Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 20 de junho de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos ISABEL LOPES (C. 1503 – DEPOIS DE 1585)

Em 1571 Vasco e Isabel casaram uma das filhas (Violante Álvares) com Gaspar da Rosa, um homem da nobreza de V. Flor e cristão-velho. Nisto se empenhou o pai da noiva, já que a mãe e toda a família materna era contrária a este casamento. No contrato se estipulou que Vasco Fernandes cedia ao genro o seu ofício de tabelião e que, à morte do cabeça de casal, a sua casa e os seus bens passariam para o mesmo genro. Este, por seu turno, assumia o compromisso de sustentar os sogros, no caso de eles caírem em situação de necessidade.
Efetivamente, 3 anos depois, Vasco Fernandes faleceu e a sua casa e bens passaram para Gaspar da Rosa. A viúva é que não foi viver para casa de quem tinha obrigação de a sustentar, antes preferiu ficar a viver com a filha Maria Álvares, casada com Gaspar Vaz.
No mesmo ano do referido casamento, dois jovens canonistas ascendiam ao posto de inquisidores: um para o tribunal de Évora, chamado Jerónimo de Sousa e outro para o tribunal de Coimbra, Diogo de Sousa, de seu nome.
Enquanto o segundo se afirmava em Coimbra, iniciando uma brilhante carreira que o levaria a bispo de Miranda e ao conselho geral da inquisição, o segundo abandonou a inquisição de Évora e veio para Trás-os-Montes desempenhar o ofício de abade de Vila Flor. Estranho? Muito estranho, mesmo! E mais se estranhará se dissermos que ele trazia uma provisão do “inquisidor apostólico da cidade de Coimbra”, Diogo de Sousa, dando-lhe poderes para “tomar denunciações tocantes ao santo ofício”.
Resta dizer que os dois jovens canonistas eram homens de absoluta confiança do inquisidor mor, cardeal D. Henrique. E naquele tempo a inquisição afirmava o seu poder acima dos bispos que ficaram impedidos de absolver e julgar os pecados contra a fé. Acresce que o arcebispo de Braga era Frei Bartolomeu dos Mártires, o mais vigoroso adversário do cardeal nesta matéria. Será que a nomeação daqueles “testas de ferro” foi feita para “entalar” o arcebispo de Braga?
Chegado a Vila Flor, o “inquisidor - abade” procurou alojamento, naturalmente em casa de grande nobreza, dignidade e conforto. Imagine-se: o tabelião Gaspar da Rosa cedeu-lhe a sua própria moradia que herdara do sogro, a qual desocupou para ele!
Temos então o inquisidor “disfarçado” de abade a morar na casa que fora de Vasco Fernandes e Isabel Lopes. Imagine-se o turbilhão de raiva e desconsolo que iria na alma daquela mulher de 74 anos! E também na de seus familiares, nomeadamente o seu sobrinho e procurador, Dr. André Nunes. 
Imaginamos uma relação estreita entre Gaspar da Rosa e Jerónimo de Sousa. E este não perderia a oportunidade de “sacar” daquele informações tocantes ao santo ofício. 
No dia 17 de Outubro de 1576 o abade foi chamado a casa de Gaspar da Rosa para confessar sua mulher que estava doente. Doente ou pressionada pelo marido, facto é que Violante Álvares disse que antes de casar ela seguia a religião judaica, ensinada por sua mãe e por sua irmã Maria Álvares. 
O confessor fez as perguntas que entendeu e por ser tarde, foi para casa e escreveu por sua mão o que Violante confessara, sobre a mãe, a irmã e outras mais pessoas.
Era o início de uma onda de processos. Na rede lançada pelo inquisidor-abade iriam ser apanhadas muitas pessoas, para além de Isabel Lopes, a nossa biografada.
Mas para as coisas serem direitas importava pelo menos uma segunda testemunha, a qual estava mesmo ali à mão: Gaspar da Rosa, o qual foi ouvido “nas casas onde pousa o senhor licenciado Jerónimo de Sousa”, servindo de escrivão o cura João Martins.
Claro que, por mais segredo e discrição que Jerónimo de Sousa impusesse, as coisas acabaram por transpirar e as pressões sobre Violante e outras testemunhas para se desdizerem acumulavam-se. Tal como Gaspar da Rosa procurava testemunhas que confirmassem as suas denúncias. 
No meio deste turbilhão de intrigas e diz-que-não-diz, o próprio inquisidor Jerónimo de Sousa se sentia pressionado e escrevia para Coimbra, em 6.1.577, dizendo:
- Ficou tanto olho em mim depois que falei com aquela mulher que não dou volta que me não notem e por isso busquei tempo para não ser sentido; de outra maneira todos se passarão de alevanto (…) avise VM ao oficial que cá vier que se não venha a minha casa porque trazem nisso tento e haverá reboliço, que nunca me saem de casa todos os dias, que por isso fui tirar a filha de sua casa e de noite, porque a trazem atrelada, que nunca a deixam. (1)
Crescendo os boatos e os medos, em Março seguinte, mãe e filha abandonaram Vila Flor e foram viver para a raia da Galiza, levadas por Gaspar Vaz, genro de Isabel Lopes e marido de Maria Álvares. (2)
Entretanto o arcebispo Bartolomeu dos Mártires empreendeu uma visitação a Vila Flor, como costumava fazer cada dois anos. E era ocasião de “apertá-lo” – terá pensado Jerónimo de Sousa. E assim, perante o arcebispo apareceram Gaspar da Rosa e Violante Álvares a repetir as denúncias de judaísmo contra Isabel e as mais pessoas, fazendo questão de vincar que “já neste caso testemunhara diante do abade desta igreja Jerónimo de Sousa, por provisão que disse ter dos inquisidores de Coimbra”.
Fantástico: afinal o abade de Vila Flor não era subordinado do arcebispo de Braga e não lhe havia jurado obediência?!
Por Vila Flor a visita do bondoso arcebispo terá posto alguma calmaria, de modo que Isabel Lopes regressou à terra, ficando-se a filha e o genro pela raia da Galiza. E o inquisidor Diogo de Sousa terá ficado perplexo quando Manuel Fernandes, (3) um filho de Isabel se apresentou em Coimbra dizendo que sua irmã fizera um juramento falso contra a mãe e disso fora já confessar-se a dois padres. Explicou que a irmã e o cunhado fizeram tais denúncias para obrigar sua mãe a entregar-lhe tudo: uma horta, uma vinha, uma courela na Vilariça… para além da casa onde morava o abade. E apresentou como testemunhas de suas afirmações 3 das pessoas de maior nobreza da terra: Domingos Sil, Gaspar de Seixas e Nicolau de Lobão.
Delicada parecia a posição de Gaspar da Rosa e também a de Jerónimo de Sousa, que então escrevia a Diogo de Sousa pedindo a prisão das mulheres. Veja-se o tom patético da carta:
- Há muitos dias que negócio algum me enleou tanto como este de Maria Álvares e sua mãe (…) V. M. pese tudo muito e veja o que lhe parece porque eu ao presente sou suspeito que pouso em umas casas suas, de que ele se tirou para mas dar.
Facto é que Diogo de Sousa decidiu chamar a Coimbra Gaspar da Rosa e Violante Álvares para ele próprio proceder ao interrogatório, o que aconteceu em 29.10.1577. E mandou Onofre de Figueiredo a Torre de Moncorvo buscar Isabel Lopes que entretanto fora mandada prender pelo vigário geral de Moncorvo.
Por mais de 5 anos sofreu Isabel as agruras das celas da inquisição de Coimbra, acabando condenada em cárcere e hábito no auto da fé de 23.1.1583. Dela se queriam livrar os inquisidores, que escreveram:
- É muito velha, mais de 80 anos e muito doente e há muitos anos que está entrevada e faz muita despesa a esta casa e quase sempre foi alimentada à custa dela e dá muito trabalho tê-la no cárcere sem fruto algum, nem esperança dele.
Pediam os inquisidores uma fiança de mil cruzados e o pagamento de 70 mil réis para a deixarem sair. Quem tinha obrigação de pagar era a filha e o genro que tudo herdaram dela e do marido – diziam os outros filhos. E depois de uma primeira petição feita pela filha, Jerónima Fernandes (4) para lhe entregarem a mãe, os irmãos lá conseguiram juntar 40 mil réis que o filho Baltasar Álvares, morador em Torre de Moncorvo, na Rua Nova foi levar a Coimbra e entregar-se da mãe, no dia 16 de Agosto de 1585. A demasia, acrescentavam, devia ser paga por Gaspar da Rosa.

Notas e Bibliografia:

1-ANTT, inq. Coimbra, pº 536, de Isabel Lopes, a qual passou 8 anos na cadeia, saindo aos 82 anos.
2-IDEM, pº 8765-C, de Maria Álvares, que não foi presa por estar ausente.
3-IDEM, pº 9129-C, de Manuel Fernandes, que viria a ser preso em 1579.
4-IDEM, pº 8775-C, de Jerónima Fernandes, moradora em Torre de Moncorvo, casada com João Rodrigues, o patriarca da família dos Isidros, a qual seria presa em 1583.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

Sem comentários:

Enviar um comentário