Lenda da Fonte das Bestas
Em Vila Flor é voz corrente que, escutando bem na bica da fonte de S. Sebastião, chamada Fonte das Bestas(70), se ouvem, por horas mortas, os lamentos duma moura, que se crê formosa como a espuma do mar ou as estrelas do céu. Ora cheguemse para cá.
Era uma vez um rapaz de Lodões que costumava vir à vila amiudadas vezes e, quando passava pela fonte de S. Sebastião, curvava-se sobre a tigelinha de ferro para matar a sede, até porque se dizia ser aquela água boa para fazer bom estômago. Uma noite, regressando da feira dos 15, cheio de calor, sentou-se na beira dos tanques da fonte (...) e, ao dar a meia noite no relógio da torre, levantou-se e foi debruçar-se para beber uns goles de água, antes de seguir viagem para a sua aldeia.
De repente, estremeceu. Lá de dentro do cano pareceu-lhe ouvir uma voz conchichada. Com as fontes a latejar, a respiração suspensa, apurou o ouvido, Não havia engano. Uma voz maviosa com harpejos celestes, segredava-lhe carinhosamente, com acento estrangeiro:
– O teu amor sou eu. Vem buscar-me. Salva-me e eu te darei o carinho com que sonhas, meu nobre redentor.
O rapaz ficou desorientado, quis arrombar a porta da mina e ir lá dentro buscar a donzela que assim lhe falava. Mas um tropel de butes na calçada fê-lo pegar no casaco e desandar caminho fora. Nos dias que se seguiram, o único pensamento que o dominava era o segredinho da fonte.
Magicou, magicou, e, uma noite, munido duma alavanca de ferro subiu a costa do Vale da Cal e chegou à fonte, doze badaladas batidas. Seguro de que o lugar estava deserto, estoirou a lingueta da fechadura e, cautelosamente, internou-se na frescura da mina, chamando pela sua moura. Mais uma chamada, alguns ruídos surdos... e o silêncio.
Ao amanhecer, algumas raparigas que passavam ali, vendo a mina arrombada aproximaram-se e olharam lá para dentro. O pobre rapaz jazia morto em plena mina, com o rosto imerso no veio de água. Infortunado jovem, que assim desposou a sua
moura, encantada há mil anos.
(70) É assim chamada por nela se dessedentarem os animais, e, segundo a tradição, foi edificada sobre as ruínas de uma velha fonte árabe (informação dada ao autor pelo professor Artur Manuel Pires, de Vila Flor)
Fonte: ADÃO, Cabral – Flores do Rio Azul, Setúbal, Edição da Tipografia Simões, 1953, pp-123-125
A moura das Fragas do Rugido
Na aldeia de Assares, do concelho de Vila Flor, há umas fragas que são conhecidas pelas "Fragas do Rugido", e dizem os mais antigos que há lá uma moura encantada na figura de uma grande cobra.
Perto daquelas fragas havia antigamente uns tanques onde as mulheres iam lavar a roupa. Certo dia uma mulher da aldeia, quando estava a lavar, ouviu nas suas costas o ruído de uma grande cobra a rastejar, vinda das fragas. E tão aflita ficou que abandonou a roupa e fugiu para casa. À noite contou ao marido. Este, no entanto, não deu importância ao sucedido. E disse:
– Só pode ser uma cobra como outra qualquer. Vai mas é lá buscar a roupa, que às tantas ainda ta roubam!
No dia seguinte, a mulher voltou ao local para apanhar a roupa, e, quando estava a chegar lá, voltou a ouvir o mesmo ruído, logo cuidando que era a mesma cobra que ali estaria. Por isso, apenas pensou em pegar na roupa e ir-se embora. Qual não foi, porém, o seu espanto quando, ao pegar na roupa, encontrou dez reais numa beira dos tanques.
Chegou a casa com eles e contou ao marido. E este o que pensou foi que só podia ser dinheiro que tinha ido na roupa de alguma mulher que lá fora lavar antes.
Disse-lhe, por isso, para lá ir com o dinheiro no dia seguinte, pois alguém poderia andar à procura dele.
A mulher voltou lá. E ao passar junto das fragas voltou a ouvir o mesmo ruído.
A seguir olhou para o tanque e, na mesma pedra, lá estavam outros dez reais. Ficou toda contente e, ao pegar neles, aparece-lhe então uma grande cobra, que tinha cabelos negros e compridos, e que lhe disse:
– Sou uma mulher como tu, e fui encantada ainda no berço. Se quiseres, podes desencantar-me. Só tens de vir todos os dias aqui, onde encontrarás sempre dez reais.
E depois, haverá um dia, dia de S. João, em que me deixarás subir por ti acima até poder beijar-te. Ficarei então livre, e tu serás uma mulher rica. Mas não poderás nunca dizer a ninguém este segredo.
A mulher foi para casa e disse ao marido que tinha devolvido o dinheiro à dona, nada contando sobre o encontro que teve. Nos dias seguintes passou a andar feliz, com boas roupas e muito luxo, e sempre a esconder ao marido a proveniência do dinheiro.
A dada altura o marido começou a desconfiar da mulher, julgando que ela teria algum amante que lhe andava a dar aqueles luxos. E pediu-lhe explicações.
Ela então não teve outro remédio se não confessar ao marido que andava a receber dinheiro por conta da ajuda que prometera dar à moura encantada. E no dia seguinte foram lá os dois, esperando encontrar os reais do costume. Só que desta vez já lá não havia dinheiro nenhum. E ouviram então uma voz chorosa de mulher, que soava entre as fragas, dizendo:
– Ah, sua maldita, que me dobraste o encanto!
E nunca mais apareceu. Nem ela nem os reais. A mulher deixou de ter direito a eles porque não cumpriu a sua parte no acordo, que era guardar segredo. Ficou, no entanto, mais descansada pois ganhou a confiança do marido.
Depois foram gastando os reais que ainda tinham, e, acabados os reais, ficaram de novo pobres. E assim continuam.
Fonte: Inf.: Maria Luís Gonçalves, 89 anos; rec.: Assares, Vila Flor, 2001.
Mouros Míticos em Trás-os-Montes – contributos para um estudo dos mouros no imaginário rural a partir de textos da literatura popular de tradição oral.
Alexandre Parafita
Tentei encontrar a razão, porque o Brasão de Assares tem a mulher cobra.
ResponderEliminarEncontrei aqui a resposta.
È bem verdade quem busca encontra. :)