Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..")
Lembro cafezais em flor; flores brancas,
Que perfumavam os campos mogianos,
Colhendo o “mundo novo, o conilon e o burbom”
Do cheiro do café de coador, feito de panos,
Dos campos, dos animais e das flores,
E aquela luz num céu azul de néon... .
Faziam parte de minha vida de menino pobre,
Lembro-me da chuva, do rio e dos pássaros.
Não pude ver o mar; ao menos antes dos quatorze !
Só via mulheres com dor- d’olhos, cobertas de trapos,
Sempre grávidas; sempre sorrindo com quatro dentes,
Com suas canelas finas e feridentas; desde o seu nascimento.
Lembro a saparia do brejo e os silvos das cobras noctâmbulas,
Caçando e sendo caçadas, no esforço de se manterem vivas.
Lembro mugidos das vacas parideiras, voltando ao curral,
Remastigando o capim, que se faz leite sem igual.
Lembro os ipês, da infância da minha vida,
Lembrando, todo ano, que de setembro a outubro,
Já é hora de preparar a terra e de plantar.
Vi muita gente ir para o trabalho, quando ainda era noite,
Homens de faces enrugadas; filhos sonolentos,
Trabalhando o cafezal ou na sua plantação de subsistência,
Mocinhas de doze anos, meninos de oito, velhos de quarenta.
Vi muitas flores, plantações, árvores, rios,
Lembro pintassilgos, canários sabiás e seus cantares,
Só não via o mar; porque dele só sabia da existência!
Caipiras como eu, esperançosos, apegando-se a Deus e aos santos,
Esperando por vida melhor, assim como o filho, pai, o avô, o bisavô,... .
Caipiras que exibem suas mazelas, mas que esperam, com as suas,
Bocas desdentadas, cicatrizes nos braços e nos rostos,
Encardidos da terra roxa, queimados do sol mogiano,
Uma brisa da Providência em seu favor... .
Observando o capim gordura, formando ondas ao vento,
Com suas flores violáceas ao cair da tarde modorrenta
-Será que um dia ressurgirão num céu azul, vestidos de estrelas?
Já não tenho pernas; minhas mãos tremem,
Meus olhos fraquejam, meu coração sempre a palpitar,
Talvez vocês não saibam a razão do meu cismar:
-Vim da terra roxa e do cafezal paulista,
Da terra de aluvião vulcânica e massapé,
Onde o café se estendia a perder de vista,
A mim parece gravura, à vista de uma janela,
Vim donde existem almas penadas, matas e suçuaranas,
Vivo longe da minha terra, mas estou impregnado dela;
Ante esse quadro, não resisto ao fato:
-Que sou eu, sertão, senão seu retrato?
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. Nascido em julho de 1946, é natural da zona rural de Cravinhos-SP (Brasil). Nascido e criado numa fazenda de café; vive na cidade de São Paulo (Brasil), desde os 13. Formou-se em Física, trabalhou até recentemente no ramo de engenharia, especialista em equipamentos petroquímicos. É escritor amador diletante, cronista, poeta, contista e pesquisador do dialeto “Caipirês”. Tem textos publicados em 9 livros, sendo 4 “solos” e cinco em antologias, junto com outros escritores amadores brasileiros. São seus livros: “Pequeno Dicionário de Caipirês (recém reciclado e aguardando interesse de editoras), o livro infantil “A Sementinha”, um livro de contos, poesias e crônicas “Fragmentos” e o romance infanto-juvenil “Y2K: samba lelê”.
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