quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Memórias Orais/João Garcia

No rosto, a permanência de um sorriso que deixa transparecer sem querer. O olhar é pequeno, mas onde cabe muito mais do que aquilo que quer contar.
Desde que se lembra, foi sempre guardador de gado, nunca foi à escola e nunca conheceu os lugares que ficam para lá de Ligares. “Com 5 anos comecei a guardar gado, andava com o meu pai e os meus irmãos e quando tinha 7 anos já o guardava sozinho”. Desse tempo lembra uma vida difícil, dura, onde muitos dos trilhos da vida de pastor, foram feitos descalço. “Era uma vida ruim. Éramos 10 irmãos, sempre na miséria”. Dormiu muitas vezes no campo para não se descuidar do gado, e a refeição era “o que calhava, pão ou migas”, mas haveria de ter forças para conseguir ver os filhos criados.
Tem memória do primeiro automóvel que viu em Ligares mas os seus caminhos eram durante muito tempo feitos a pé, a confiar no tempo. Andou de comboio quando foi “ao número”, para a inspecção na tropa, em Lamego. “Foi a única vez”. A dureza dos dias por vezes “fazia das suas” mas as visitas ao hospital era só quando se podia. Tinha que se ir a Freixo e para lá ainda não havia transportes. “Muitas vezes ficava-se em casa, doente”. Aguentar era na maioria das vezes o remédio.
Agora, com 89 anos, João Garcia já não atravessa o Douro nas barcas, como em tempos o fez. A força já não é a mesma. Agora vai ficando por Ligares, diz que nunca lhe deu pra sair de lá. Está viúvo há mais de dez anos. Já não tem a companhia de sempre, e por isso houve uma parte da sua vida que deixou de ter um sentido lógico.



Deixou o trabalho, vendeu as cabras e as ovelhas quando a sua mulher faleceu. Agora é só ele, na sua terra, a que nunca haveria de o ver partir.

Joana Vargas
Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta

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