O Mestre Pasteleiro brigantino, Eurico Castro, irá representar Trás-os-Montes e Alto Douro na primeira semifinal do concurso televisivo da SIC Best Bakery já este domingo à noite.
ENTREVISTA:
Diário de Trás-os-Montes (DTM): Como é que nasceu a tua paixão pela pastelaria e com que idade?
Eurico Castro (EC): A minha paixão pela pastelaria nasceu quando eu tinha 9 ou 10 anos. Fui para o Primeiro Ciclo e, na altura das férias, ia sempre para uma pastelaria trabalhar e foi a partir daí que achei que era aquilo que eu queria fazer e foi a partir daí que senti vontade em mudar de vida. Ia a fazer 13 anos quando decidi, efetivamente, começar a trabalhar. Gostava, quis aprender, as pessoas com quem eu comecei a trabalhar era tudo gente nova, pessoas fantásticas e acabei por adorar aquele ambiente de trabalho, aquele mundo e foi isso que me fez ficar, associado ao fascínio de fazer coisas, de estar sempre a inovar, o facto de não ser sempre uma coisa sistemática, sempre igual. Foi isso que me fez ir ficando, até porque via futuro nesta profissão, e foi assim que a paixão se foi instalando definitivamente na minha vida. Até hoje, trinta anos depois.
DTM: Entre os vários projetos que desenvolveste ao longo dos anos, podemos destacar dois produtos: o bolo-rei e o ouriço de castanha. Mas porquê a castanha?
EC: Eu cheguei a uma altura e depois de perceber o mercado e as voltas que isto estava a dar, há cerca de dez anos, até porque houve uma quebra muito acentuada em termos de consumo de pastelaria, achei que era muito importante dar ênfase àquilo que nós temos. Olhando para trás e para o panorama que existia, percebi que havia uma falha enorme relativa ao desenvolvimento de produtos à base de castanha. Daí ter considerado extremamente importante a vantagem de só nós, enquanto região, termos esse produto e comecei, então, por achar oportuno, a desenvolver projetos ligados à castanha. O facto de ser uma coisa pessoal, acabava por abranger toda uma região, precisamente por tratar-se de um produto endógeno, direta e indiretamente.
DTM: Em que ano surgiram ambos os projetos?
EC: O ouriço de castanha surgiu há 8 anos e foi o primeiro produto que eu fiz relacionado com a castanha. O bolo-rei de castanha veio dois anos depois, ou seja, há cerca de seis anos.
DTM: E qual é o balanço que fazes oito e seis anos após o nascimento dessas tuas duas criações?
EC: Há aqui duas notas importantes que eu gostaria de referir, pois não se conseguem dissociar uma da outra. Aos olhos das pessoas, estes são dois projetos que têm tido muito sucesso, quer mediático, quer empresarial. Mas isso não se reflete nos números. Tudo aquilo que eu tenho feito, nomeadamente, os ouriços de castanha e o bolo-rei que vendemos na altura do natal, alguma quantidade, pois nós também não temos uma grande produção, nunca se refletiu diretamente em números. Quero dizer com isto que, apesar das vendas serem muitas, houve sempre um grande investimento a acompanhar, tendo sido este sempre maior do que o lucro que conseguimos encaixar com a venda desses produtos.
DTM: Apesar disso, o balanço é ou tem sido positivo?
EC: Muito positivo. Claramente! Há um antes e um depois de começar o projeto da castanha. Aliás, existe uma fase anterior que é toda ela de conhecimento e depois há uma outra fase em que é aplicado com objetividade todo esse conhecimento adquirido ligado a um só produto. Essa é que foi a minha grande descoberta. Aplicar todo o meu conhecimento num só produto.
DTM: No entanto, existe um outro produto concebido, também, por ti, e que antecede o próprio projeto da castanha. Aliás, é o desenvolvimento da pasta de castanha que te irá permitir, depois, a criação de outros produtos derivados. Daí seres conhecido como o pai da pasta da castanha. Consideras correto este epíteto?
EC: Sim, sou o pai da pasta da castanha. É uma receita minha, que não existe em mais lado nenhum, criada por mim, fabricada por mim, produzida por mim e transformada por mim. Tudo começa na pasta da castanha, só que com uma visão diferente. De uma visão mais de balcão, de cidade, que evoluiu para uma visão mais empresarial, mais industrial, mais a querer chegar a outro lado.
Há uma grande dificuldade no mercado. As pessoas compram castanha congelada para fazer o pudim em casa e isso não serve. Tem dado problemas, é caro, as pessoas desiludem-se e deixam de comprar. A pasta da castanha é um produto que está pronto a ser utilizado em qualquer tipo de doçaria e depois com a vantagem de não ter nem corantes, nem conservantes. É um produto que só tem três ingredientes e deriva de um método e processamento artesanais que garantem à pasta da castanha uma qualidade inegável e excecional.
DTM: Aliás, esse é outro produto comercializado, também, por ti?
EC: Exatamente! A pasta da castanha foi uma matriz criada por mim que surgiu pela necessidade de colocar um produto fresco de alta qualidade em todo o país. Daí ter optado por embalar o recheio de forma a ser possível, nos quatro cantos do território, o ouriço de castanha ser fabricado e consumido fresco, pois achei que o produto perderia muita qualidade se assim não fosse. Foi uma estratégia que eu desenvolvi, se bem que a pasta da castanha tem inúmeras aplicações em pastelaria.
DTM: A pasta da castanha, o ouriço e o bolo-rei de castanha são três produtos que tu confecionas ao longo de todo o ano, correto?
EC: Sim! Claro que a castanha tem uma época própria, mas eu com este trabalho estou a tentar que as pessoas comecem a aprender a consumir castanha de outra maneira. Ou seja, o importante aqui é que as pessoas consumam castanha durante todo o ano, mas para cada época do ano é preciso adaptar o produto às circunstâncias. Imaginemos, a castanha, nesta altura, é o ouriço, o pudim ou esse tipo de sobremesas. Já no verão, temos de atualizar as receitas para um tipo de sobremesas mais frescas e não tão calóricas. E esse é o grande objetivo!
DTM: Como é que te definirias numa só palavra enquanto pessoa e enquanto mestre pasteleiro?
EC: Um lutador...
DTM: No sentido em que vais à procura do sonho? Recordo-me, por exemplo, da tua viagem aos Estados Unidos da América, mais precisamente, à cidade que nunca dorme, Nova Iorque. O intuito, deduzo, era o de veres a reação de uma outra cultura do outro lado do Atlântico ao teu produto, o ouriço de castanha, no entanto, nem sequer falas inglês. Como é que correu?
EC: Top! Não podia ter corrido melhor. A ideia foi: tenho de ir a um sítio em que me sinta seguro a nível pessoal, pois ninguém me conhece, ninguém sabe quem eu sou, onde eu possa mostrar o meu produto e as pessoas me possam dizer aquilo que pensam sobre ele sem me conhecerem de lado nenhum.
DTM: Neste caso, em que a expressão “sair da zona de conforto” se aplica na perfeição, o que é que esperavas encontrar? Para além do risco e da aventura… Ou quais eram as tuas expetativas?
EC: Se eu fizesse isto na nossa terra, as pessoas tentariam ser simpáticas e mesmo não gostando, provavelmente, diriam que sim, que bom, e poderia estar a cair num erro grave. Em Nova Iorque, numa primeira instância, as pessoas foram surpreendidas, por não conhecerem, por acharem estranho, até a própria abordagem. Pensaram, de certeza: “O que é que este anda aqui a fazer? E anda a oferecer o quê? Mas qual o motivo?” E o objetivo foi mesmo esse. Tentar mexer e ao fazê-lo ouvir opiniões sinceras de quem não me conhece, mas, também, aproveitar para conhecer melhor a dinâmica de uma cidade onde está o mundo representado.
DTM: Neste momento, trabalhas somente em Portugal ou a tua empresa “Sweet Gourmet by Eurico Castro” já se encontra em fase de exportação?
EC: A pasta da castanha foi lançada, recentemente, com dois distribuidores. Um sedeado na zona de Viana do Castelo que varre o país de norte a sul, Espanha, Andorra, Luxemburgo e Suíça, e outro em Mirandela, responsável pelo interior e zona centro de Portugal.
DTM: Reconhecida a qualidade inerente aos teus produtos e, agora, com esta rampa de lançamento televisiva, falo, obviamente, do programa da SIC, achas que é só uma questão de tempo até dares o salto empresarial definitivo para fora da Europa?
EC: Acredito que sim, até porque, neste momento, a pasta da castanha já está a ser consumida por grandes chefes de cozinha e de pastelaria em Portugal e, agora, é só uma questão de tempo e de fazermos bem o trabalho de casa para depois podermos, efetivamente, dar o salto e chegar onde queremos.
DTM: Apesar de ser um programa já gravado, pelo menos, parcialmente, representaste Bragança num concurso televisivo de nome “Best Bakery”, tendo passado para o próximo programa, que terá lugar este domingo e onde irás, desta feita, representar a região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Fala-nos dessa tua experiência.
EC: Televisão é televisão! Não posso ignorar isso, nem achar que não é importante. Agora, o meu objetivo número um foi cumprido, que era dar-me a conhecer e, acima de tudo, dar a conhecer o fruto do meu trabalho, o meu produto, bem como fortalecer a imagem da marca. Em Trás-os-Montes, não sou pretensioso ao ponto de dizer que sou o melhor, até porque não é justo eu dizer isso. Mas considero que tenho uma grande influência na pastelaria e na gastronomia transmontana.
Agora, eu vou tentar fazer o meu melhor na representação da minha região, na certeza, porém, de que a minha região é mais que o Eurico Castro.
DTM: Tens consciência dessa enorme responsabilidade que carregas em ombros? Não só na representação de Trás-os-Montes como, também, do Alto Douro…
EC: Sim, estou consciente de que é uma situação de muita responsabilidade, mas estou perfeitamente seguro e à vontade para poder fazê-lo sem qualquer tipo de constrangimento em termos de trabalho. Quer dizer, eu vou fazer o meu melhor e a mais não sou obrigado.
DTM: Como é que tem sido a reação dos brigantinos após teres aparecido no programa em que venceste pastelarias de Vila Real, Chaves e Lamego, sagrando-te vencedor e passando, automaticamente, para a primeira semifinal?
EC: Surpreendentemente fabulosa! Como é óbvio, o estrelato ou o facto de ter entrado num programa de televisão faz com que as pessoas conheçam um bocadinho mais de mim, como é que funciona a minha vida e quais são os meus objetivos. Essa mensagem ter passado foi realmente importante, bem como a mensagem de que eu não ando em competição com ninguém. Aliás, ando em competição, mas é comigo mesmo.
Em relação ao programa em si, é uma experiência fantástica. Tem um lado bom, em que te dás a conhecer a ti e ao teu trabalho, mas, também, é um pau de dois bicos e é preciso ter os pés bem assentes na terra e continuar a trabalhar porque o programa dá-nos visibilidade, não nos dá mais nada. Portanto, o resto temos de o continuar a fazer nós.
DTM: Outro teu projeto que muito tem dado que falar, sobretudo, na cidade de Bragança, tem sido o restaurante “Porta”. Primeiro abriste, depois decidiste fechá-lo, é uma decisão definitiva? Temporária? Como é que está essa situação?
EC: O restaurante Porta como é conhecido na cidade e fora dela foi aberto com o intuito de ajudar a promover a gastronomia transmontana e nunca no sentido de prejudicar quem quer que fosse ou mesmo chocar com outros negócios já existentes em Bragança. Nunca foi esse o meu propósito! Mas sim ser mais um, uma mais-valia. Entretanto, a mensagem não passou ou, então, passou muito mal porque, inclusive, na altura, falava-se que era muito caro, que não era para toda a gente e quero aproveitar para esclarecer aqui que isso nunca foi verdade.
DTM: Então o que é que falhou? A comunicação?
EC: A comunicação, sim. E, se calhar, da minha parte houve, também, alguma ingenuidade em pensar que as pessoas não ligavam a determinado tipo de comentários. Eu continuo a acreditar em ver para crer. Mas às vezes sei que não é assim. Eu cheguei a um ponto em que não podia insistir, pois estava a ter prejuízos tão avultados que não podia de forma alguma comportar. Ainda agora tenho grandes contas para pagar e, felizmente, tive muita gente que me ajudou imenso.
Gostaria só de ver mencionado o facto de que houve um casal em Bragança que fez questão de me patrocinar a cozinha do restaurante. Portanto, eu nunca poderia defraudar essas pessoas e todas as suas expetativas em relação a mim. E isso aconteceria naturalmente caso eu decidisse manter aquela situação, pois iria-me descapitalizar ao ponto de não retorno.
Portanto, achei por bem fechar, repensar o Porta, continuar a trabalhar para pagar as minhas contas e, quanto ao restaurante, está ali o espaço, só preciso de tempo suficiente para perceber a melhor forma de enquadrar aquele projeto.
DTM: Para quando a reabertura do Porta?
EC: Nós, neste momento, estamos a trabalhar, apenas, em serviço de reservas e a reabertura será devidamente calculada, pois tenho de me dedicar a um só negócio de cada vez e, agora, a minha atenção, o meu foco é o projeto da castanha, sendo que aquele restaurante será sempre de promoção da região. Depois, quando eu tiver atingido a capitalização a um nível em que eu possa garantir a sustentabilidade do estabelecimento com o meu próprio capital, então estarei pronto para abrir, depois de arranjar a equipa certa.
DTM: Mas já existe uma data programa ou podes, ao menos, adiantar-me que será em 2017?
EC: Eu não tenho datas programadas porque é como eu te disse… De momento, tenho outros objetivos. Agora, posso garantir-te que será no próximo ano. O Porta é um projeto a longo prazo, não é autossustentável neste momento e na próxima reabertura tenho de estar preparado para isso. Na altura, não estava porque todo o capital que eu tinha investi-o no restaurante.
Bruno Mateus Filena
in:diariodetrasosmontes.com
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