Era com certeza um dos mais endinheirados homens de Bragança, a avaliar pelos “feitores”, “servos e criados”, “moços e moças” que tinha ao seu serviço. Em sua casa havia sempre 2 mesas e panelas diferenciadas de comida. Na mesa principal comia ele, a mulher, a filha, o genro e os feitores, comida de uma panela onde não entravam coisas proibidas pela lei de Moisés. Para “dissimular com o genro”, que era cristão-velho, metiam, por vezes, na travessa carne tirada da panela onde cozinhavam para os criados. Disso nos dá conta Leonardo Ferreira, seu sobrinho e feitor. (1)
Nascido por 1534, Rodrigo era filho de Diogo Lopes, de Bragança e Florência Manuel, de Chaves. Por 1555, casou com Águeda Martins, da família Carrião, bem conhecida pelo santo ofício. Tiveram uma filha única que batizaram com o nome de Maria Lopes. Estaria esta destinada a casar com um cristão-novo mas o pai optou por casá-la com um cristão-velho, da nobre família dos Figueiredo, que moravam junto ao convento de S. Francisco. Parece que, nas suas infidelidades à mulher, Pedro Figueiredo ia dormir com a sua amante (mulher casada e cristã-nova) a uma dependência da casa paterna, junto ao alojamento dos criados.
O casamento seria por 1573 e o jovem casal ficaria vivendo em casa de Rodrigo Lopes, sita a meio da Rua Direita “comendo e bebendo todos a uma mesa”. Desejoso de lavar a nódoa do sangue judaico e guindar-se a um estatuto social da ordem da nobreza, o capitalis Rodrigo decidiu gastar uma pequena fortuna em obras pias, de encher o olho. Assim para o colégio da companhia de Jesus comprou um turíbulo de prata e na igreja do colégio mandou fazer um púlpito, metido na parede. Para a capela do Loreto, comprou paramentos novos. Ao convento de S. Francisco ofereceu o douramento do retábulo da igreja. A igreja da Misericórdia foi dotada com uma cruz de prata, substituindo a cruz de pau que levavam quando saía o Santo Sacramento. Outras mais esmolas e obras pias podiam arrolar-se. Mas vejamos apenas uma outra, a mais importante de todas, transcrevendo as palavras do processo:
- Provará que por ele réu ser como é bom cristão e zeloso das coisas da santa madre igreja de Roma e lei evangélica, ele fez uma capela na igreja de Nossa Senhora na cidade de Bragança, a qual capela é da invocação de Nossa Senhora dos Prazeres e custou a ele réu mil e quinhentos cruzados, com um pontifical muito rico de brocado, a qual tem muito ornada e aparamentada de tudo o necessário, com seu capelão e obrigação de uma missa cantada cada semana às quartas-feiras. (2)
Quis o destino que, em vez da ascensão social, viesse um solicitador da inquisição de Coimbra buscá-lo preso ao início de Fevereiro de 1591. Era o início da subida ao calvário, anos de dor e sofrimento nas húmidas e abafadas masmorras.
Em Junho de 1593, o mesmo tribunal decretou a prisão de sua mulher e filha. Esta não chegou a ser levada para Coimbra porque, estava no fim da gravidez e faleceu ao dar à luz. Aquela… não foi encontrada quando iam prendê-la, começando a circular boatos de que o genro (homem poderoso de nobreza e fidalguia) a teria mandado esconder. E porque com a inquisição ninguém brincava, foi-lhe igualmente instaurado um processo. Seria preso se, no prazo de 10 dias, não entregasse a sogra e se não apresentasse ele também em Coimbra.
De facto Águeda Martins apresentou-se ali em fins de Junho, dizendo que não fugira mas que viera logo que a filha morreu. Ficou presa e não mais saiu do cárcere, vindo a falecer ao cabo de um ano. Pedro de Figueiredo apresentou-se uma semana depois da sogra e conseguiu explicar-se e regressar a Bragança logo de seguida. (3)
E agora imagine-se o jovem fidalgo, envergonhado porque a mulher e os sogros foram presos por judeus. Mas também feito senhor absoluto da casa de seu sogro! Para tudo ser perfeito só faltava uma coisa: que este não mais regressasse a Bragança.
Este objetivo não o conseguiu mas conseguiu que nunca mais voltasse à sua própria casa, na Rua Direita. O tribunal decretou que ele ficasse a cumprir a sentença de “cárcere e hábito perpétuo” em uma cela do convento de S. Francisco, atendendo ao seu pedido. Veja-se:
- Diz Pedro Figueiredo, morador na cidade de Bragança, que ele foi casado com uma filha de Rodrigo Lopes, o qual foi preso e penitenciado pelo santo ofício no auto passado que se fez na cidade de Coimbra e lhe mandaram que fosse cumprir a dita penitência à dita cidade de Bragança e por isso se seguirá mui grande escândalo entre seus parentes, que são muitos e dos mais nobres da cidade, como é Lopo Sarmento, irmão da mãe dele suplicante, o qual é alcaide mor da dita cidade e os mais parentes (…) todos são os que governam a dita cidade e além disso haverá e resultará da dita ida muitas brigas e dissensões por haver bandos e tomarão motivo seus inimigos de murmuração vendo o dito Rodrigo Lopes diante dos ditos seus parentes, o que vendo ele suplicante, fez pedido a Sua Alteza pedindo-lhe haja por bem que o dito Rodrigo Lopes possa cumprir a dita penitência em qualquer lugar fora da dita cidade, o qual senhor remeteu o caso para esta Mesa. Pede (…) hajam por bem o que dito tem ou pelo menos nos arrabaldes da dita cidade (…) ou em uma ermida que foi casa dos estudantes colegiais, ou em uma casa que está dos muros adentro, que tem uma ermida em que possa ouvir missa mandando-a dizer ou que possa estar no mosteiro de S. Francisco da dita cidade.
Percebe-se desta exposição o medo do regresso à vida pública do seu sogro, Rodrigo Lopes. Acrescentemos que, a esta data, Pedro Figueiredo, senhor dos bens que foram de seus sogros, nomeadamente a casa da Rua Direita, estava já acertando novo casamento com D. Violante Sarmento, filha do referido alcaide mor.
Ficou também senhor da capela de Nª Sª dos Prazeres, dentro da igreja de Santa Maria. Décadas depois, um seu descendente, de nome Pedro Figueiredo Sarmento, haveria de instituir um morgadio com cabeça naquela capela e nesta mandar colocar o seu brasão e uma legenda com os seguintes dizeres:
- Esta capela mandou fazer Pedro de Figueiredo alcaide-mor. 1585.
Boa falsificação da história! Forma simples de apagar a memória do grande Trasmontano, Sefardita e Marrano que foi Rodrigo Lopes!
Ao contrário, verdadeiramente exemplar foi o caso de um sobrinho de Rodrigo Lopes, chamado Diogo Guerreiro. Foi preso na mesma altura, juntamente com sua mulher, Isabel de Faro. Saíram ambos no auto de fé de 8.10.1595. Pois: em 1 de Outubro de 1606 conseguiu despacho favorável num processo de justificação de nobreza e fidalguia e limpeza de sangue, dele e de sua mulher! (4)
Teias que a inquisição tecia? Ou histórias políticas a coberto do manto da inquisição?
NOTAS:
1-ANTT, inq. Coimbra, pº 2768, de Leonardo Ferreira.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 2095, de Rodrigo Lopes.
3-ANTT, inq. Coimbra, pº 7112, de Águeda Martins; pº 2987, de Maria Lopes; pº 480, de Pedro Figueiredo.
4-ALVES, Francisco Manuel, Memórias Arqueológico Históricas do Distrito de Bragança, X, p. 708 e seguintes.
Número total de visualizações do Blogue
Pesquisar neste blogue
Aderir a este Blogue
Sobre o Blogue
SOBRE O BLOGUE:
Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
(Henrique Martins)
COLABORADORES LITERÁRIOS
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Gostei imensamente do registro histórico dos personagens que fizeram (e fazem), a história da região de Bragança.
ResponderEliminarE admirei-me de que uma brasileira (do rio de Janeiro),também seja protagonista dessa história.
Ao autor da coleta dos dados históricos os meus mais sinceros -parabéns!
Pena que eu nunca tenha ido a Portugal. Se houvesse ido, faria com certeza,uma visita à região onde se fala "mirandês", que é o jeito mais genuíno do falar das gentes de Portugal; tal e qual o falar "caipira" aqui no Brasil, do qual sou pesquisador e ardoroso defensor.
Muito bem!!!!!