segunda-feira, 31 de outubro de 2016

MEMÓRIAS ORAIS - António Pires

Já completou 95 anos e o sangue ainda ferve quando fala das injustiças a que assistiu na sua vida. Passou por muito mas nunca teve medo a nada. Nem ao Douro, esse gigante que tantas vezes atravessou a nado para ganhar mais algum.
“Aqui era um miséria, até caiam as lágrimas, de volta deles. Cheguei a passar aqui no Douro, na Matança, passei em muitos sítios mas onde passava mais era no Águeda, era a bau. Um dia levava dez mulheres e homens, e tinha chovido. Tinha um que nos passava no Águeda, e eu estava na Barca, chegou ao pé de mim, [oh ti António olhe que eu não me atrevo a passar o Águeda, que cresceu muito]. Peguei na tralha, abalei, fui lá eu e passei-os, o primeiro agarrado a mim e depois os outros passei-os agarrados uns aos outros, passei-os assim. Era uma calças de pana, uma blusa, era isso que passávamos”. 
A destreza era útil ao negócio e fez com que nunca fosse preso, nem nunca visse os guardas que se confundiam por entre as fragas. Uma ocasião passou sozinho e à corda, 100 kg de amêndoa partida. “Passava-a eu à corda, ele (espanhol) ficava com uma ponta do lado de lá e eu trazia outra para este lado, com uma taresga a rodar para um lado e para outro e era assim, essa noite como eu me vi para passar tanta amêndoa!”.
Emigrou para França “de assalto” à espera que a vida lhe melhorasse. Deu-se bem mas também passou lá muita tristeza confessa. “Passei muito mas lá me desenrasquei. Para onde ia todos me agarravam pela mão”. Quando regressou a Portugal ainda se dedicou à agricultura, comprou uma propriedade, “eram alguns 50 milheiros de vinha, oliveiras e amendoeiras”. 
Os dias por agora são passados na Estalagem onde comprou um quarto para si e para a esposa. Os cinco filhos já estão governados e António Pires pode agora gozar do tempo do descanso.

Texto: Joana Vargas


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