Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Se fosse do rebanho pouco se me dava. Os pássaros que cantassem e fizessem os ninhos nos ramos altaneiros e contemplassem as paisagens mais deslumbrantes. O verde dos campos que fosse verde… os peixes em cardume que descobrissem os segredos da profundidade do rio, ou ficassem somente ao sol nos remansos tranquilos…as rosas, essas que se cansassem todos os anos de ser rosa e rosas e perfume…eu seria do rebanho… Tranquilo…sendo levado para os prados cheio de flores e à tarde iria beber água fresca no leito do ribeiro que canta há milhares de anos. Nem um desgosto!... O pastor seria o caminho seguro… o pensamento… e a ameaça do lobo seria a unidade do rebanho.
… e assim estaria tudo bem! E até os cães do gado que até podiam morder…ladrar… se calam para que a côdea do pão duro não falte no bornal sebento do pastor.
Claro que no final do Verão teria que sofrer as grandes secas… os prados cinzentos de terra dura… comida pouca… mas o pastor lá estaria para manter o gado unido… Ele sabe que metade das ovelhas vão morrer de fome…de sede… e de doenças…muitas… Mas só é preciso esperar… logo o prado será verde… a água fresca…não se sabe quando… mas será… e o rebanho adormecido… cala-se… deixa de balir…e morre e o pastor já nem se importa…
…que rebanho é este…até tem medo de morrer!… Diz o pastor. Na verdade poucas ovelhas chagarão à próxima primavera… mas que raio… que se há de fazer?!
Nada… não se faz nada… o melhor é ficar no rebanho… é o melhor… sem a maçada de dizer não… sem o incómodo do pensamento… sem a estranheza apocalíptica da ovelha morder o pescoço do cão.
…ficar… balindo… balindo… e não fazer mais nada!
O pastor é que gosta de um rebanho assim… amigo do seu pastor… manso… com medo do lobo!
… Se fosse do rebanho pouco se me dava! Mas… um dia, há milhares de anos, um sapiens sapiens assustou-se com a novidade do pensamento…e a maldição começou… perdemos o rebanho… ganhamos a revolução… perdemos o paraíso… ganhamos a humanidade… e agora já não podemos ser do rebanho… conquistamos o dom da divindade… inventamos a filosofia e todos os dias acordamos na intranquilidade do pensamento.
Platão anda por perto… e cedo abandonou o rebanho… e ao pastor... disse não… e disse:
“ “O preço a pagar pela tua não participação na política é seres governado por quem é inferior”
…e disse! E o rebanho passa… só a balir… e não faz nada!
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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