Nunca gostei da pesca clandestina e criminosa que alguns peixeiros e alguns marginais praticavam. Às vezes sentia o rebentar das bombas no rio Rabaçal, mas nunca me cheguei por perto. Acho que era uma dor de alma, apesar da minha turbulência enquanto criança. Doía-me o coração de ver as bogas e os barbos pequeninos a irem pelo rio abaixo inertes ou num sofrimento atroz tentarem respirar à tona da água.
Eu sabia que não podia abrir a boca quando acompanhava o meu pai nas fainas do campo e lhe perguntava o que era aquele estrondo? O meu pai já sabia pelas movimentações se era um peixeiro dos Eixes ou de Chelas e quem seria o autor. Entre os dos Eixes, o Eurico era um dos mais activos. Em Chelas eram alguns mas mais espaçados. Normalmente os «tiros» aos peixes sucediam em véspera de dias festivos e de nomeada.
O sazonal Carlos Latoeiro (sediado em Valpaços) e um ou outro de Vila Nova das Patas também entravam neste foguetório clandestino e criminoso. Estou a falar do que se passava no último lustro da década de cinquenta do século XX e que os peixeiros furtivos conseguiam iludir o «Chô Lucas», guarda-rios, dos Eixes, muito brioso no seu posto de vigilante e autoridade hidráulica.
O Américo Aniceto, embora morasse na Quinta da D.ª Fausta, em Mirandela, de tempos a tempos, o vício falava mais alto e tinha sempre um gesto de generosidade para com os meus pais, dando-lhes uns quilos da pescaria furtiva, que a minha mãe fritava com mestria no melhor azeite, deixando-os estaladiços e com umas malaguetas a puxarem pela pinga.
Curioso é recordar na minha meninice que não me metiam dó os peixes que na Primavera caíam nas armadilhas (dois paus abertos em forma de tenaz e cobertos por rede ou serapilheira) dos açudes e quando pulavam para vencer o obstáculo e subir rio acima caíam na armadilha. A pesca furtiva à pala, no pino do Verão, também me dava grande entusiasmo e, geralmente, pouca ou nenhuma pescaria. Eram mais os que se me escapavam por entre as mãos, quando os tentava apanhar debaixo de alguma pedra ou fraga. Por vezes, vinha enrolada numa mão uma cobra-da-água e lá a projectava para longe.
Eu queria falar-vos de um episódio de pesca de peixes à bomba, muito comentado na minha aldeia. Seria um fim de tarde, pelo fim de Outubro ou de Novembro (?), em que o frio se fazia sentir bem. O caudal já metia respeito e «dava pelas bordas e levava o meio cheio». Pois bem, num desses dias frios, dois «malandros» tentaram fazer pela vida ilícita. Lançada a bomba no Poço da Carva, que pega com a Quinta da Perfeita (Chelas), os peixes eram muitos e estavam a ir na corrente, rio Rabaçal abaixo. Um deles, que não devia saber nadar ou não queria suportar a água fria, ficou passado e numa aflição de quem lhe estão a escapar as próprias tripas das mãos, ordena ao companheiro: - Abora!... Abora!... Zespe-te!... Traduzindo para uma linguagem entendível: - Vamos! Vamos! Despe-te! Para não se perder toda a pescaria e o desperdício da bomba. O segundo cumpriu a ordem e lá apanhou uns quilos de peixes de modo ilícito.
Jorge Lage
in:atelier.arteazul.net
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