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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 2 de julho de 2016

A Praça do nosso contentamento

"O Coreto enquadrava as verbenas e parece que ainda se ouvem melodias de outros tempos. Ouve-se também o cantar dos números do Bingo do GDB: o 1, sozinho, o pilinhas; o 88, as maminhas da Amália…"

A Praça Camões estava repleta de gente focada no grande ecrã ali montado para ver a bola. Um silêncio de cemitério, preenchia o ambiente, enquanto olhares expectantes tentam distrair o polaco que se preparava para marcar a grande penalidade.

Emparedado entre o Cinema Camões e o Liceu, na magia do tempo, fugiu-se-me a lembrança para outras noites…
Debaixo das arcadas, o Cachimbo Xixeiro afiava a faca, pronta a cortar com mestria a peça de vitela que pendurada no gancho, aguardava pela sua vez. A Tia Aurora que ganhava a vida a vender leguminosas, maltratava uma cliente burguesa que se atrevera a desdizer dos seus feijões. O Sr. Zé Espada, estacionava com dificuldade a camioneta Bedford, série “J”, o primeiro modelo a ser produzido, em 1963, na General Motors da Azambuja. O Milhão vendia vasos e outros cacos, cães de louça e flores artificiais. A Rebordonas vendia casqueiro e grelos. O Peixeiro sacudia as moscas. O Chefe Maurício agarrava o cinto das calças e cofiava o bigode, esticando os beiços, numa manifestação de autoridade não fosse ter de correr atrás de algum meliante. Os namorados aproveitavam a distração dos pais e fugiam, à socapa, para o Jardim António José de Almeida e
acobertados pela proteção frondosa das tílias, trocavam os beijos possíveis. O Chico Nareco, guardador do Jardim, tomava conta dos pimpões que a pequenada alimentava, na pequena taça que já não repuxava. Migalhas de pão alimentavam os pardais, nervosos e irrequietos. Nas latrinas, o Elvis fazia mais uma viagem nas fumaças e ácidos, sobras dos meninos ricos da cidade. No Floresta saía mais uma tosta mista das mãos sisudas do Sr. Teixeira. A D. Alice, Santa Alice, aturava os estudantes enfrascados de subarus e charabanadas. Na esplanada fermentavam amores proibidos, fechados em armários que o tempo demorava em abrir. Olhares furtivos, de sinalética codificada, congeminavam transações de outras vidas, daquelas que nunca se encaixam e se auto destroem. Nos buracos dos muros do jardim, rebentavam bombas de Carnaval, compradas às escondidas na Tabacaria do Jesuíno. O Coreto enquadrava as verbenas e parece que ainda se ouvem melodias de outros tempos. Ouve-se também o cantar dos números do Bingo do GDB: o 1, sozinho, o pilinhas; o 88, as maminhas da Amália…

As lembranças desorganizam-se e vejo agora o Polis, pelo meio, o Fervença, limoso, flui sozinho, enfraquecido pelo decorrer do estio. Os peões, à falta de velocípedes, ocupam a ciclovia e refilam às modernices da juventude e dos que teimam em ser elegantes.
De volta ao Mercado, o Cachimbo desfez a peça de vitela. O Peixeiro vendeu os carapaus aos pobres e a pescada chilena ao Dr. Nalguinhas. A Tia Aurora vendeu o melhor feijão manteiga da temporada. O Milhão tratou mal a canalhada que lhe roubou um par de fisgas. O Chefe Maurício adormeceu de tédio.
No grande ecrã, o Quaresma selou o 5-3 final, depois do Patrício defender o quarto remate dos polacos, um tal de Blasczkowski. No empedrado, ouve-se a borracha dos pneus da Bedford do Zé Espada, o motor 220 Diesel de 3614 c. c., queixava-se da vida que levava.

Acabado o jogo, o povo voltava para casa sem pensar no Brexit ou nas hipotéticas sanções da União Europeia. Que Diabo! Estávamos nas meias-finais.
Como dizia o último ébrio que saía do Floresta: Que se f… o mundo!


Rui Machado
in:Correio Transmontano no Facebook

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