Outrora não havia tantas pontes como isso no Portugal Interior. A Ponde da Formigosa, sobre o rio Tuela, próxima de Vale de Juncal, só foi iniciada no último quartel do Séc. XIX e terminada em 1913, pelos mestres vindos de Cabanas, da Terra Fria, sendo um deles o avô do mirandelense (de Vale do Juncal) Vítor Cabano. Portanto, a inauguração foi muito posterior à chegada do comboio a Mirandela (1982).
O meu pai, nascido em 1906, dizia-me que o escoamento dos produtos agrícolas da corda de Lomba/Vinhais até Cabanelas eram transportados em carretos de bois, por Chelas, atravessando nas famosas Barcas de Chelas para embarcarem, primeiro Douro abaixo e depois no «Comboio do Tua em Mirandela». Os anexos da antiga «Casa dos Lima», a sul da Igreja Nova (a actual), a anterior ficava a sudoeste do cemitério da aldeia. Muitas vezes, era uma aventura atravessar o Tuela na Barca (de Chelas) quando ia de monte-a-monte. Eram precisos quatro paus ou bareiros bem grossos, com quatro homens dos mais possantes, subindo um pouco com a Barca pelo rio acima para depois cortarem as águas turvas e revoltas, na diagonal até encostarem à outra margem.
Ia mais um ágil para saltar com os pesados e grossos cadeados e os prender na amarradoura. A cena mais marcante era a de irem dar a barca à (professora) Dona Ãngela (da Encarnação Fernandes), má coma as cobras, sentada no meio da barca com um casaco a tapar-lhe a cabeça e os olhos, a inglesar uma reza e a invocar os santos. Eu e outros, meninos de escola, fazíamos figas para que a Barca fosse rio abaixo com ela. Isto a propósito do dito que encima esta nota e incompleto.
Mas o meu texto acaba por ser mais metafórico, não se referindo tanto aos condicionalismos das enxurradas e das águas diluvianas, que, por vezes, desabavam dos eternos aposentos de S. Pedro e enfureciam os calmos rios. Ocorreu-me este assunto a propósito das contrariedades da vida, dos momentos negros e adversos, das doenças, da insegurança e de mil e um outros males. Por isso, recorremos, por exemplo a Santa Bárbara quando trovoa ou arresponsamos familiares ou amigos para que tenham sucesso ou sorte. Por isso, existem as tradições do primeiro de Maio, da plêiade de deuses clássicos, dos ritos da religião cristã. A fé existe desde que o homem ganhou consciência das suas fragilidades e o quão pouco valemos quando a sorte é madrasta. Por isso, dizemos: «quando o pau da Barca falha a Fé é que nos salva». Isto é, nunca devemos desistir de porfiar. Muitos se perderam por não fazerem o último esforço necessário ao sol da vida.
Jorge Lage
in:atelier.arteazul.net
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