que, obrigada a este benefício, se avantajou em lhe levantar a primeira capela própria que tem neste Reino, segundo no seu livro, intitulado Vitórias dos impossíveis, fol. 199 3, diz se lhe levantou nova capela em 1715, porque a primeira em que se colocou não era própria da santa, porque já estava feita no seu Convento de Nossa Senhora da Graça e só o fica sendo a que de novo se lhe dedicou.
Se quiserem dar-nos esta precedência que, sem dúvida, a tem esta cidade, terá Lisboa a de sua grandeza para os cultos desta gloriosa santa, a que esta só com os desejos pode igualar.

MEMÓRIAS DE BRAGANÇA

Autores
Bruno Rodrigues
Cátia Ferreira
Diogo Ferreira
Fernando de Sousa
Filomena Melo
José Augusto de Sotomayor-Pizarro
Luís Alexandre Rodrigues
Maria da Graça Martins
Paula Barros
Ricardo Rocha
Virgílio Tavares

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