Iniciada a construção em 1698 em resultado de um milagre ocorrido numa pequena capela que se encontra ao lado, o santuário de Santo Cristo foi concluído na 1ª. metade do século XVIII. De características arcaizantes em pleno barroco, é um templo grandioso com fachada flanqueada por duas torres, abóbada de cruzaria no interior e sacristia revestida de pinturas setecentistas. Possui retábulos de preciosa talha barroca.
De acordo com uma inscrição patente na igreja, de 26 de Abril de 1698, num pequeno templo existente à entrada da povoação do Outeiro suou sangue o Santo Xpo. Este milagre, que haveria de conhecer grande divulgação e originar ainda maior devoção, levou a que, ainda nesse mesmo ano de 1698, fosse lançada a primeira pedra do novo santuário, evocativo deste acontecimento.
Apesar da importância da obra, esta somente ganhou fôlego em pleno reinado de D. João V, remontando a sua edificação aos anos de 1725 e 1739. Situada junto à fronteira com Espanha, onde as guerras da Restauração, primeiro e as da Sucessão, depois, se fizeram sentir mais veementemente, esta imponente e grandiosa igreja constitui um caso raro, senão único, no panorama arquitetónico português dos anos do Barroco. Muito embora a arquitetura setecentista tenha sido marcada por um forte eclectismo, Santo Cristo do Outeiro destaca-se por se assumir como experiência revivalista, à margem dos modelos eruditos que à época se produziam na capital.
De facto, aqui observamos uma série de citações gótico-renascentistas e também maneiristas, que têm por principal fonte a igreja de Santa Maria de Belém, monumento emblemático do reinado de D. Manuel. De acordo com os estudos de Vítor Serrão, coabitam neste templo ecos mais ou menos digeridos das seguintes "fontes" eruditas: um espaço de igreja - salão derivado longinquamente do dos Jerónimos ; uma cobertura de tipologia "manuelina" da mesma derivação (com abóbadas de cruzaria de ogivas na nave, cúpula no transepto, e abóbada de dois tramos, de calote esférica e de berço na capela-mor) ; uma portada principal também de tipologia manuelina ; galerias laterais com elementos de ressonância renascentista ; uma estrutura inspirada na church-box da era sebástica envolvendo a capela-mor ; uma tipologia de fachada segundo o modelo de São Vicente de Fora.
Por sua vez, os retábulos de talha dourada são joaninos, de estilo nacional, destacando-se o da capela-mor que estranhamente se recurva, na boca da tribuna, em jeitos de cortina túrgida e naturalista de recorte "manuelino". Refira-se ainda que se encontra, na sacristia, um teto de caixotões, executado em 1768 por um pintor de Valladolid, Damião Bustamante, cujo modelo segue, também, as influências seiscentistas, ao invés de adotar a composição em perspetiva, então em voga.
Merece especial atenção a fachada principal, flanqueada por torres, com remate piramidal revestido por telha. O corpo central, em cantaria, e rematado por uma balaustrada que une as duas torres, organiza-se em função do portal mainelado (ao qual falta o mainel), a que se sobrepõe um óculo decorado, ambos de tipologia manuelina. Ladeiam estes elementos duas colunas dóricas, que são continuadas por colunas torsas, estas enquadrando nichos de frontão interrompido.
Não se conhece o autor do projeto, cujo desenho se encontra riscado no chão do templo, mas parece fora de dúvida que a planta tenha vindo de Lisboa. Sabe-se, contudo, o nome de muitos dos artífices que aqui trabalharam, destacando-se uma série de mestres pedreiros de origem galega e leonesa. Supõe-se, assim, o contacto destes trabalhadores com a arquitetura lisboeta, facto de grande significado para o estudo das ligações arquitetónicas de fronteira. Longe dos modelos barrocos que, ao tempo, se edificavam na capital, Santo Cristo do Outeiro, que durante o século XVIII se tornou um concorrido santuário de peregrinação, parece dever o seu programa de retorno a 1500 à tentativa de revitalização de uma época áurea para Portugal, legitimadora da identidade de Portugal e de forte pendor nacionalista, que se explica pela proximidade com Espanha e a ainda muito recente memória das guerras da Independência e da Sucessão.
Adaptado de: IPPAR / IGESPAR
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