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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - CRISTÓVÃO LOPES (N. CHAVES C. 1568 – DEPOIS DE 1624)

Cristóvão Lopes nasceu em Chaves por 1568, no seio de uma família da burguesia, sendo filho do licenciado Francisco Manuel e neto do médico João Lopes “pessoas que tiveram o primeiro lugar na vila de Chaves entre os homens da sua qualidade”. Ele enveredou pelo comércio e, sendo ainda solteiro, mudou a residência para Caminha, acaso por ser melhor praça para os seus negócios de importação e exportação, como adiante veremos.
Em Caminha casou com Maria Nunes, filha de Simão Lopes “o maior e o mais honrado mercador que teve Entre Douro e Minho”. Naturalmente que, com tal casamento, Cristóvão se tornou “o mais rico mercador da terra” e breve estabeleceu a “sede” da empresa em “Viana de Caminha”, então um dos portos mais movimentados do país. Deste casamento nasceram dois filhos. Logo de seguida faleceu Maria Nunes.
Viúvo aos 40 anos, e sendo Cristóvão um “homem grande e bem figurado”, logo recebeu ofertas de bom casamento. Acabou por escolher uma viúva de um médico de Sua Majestade, que estava recolhida no convento de Monchique,  chamada Ângela Henriques, filha de um médico do Porto, irmã de outro médico, de um banqueiro, de um cónego e sobrinha  de 2 padres Jesuítas um dos quais, Henrique Henriques, foi  fundador do colégio de Goa. Ângela fora casada com o Dr. Francisco Machado e dele tinha 2 filhas (Inês e Lucrécia) e um filho, que estudava medicina na universidade de Coimbra.
Da família de Cristóvão Lopes, diremos que nela abundavam médicos e mercadores e que se repartia entre Chaves e Castela, muito em particular a cidade de Orense onde moravam 3 tios e uma irmã chamada Violante Fernandes, viúva de Manuel Correia, mãe de 2 filhas (Helena Lopes e Maria Lopes) e um filho chamado António Correia.
Em Chaves morava a irmã Isabel Lopes, casada com o licenciado Francisco Sanches. O casal não tinha filhos e, em 1616, falecendo Isabel, estabeleceu como herdeiro a seu irmão Cristóvão.
António Manuel  alias António Correia Chaves  se chamava um irmão, que em 1588, foi preso pela inquisição de Coimbra. (1) Concluído o processo, abalou de Chaves e foi fixar-se em Amesterdão onde se tornou um grande mercador. Solteiro, instava com o irmão que enviasse um dos seus filhos para a Holanda a aprender a língua e integrar-se no seu mundo empresarial. Cristóvão recusou e dizia recear “que lhe ensinassem lá a Avé Maria às avessas”. Em 1614, Manuel Correia Chaves faleceu deixando por herdeiro de sua grande fortuna o irmão Cristóvão. No testamento deixou também uma cláusula ordenando que depois de morto o circuncidassem e o enterrassem no cemitério dos judeus.
Voltemos a Viana de Caminha, a casa de Cristóvão e Ângela. Com eles moravam os 2 filhos de Cristóvão e da sua primeira mulher, assim como as duas filhas do primeiro casamento de Ângela. E moravam também António Correia e e Francisco Correia, filhos de sua irmã Violante Fernandes, que vieram de Orense para ser iniciados no negócio pelo tio que os embarcaria para o Brasil, como era de norma entre a “gente do trato”.
Aconteceu que António Correia se enamorou de Inês Machada e os dois jovens fugiram de casa dos tios. Foi um escândalo que meteu a família nas bocas do mundo. Cristóvão não perdoaria a traição e nem sequer deu entrada em sua casa à irmã e mãe do rapaz, que veio de Orense a pedir-lhe que tratasse de casar os moços.
Entretanto, também a Lucrécia estava em termos de casar. O tutor da rapariga era um tio materno e à família pertencia tratar do casamento. No entanto, confiaram a tarefa ao padrasto. Vejam como ele tratou o assunto:
- Para fazer boa obra à dita Lucrécia a casou com o licenciado Francisco Sanches, médico em Chaves, e ele réu lhe pagou o dote (…) que foi mil cruzados, a qual promessa dos mil cruzados ele réu fez, fiado na oferta que se lhe fez da parte dos contraditados, e feito o casamento e pago o dote sobredito, os contraditados fizeram escritura em que doavam a ele réu para pagamento do dito dote as legítimas da dita Lucrécia e de seu irmão Francisco Machado. E recebendo ele a dita escritura verificou que fora feita com dolo, fraude e engano (…) pois fizeram e ordenaram a dita escritura sem consentimento do juiz dos órfãos (…) mais para enganar que para obrigar.
Vejamos agora um pouco do mundo empresarial do “mais rico mercador da terra”. Antes de mais diga-se que tinha 4 moradas de casas e todas davam para um grande quintal, em Caminha. E tinha uma quinta agrícola em ponte de Lima, com uma vinha que dava 3 ou 4 pipas de vinho. Recebia também vários foros de propriedades agrícolas.
Em casa, em moedas de ouro, tinha uns 600 mil réis e em objetos de prata quase outro tanto, afora 8 diamantes e alguns anéis de ouro e pedras preciosas.
Grande mercador, não desprezava o comércio a retalho e mercadejava coisas tão diversas como pedras para equipar os moinhos, painéis de imagens de santos, espelhos dourados, pedras de afiar navalhas dos barbeiros, fontes de latão, peças de cambraia…
Mas o grosso do seu comércio situava-se ao nível da importação de açúcar e pau-brasil que enviava para os países nórdicos, certamente trabalhando em rede com o seu irmão, enquanto foi vivo.
Ao contrário, recebia tecidos e ferro das partes do Norte, mercadorias que vendia diretamente ou despachava para o Brasil e, em menor escala, para Angola, onde mandava comprar escravos. A relação de gente que lhe devia dinheiro é notável, nomeadamente em relação aos ferreiros da região do Alto Minho que ali aparecem nomeados.
O ano de 1618 foi terrível para os cristãos-novos, muito especialmente para a burguesia Portuense. E ali se viu enredada a família de Ângela Henriques, a começar pela mãe, e pelos irmãos, incluindo o cónego e as freiras, que todos foram presos pela inquisição de Coimbra. De seguida, foi também ela e o marido. (2)
Eram extremamente frágeis as acusações apresentadas contra Cristóvão e desde logo muito bem refutadas por ele, provando que foram motivadas por invejas e ódios. De contrário provou à saciedade que era um cristão exemplar e um verdadeiro “pai dos pobres”. E em casa e no caminho para o tribunal da inquisição, ele insistiu com a mulher para que nada escondesse, que contasse toda a verdade, “que não reparasse em pai nem mãe nem filha”, falando inclusivamente com o familiar que o levava preso, a dar tal recado à mulher. Uma testemunha disse mesmo que, ao saber da prisão dos cunhados, incitou a mulher a dirigir-se ao santo ofício a confessar suas culpas, se acaso as tinha e que aos cunhados chamava “cães, cachorros e perros”.
Aliás, o seu processo é bem elucidativo da fragilidade da acusação e ao longo das centenas de páginas quase nem se fala de culpas. Ao contrário, ressalta uma defesa bem fundamentada que se transforma num verdadeiro libelo contra os métodos e as pessoas da inquisição. Vejamos.
Desde logo queixa-se porque lhe venderam os bens ao desbarato, com prejuízo de mais de 800 mil réis só em ferro vendido em Viana, pois do que tinha enviado para vender no Brasil ainda não tinha informação mas receia ainda mais prejuízos pois “cuidam que é fazenda sem dono”.
Avisa que tem uma vinha nova e em dois anos podem dar cabo dela. Basta que a entregarem “ a alugadores que não querem mais que tirar-lhe vinho dois anos (…) e isto se faz com podá-la mal”.
Cristóvão acusa também o comissário da inquisição encarregado de fazer as acareações em Caminha. Receia que, por ódio e inveja distorça os depoimentos ou intimide as pessoas. Vejam as suas próprias palavras:
- Tem pejo no abade Francisco Lopes a tirar-lhe as suas testemunhas.
Mas a mais frontal acusação é dirigida ao próprio inquisidor Simão Barreto de Meneses que “foi sempre muito invejoso dos homens da vila que tinham negócio” e muito em especial dele “que não é natural de Caminha e por nela ter mais negócios que os filhos da terra”, nestes incluindo familiares do inquisidor. E apresenta factos concretos e testemunhados.
Um deles aconteceu com a chegada de um barco ao porto de Viana, carregado de açúcar e pau-brasil dirigido a Cristóvão, em que a família do inquisidor foi denunciar que a mercadoria era de contrabando, comprada à margem do contrato de el-Rei. Com base em tal denúncia, esteve o barco e a mercadoria embargada durante muito tempo, de que resultou grave prejuízo para o inocente mercador.
Outra maldade do inquisidor consistiu em meter num corredor a mulher e os parentes presos, de modo a que pudessem conversar uns com os outros e todos acertarem em culpá-lo. E pior ainda, conforme disse ao inquisidor P. S. Sampaio:
- Estando presa a sua mulher, falando com ela muitas vezes, lhe disse que desse em seu consorte o que ouvindo, a mulher dele se foi chorando para o cárcere queixando-se que a incitava a dar no seu marido.
Resta dizer que, ao cabo de 6 anos de cadeia, Cristóvão foi condenado em penitências espirituais e degredado por 4 anos para Idanha-a-Velha.

NOTAS:
1-ANTT, inq. Coimbra, pº 4187, de António Manuel, que em Amesterdão adotou o nome de António Correia Chaves.
2-IDEM, inq. Lisboa, pº 1418, de Cristóvão Lopes.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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