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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Aspi e os outros

“ Eu sou um pequeno coelho parado no meio da autoestrada num dia de final de férias. Os carros vêm e vão e eu imóvel, apavorado, a ver os faróis dos carros a vir contra mim... Tem sido assim a vida toda.”
Aspi é diferente
Como sempre, Aspi refugia-se no canto do recreio. O mais distante da normalidade dos outros. Aqueles que brincam e jogam. Aqueles outros que namoram e se tocam. Ao toque de regressar à sala de aula, uns mais depressa que os outros, todos regressam. Todos menos Aspi. O silêncio que domina permite-lhe usufruir do bem-estar de querer ser só. De poder olhar a tília a partir da sua base, vendo o seu tronco e copa numa perspetiva interna, da árvore fazendo parte. Calma, silêncio que não procura, mas só nesse estado se apazigua. Ele não perceciona o mundo como os outros. Escuta todos os sons no seu volume máximo. Vê todos os detalhes à sua volta com nitidez microscópica. Sem filtros. Natureza pura na sua verdade cósmica. Prova o sabor sensorial que o stressa e esgota. Aspi não olha nos olhos. Olhar nos olhos é como cair num poço sem fundo. Angústia que evita escondendo-se em si mesmo. A sensação exacerbada é também fonte de prazer. Vê a beleza do mundo até aos mínimos detalhes. O mundo que se reflete no vidro duma garrafa. A casa em movimento no cromado polido daquele carro em andamento. O reflexo que lhe serve de casa, de abrigo e de escudo protetor. Na solidão do recreio, enquanto não dão pela sua ausência, Aspi alinha pedrinhas em sequências. Organiza folhas secas numa ordem singular. Movimenta-se em círculos, gesticulando em coreografias repetidas vezes sem conta. Procura assegurar a imutabilidade das coisas.
Aspi não gosta da escola.
Notada a sua ausência, é levado para a sala de aula. Não quer e por isso grita. Porque grita? Porque é assim que comunica. Aspi tem oito anos e não diz uma palavra. Vive numa enorme solidão separado dos outros por paredes de vidro que ele quer contornar, correndo, ziguezagueando. Já na sala de aula, coloca-se num canto com as mãos nas orelhas, repetindo a atitude de todos os dias, se alguém se aproxima, grita. Não suporta ninguém por perto e muito menos que lhe toquem. 
Mais à frente, há-de querer brincar com os outros mas todos os recusam. Nas suas memórias não há brincadeiras de grupo. Se alguém, a muito custo, consegue comunicar com Aspi e diz alguma coisa interessante, abana as mãos em movimentos frenéticos. Quanto mais interessante, mais abana as mãos. Mas o que interessa a Aspi? O que causa brechas na sua redoma? Ele não mente. É racional e lógico. Tudo que seja mentir, enganar ou errar é secundário. É fugir à regra e a regra é fundamental. Ele gosta de se refugiar no campo da sua obsessão, no seu campo específico, um mundo onde tudo está em ordem, onde tudo é previsível, um mundo que se conhece muito bem. Ao contrário, o mundo real que lhe querem ensinar nos bancos da escola é sinónimo de caos, de mudanças permanentes e imprevisíveis.
Aspi procura os outros
Aspi quer aproximar-se dos outros mas não consegue. Todos estão acompanhados e Aspi está só. Não consegue integrar-se no grupo que se defende e repele a aproximação de quem é diferente, julgando-o. É a natureza humana dos normais, neurotípicos. Por vezes, a aproximação resulta em agressão. Os outros têm uma imaginação inacreditável para inventar torturas e levá-las à prática. Torturas físicas, humilhações físicas insuportáveis. Aspi não gosta de recordar aquelas agressões cruéis e perversas, insultos e provocações diárias, que por serem recorrentes, lhe pareciam normais. Mas não são. Aspi só quer viver a sua vida, com os seus cadernos e com os seus lápis. Cobardes agressores, gente sem luz.
Aspi cresce e procura o amor
- Tenho vinte e dois anos e nunca beijei uma rapariga. Acha isso normal Dr.? Porque não tenho o direito de me apaixonar?
O Dr. que procura ajudar Aspi a descodificar o mundo dito normal, responde:
- Não tens somente o direito… É uma necessidade. É necessário apaixonarmo-nos para construirmos, para avançarmos.
Aspi encontra o outro
Durante toda a sua vida, Aspi, recorrentemente, tinha um pesadelo que um dia contou: 
“ Eu sou um pequeno coelho parado no meio da autoestrada num dia de final de férias. Os carros vêm e vão e eu imóvel, apavorado, a ver os faróis dos carros a vir contra mim... Tem sido assim a vida toda.”
O destino reservou para Aspi alguém que cortasse o trânsito na autoestrada, lhe desse a mão e caminhassem juntos. Coincidiu com alguém também diferente, mas cujas diferenças não se manifestaram de igual forma. Onde ele tem dificuldade, ela é forte. Onde ela tem dificuldade, ele é forte. Se ele cai, ela levanta-o. Se ela cai, ele levanta-a. Apaixonaram-se.
Aspi é bom no que faz
Ninguém pense que Aspi é um pobre de espírito, na verdade é dotado de uma inteligência fenomenal e sensibilidade artística impressionantes. Aspi foi o físico mais importante do Século XX (Albert Einstein), fez carreira como realizador, guionista e produtor de cinema (Steven Spielberg), descreveu a Lei da Gravitação Universal (Isaac Newton), fundou a Microsoft (Bill Gates), brilhou em vários desportos (Marcelo Rios, Roger Alston e Clay Marzo), promoveu o nascimento da eletricidade comercial (Nikola Tesla), criou os Pokémon (Satoshi Tajiri), cantou e tocou divinalmente (Susan Boyle e Glenn Gould), foi um brilhante programador informático (Bram Cohen) e recebeu o Nobel da Economia (Vemon Smith).
Aspi é um ser admirável.




Rui Machado

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