O dialeto mirandês sobreviveu centenas de anos no isolamento, alcançando em 1999 o estatuto de segunda língua oficial em Portugal, reconhecida pela Assembleia da República.
Foi o filólogo José Leite de Vasconcelos que, em 1882, revelou a Portugal e ao mundo que havia “uma outra forma de falar” no longínquo Planalto Mirandês, no distrito de Bragança, e cujo idioma era o “dialeto mirandês”.
Isolada naquele espaço durante centenas de anos, dadas a condições geográficas do seu próprio território natural, a língua foi sendo transmitida por via oral a partir do latim popular e como uma ramificação do asturo-leonês.
Júlio Meirinhos, antigo deputado do PS, principal impulsionador do processo de reconhecimento oficial dos Direitos Linguísticos da Comunidade Mirandesa, diz à agência Lusa que era preciso criar mecanismos legais para impulsionar o mirandês e assim tirá-lo da clandestinidade e projetá-lo com dignidade no universo das línguas minoritárias.
“O mundo universitário e a comunidade científica também não ficaram indiferentes a este processo de oficialização do mirandês, bem pelo contrário, demonstraram de imediato um grande interesse pelo processo, colaborando na fundamentação dos motivos para o reconhecimento do mirandês logo na primeira versão do projeto-lei”, lembra.
Passo a passo, na Assembleia da Republica o mirandês acabaria por tornar-se na segunda língua oficial em Portugal, em 29 de janeiro de 1999.
Ao nível do ensino, o mirandês já era lecionado desde 1986/87 nas escolas da cidade de Miranda do Douro e acabaria por chegar à vila de Sendim no ano 2000.
De acordo com Domingos Raposo, primeiro docente de língua mirandesa, o ensino do dialeto tem dado frutos.
“Com esta aposta, que se quer cada vez maior e com mais condições, a juventude mirandesa garantirá o futuro da língua, que voltará ao lar, ao trato diário, à expressão artística e científica e não só” frisa.
Segundo o docente, com a ausência de manuais, os professores de mirandês têm de construir os recursos didáticos e pedagógicos, contando ao longo deste trajeto apenas com os apoios da autarquia, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro (AEMD).
“Apesar das dificuldades, os números falam por si. Ao longo de quase 30 anos de ensino do mirandês, o AEMD, já registou cerca de 5.453 matrículas de alunos”, contabiliza Domingos Raposo.
Outro dos marcos importantes na história deste dialeto foi a elaboração da Conversão Ortográfica da Língua Mirandesa (COLM), um trabalho que começou em 1993 e ficaria concluído em 2000, reunindo um grupo de investigadores e linguistas de renome para sua elaboração.
“A COLM permitiu estabelecer regras essenciais da ortografia. A sua simplicidade e harmonia permitiram que rapidamente essas regras fossem assimiladas e aceites. Assistimos, de forma ímpar, à explosão da escrita, que contribui para o reconhecimento e crescimento da língua mirandesa”, explica o linguista António Bárbolo Alves, um dos responsáveis pela elaboração do diploma.
Se o mirandês foi no passado uma língua da tradição oral, é atualmente uma língua de escritores, com diversos especialistas, como o já falecido Amadeu Ferreira, a deixarem marcas como a tradução de alguns clássicos da literatura grega, de “Os Lusíadas”, de Camões, e as aventuras de Astérix.
O futuro da língua mirandesa passa, também, pelas novas tecnologias. O investigador e linguista José Pedro Ferreira acredita que as novas ferramentas de comunicação são fundamentais para a manutenção das línguas regionais perante a s novas gerações de falantes.
“O mirandês tem desde 2001 um dicionário disponível na rede, já atualizado várias vezes, cuja primeira edição em papel está prevista para breve. Este dicionário, hoje com mais de 20.000 entradas, tem sido usado para criar um primeiro tradutor automático mirandês/português, disponível gratuitamente em várias páginas na web”, explica o investigador do Instituto de Linguística Teórica e Computacional.
O presidente da Câmara de Miranda do Douro, Artur Nunes, diz, por seu turno, que o futuro imediato da língua mirandesa passa pela assinatura, por parte do Governo português, da Carta Europeia das Línguas Minoritárias.
“Este passo em frente seria importante para os investigadores nacionais e internacionais que pretendam ir além no estudo da língua mirandesa”, frisa o autarca.
Segundo os linguistas e outros investigadores, o mirandês está confinado aos concelhos de Miranda do Douro, Vimioso e Mogadouro.
Contudo, a diáspora levou e leva a que “lhégua” (língua) seja falada nos quatro contos do mundo, não havendo um número concreto de falantes.
in:bomdia.eu
Sem comentários:
Enviar um comentário