Os Almeida Castro formavam um verdadeiro potentado, ligando-se por laços matrimoniais a famílias das principais de Trás-os-Montes como eram os Lopes Ferro, de Lisboa, os Lopes Cortiços, de Bragança, os Henriques Julião, de Torre de Moncorvo, o Dr. Manuel Mendes, de Chaves, D. Fernando de Milfuentes de Villasante, um homem da nobreza de Castela… E o processo de engrandecimento continuou com os descendentes, nomeadamente com o casamento de uma filha (Serafina de Almeida) com Fernando Montesinho, o grande distribuidor de sal em Castela e que alcançou o monopólio da exploração e venda daquele produto em todo o país. O mesmo se diga dos Cortiços, que foram magnates na distribuição de tabaco e grandes banqueiros. No caso de Manuel Cortiços este distinguiu-se como “asentista y factor do rey” demonstrando especial aptidão para a administração das rendas aduaneiras e a sua firma acaba, de facto, por se transformar num estabelecimento bancário.(1)
Voltemos a Izeda aos anos de 1618. Manuel Almeida Castro estava casado com Filipa Henriques, filha de Henrique Lourenço e Isabel Pereira, e o casal tinha já vários filhos. Era então um homem muito rico, segundo informação enviada para a inquisição de Coimbra pelo comissário Francisco Luís, arcediago de Mirandela na Sé de Miranda do Douro.
Por essa altura a inquisição de Coimbra desencadeou uma onda de prisões até então nunca vista entre a classe dos grandes mercadores, rendeiros e assentistas de todo o norte de Portugal. Entre os prisioneiros contou-se um Pero Matos, de Freixo de Numão e um Álvaro Rodrigues,(2) da aldeia de Lagoa, próximo de Izeda. E como estes dois não deixariam de denunciar Manuel Almeida, que com eles se tinha declarado seguidor da lei de Moisés… este meteu-se a caminho de Castela onde tinha já larga parentela, fixando residência em Madrid.
Esqueceu-se, porém, que a inquisição tinha longos tentáculos e os depoimentos prestados em Coimbra pelos citados prisioneiros tinham já sido enviados para as inquisições de Cuenca e de Toledo. Assim, em outubro de 1619 foi metido nas masmorras da inquisição de Toledo, de onde saiu no dia 1 de fevereiro de 1620 “livre e sem ir a auto”.
Mesmo saindo livre, a estadia na inquisição trazia sempre custos acrescidos não apenas na honra e fama das pessoas mas também na fazenda. E ele terá perdido muito da sua fortuna, a crer na informação do comissário Francisco Luís. E foi também ele que informou os inquisidores de Coimbra que Almeida Castro era em Madrid “obrigado das carnicerias” ou seja: arrematou o fornecimento de carnes, o que lhe não terá rendido grandes lucros pois regressou a Izeda bem mais pobre do que partira. No entanto, apesar disso, ele continuou a ser um homem muito rico, conforme veremos adiante ao apresentar o inventário de seus bens.
Por agora refira-se que a inquisição de Cuenca continuava agarrada às informações recebidas de Coimbra em 1618 e, quase 20 anos depois, procurava ainda prender A. Castro. E escrevia para Coimbra solicitando que o prendessem e remetessem para Cuenca. Certamente que o cheiro do dinheiro deste homem “rico”, sogro do Fernando Montesinhos, que também acabara de ser preso, despertava o apetite dos inquisidores.
Efetivamente foi mandado prender, dando entrada na cadeia da inquisição de Coimbra em 6 de Maio de 1639, quando contava 67 anos.(3) E foi a vez de os inquisidores de Coimbra pedirem para Cuenca e Toledo as informações que ali tinham contra o prisioneiro. No fundo, tais informações resumiam-se às que o mesmo tribunal de Coimbra lhes enviara 20 anos antes e com base nas quais tinha já sido julgado em Toledo. Por isso, o seu processo correu com alguma celeridade e em 4 de Novembro seguinte por ordem do Conselho Geral “o réu foi solto e mandado em paz” não sendo presente a qualquer auto de fé. Mas, apesar de inocentado, ele teve de pagar as custas. E como tinha sido preso com sequestro de bens, ainda teve de dar largas voltas para recuperar o que era seu. E os bens recuperados do fisco obviamente tinham sofrido forte delapidação, como era de norma.
Não sabemos quanto mais tempo durou este homem que os inquisidores de Coimbra mandaram soltar, escrevendo no despacho que era “velho e muito doente”. Mas vejamos agora o inventário de seus bens, numa altura em que já era menos “rico”.
Identificado como “tratante” podemos também dizer que ele era também “rendeiro” e para recolha do pão das rendas ele possuía tulhas nas localidades de Calvelhe, Paradinha, Pombares e Morais. Das comendas que trouxe arrendadas citamos a de S. João da Corveira, na terra de Valpaços propriedade de D. Afonso Brito Mascarenhas, em cuja casa e por razão da mesma, tinha “empenhada” quantidade de prata sua e de pessoas da família, no valor calculado de mais de 120 mil réis. Contas por saldar tinha ainda com os herdeiros de Manuel de Vasconcelos, das comendas de Izeda e com o bispo D. João Mendes de Távora, da comenda de Castro Vicente.
De contrário, era credor do Conde de Faro, D. Dinis, em 172 mil réis que lhe emprestou em Madrid, do abade de Vale da Porca e outros mais…
Dos bens móveis, ressaltam as casas que possui em Izeda onde morava e que valiam 200 mil reis, para além de umas adegas avaliadas em 20 mil réis. E casas e terras ou adegas em localidades distantes como Bemposta, termo de Mogadouro, Lagoa e Morais, termo de Macedo de Cavaleiros.
Diremos também que ele era um razoável proprietário agrícola com lameiros, vinhas, oliveiras e terras de dar pão. Mas a menina de seus olhos seria a Quinta da Aveleira, que foi avaliada em 200 mil réis. E este aspeto deve ser referido já que existe uma ideia muito generalizada de que a gente da nação hebreia se não prendia à agricultura. De certo que não era o caso deste cristão-novo de Izeda.
Uma outra nota para dizer que a gente da nação se apresentava na vanguarda do progresso industrial, sendo exemplar o caso de Manuel Almeida. Com efeito ele era um verdadeiro empresário da indústria moageira, explorando dois moinhos de água: um situado na margem do rio Zebro, no limite do termo de Lagoa e outro na margem do rio Sabor, no termo da aldeia de Talhas.
Uma curiosidade interessante: tendo ele vários lameiros, era também criador de bois e vacas. Um criador a sério naqueles tempos. Tinha mais de 100 bois e vacas que trazia arrendados a várias pessoas de várias terras dos arredores. E desta prática ancestral em terras trasmontanas terá ficado no léxico popular a expressão: “boi de renda”.
Uma última nota reveladora de usos desta gente que, em qualquer circunstância se valia da família. Vejam o seu próprio testemunho:
— Disse que em casa dele declarante se acha um jarro com perfis dourados e 2 púcaros de prata e 2 salvas e um copo de pé alto dourado, as quais peças são de Manuel Henriques, morador na Torre de Moncorvo, cunhado dele declarante, e lhas emprestou para uns hóspedes que ele declarante teve e foi buscar as ditas peças um moço de Izeda que se chama Francisco, de alcunha o Cancela.
Notas e Bibliografia:
1 - Andrade, A. J. e Guimarães, Fernanda – Nas Rotas do Marranos de Trás-os-Montes – Âncora Editora 2014, p 45 e seguintes; SCHREIBER, Markus – Marranen in Madrid 1600-1670, Franz Steiner Verlag Stuttgart
2 - ANTT, inq. Coimbra, pº 3099, de Pero Matos; pº 6945, de Álvaro Rodrigues.
3 - IDEM, pº 5496, de Manuel Almeida Castro.
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