quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Natal (re) decomposto

Da mesma forma que se fala hoje DAS família e não DA família, poder-se-à falar DOS Natais e não DO Natal. Há evidentemente uma correlação entre a composição das famílias e a decomposição do Natal. 
Para os filhos, as vantagens em termos de qualidade das prendas são evidentes: avós e pais, juntos ou separados, querendo todos passar o Natal com eles, é a reunião da família e a distribuição das prendas que se sobrepõe à data: alterada pelos que vão de viagem, no dia 24 à noite e 25 ao meio-dia não bastam para esgotar as configurações familiares. Porque se o Natal se festeja em família, as famílias – dever-se-ia falar de clãs ou tribos – misturam-se pouco. Vejamos um casal com filhos. Primeiro Natal em casa dos pais da Senhora, o segundo Natal em casa dos pais do Senhor. Este casal tendo irmãos e irmãs, o quebra-cabeças começa logo quando se trata de encontrar a data da irmandade que tem as mesmas obrigações que o casal para poder reunir-se. 
Se os pais estiverem separados, aquele que não tem a guarda na noite de consoada sentirá umas palpitações no peito apesar de ter previsto outra festa porque lhe parece incompreensível não festejar o Natal com o papa ou a mama: é preferível cortar o Natal e a criança em dois a ter de passar as festas juntos. Quanto a reunir todos os filhos duma família que vivem em guarda alternada, isso releva duma sincronização, duma plasticidade e duma diplomacia fora do comum. Aquele que inventar a aplicação que possa dar a fórmula mágica, a receita adequada e a prenda apropriada fará seguramente fortuna. 
Há um rito de passagem de que se fala pouco: é quando os pais convidam os avós para passar o Natal em casa. Momento crucial na vida de um adulto – e nem sempre coincidente dos dois lados – em que o indivíduo se torna furtiva e discretamente o pai dos seus pais. As duas famílias encontrar-se-ão finalmente reunidas? Nem sempre, o que fará ainda muitos mais Natais para organizar. Será mais fácil para os avós? Nem sempre quando têm vários filhos que querem todos convidá-los. Ir a casa de quem, sem que a preferência seja demasiado visível ou manifesta? Os juízes entregues aos assuntos familiares ainda não instauraram a guarda alternada dos avós em caso de conflito.
Estes constrangimentos de Natal cuja lista está longe de ser exaustiva dir-nos-ão algo sobre as famílias dos nossos dias? A criança continua a ser o centro do Natal para o melhor e para o pior o que implica raptá-la para as Festas de fim de ano. Sem filhos, pode ser triste, mas há menos problemas se tivermos em conta a excelente frequentação dos espectáculos no dia 24 de Dezembro. Os filhos dir-nos-ão mais tarde quais as recordações que guardam dos Natais divididos em função das tensões ou incompatibilidades familiares das quais são as principais apostas aparentes. Todos temos recordações da infância de Natal, mais raramente das prendas que recebemos. E todos os anos, encontrámo-nos confrontados com o dilema de reproduzir o que conhecemos e vivemos sabendo que tudo mudou ou simplesmente para nos demarcar estando consciente do peso das tradições, das famílias e… dos FILHOS!



Adriano Valadar
in:jornalnordeste.com

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