As raízes de José da Costa estão em Mogadouro, terra de sua mãe, Beatriz Pereira, neta de Francisco Lopes Pereira, o Papagaio, de alcunha e de Catarina Martins. O pai chamou-se André Vareda e seria originário de Itália, com um dos filhos a dizer que era natural de Pádua, e outro dando-o nascido em Roma.
Difícil seguir também o percurso de seus pais, o qual ficaria assinalado pelo nascimento de um filho em Cadiz, outro em Badajoz, um terceiro em Viana do Castelo e o nosso biografado em Lisboa, por 1690, sendo o mais velho dos 5 irmãos que chegaram à idade adulta.
Ainda pequeno quando rumou a Castela com o pai que, sendo contratador, levava uma vida de itinerâncias. Por 1709, encontrava-se José da Costa em Elvas, no ofício de soldado de cavalaria, a crer na informação de seu tio materno, Gaspar Lopes da Costa dizendo que aí se declararam um ao outro por judeus e acrescentou que o José lhe dissera que fora doutrinado por seu pai.
No ano seguinte encontrava-se em Lisboa e temos notícia de um encontro com Simão de Bivar, (1) na casa deste, o qual lhe daria um livro em castelhano para que o lesse “que era bom por tratar da lei de Moisés, que era boa para a salvação das almas”. Não se alongaria José da Costa por Lisboa e pelo ano de 1711 “passou para a Baía e para casa de uma sua tia chamada Clara Lopes” que lhe ensinou mais coisas da lei de Moisés.
Em casa de Clara Lopes estaria uns 3 meses, ao fim dos quais se embarcou para Angola. Não sabemos em que condições e em que companhia terá decorrido esta viagem, se bem que podemos suspeitar que fosse com um filho da Clara Lopes chamado Francisco Rodrigues Pereira que, sendo morador na Baía, tinha casa montada na cidade de S. Paulo de Luanda, em Angola. Não sabemos se nesta viagem José ia já como capitão do navio ou como passageiro. Certo é que a sua vida seria a de capitão de navios, ocupado principalmente no transporte de escravos de África para o Brasil.
E era já capitão do navio “Jesus Maria e José” (2) quando casou na Baía com Ana de Bernal Miranda, (3) por 1717. E era já proprietário de uma “roça” nas vizinhanças da cidade da Baía, no sítio da Graça, quando, por 1718, a sua mãe, o seu irmão António, a sua irmã Luísa e o marido desta chegaram à Baía e se instalaram na casa de José da Costa, o qual desempenharia o papel de chefe do clã famíliar, na falta do pai que falecera em Lisboa.
Antes de prosseguirmos, convém apresentar os irmãos que, certamente, trabalhariam mais ou menos em rede, como era próprio da gente da nação. Vejamos:
*João da Costa, ou Baredo, nasceu em Cadiz por 1693 e foi processado em 1714 pela inquisição de Lisboa, depois do que fugiu para Londres, onde já estivera antes e fora circuncidado. (4)
*Gaspar da Costa deixou o Reino em data que ignoramos e foi para o sertão brasileiro procurando ouro nas Minas de Cuiabá.
*Carlos Pereira, seguiu para a Baía e dali embarcou para a ilha do Príncipe, no Golfo da Guiné, e lá faleceu, pelo S. João de 1721. (5)
*António Lopes Pereira, nascido em Viana do Castelo, por 1704, aportou igualmente na Baía e dali foi para Angola.
*Finalmente, a irmã Luísa Maria Rosa, nascida em Badajoz, era já casada com João Gomes Carvalho quando embarcou para o Brasil, com a mãe, o irmão António e o seu marido. Este casal permaneceu poucos anos no Brasil, regressando a Lisboa por 1723. (6)
Não temos descrições das viagens do capitão José da Costa com o “seu” navio. Sabemos que a chegada da mãe à Baía coincidiu com a chegada de uma das suas “expedições” à Costa da Mina. E também sabemos que o Kipur de 1721 foi celebrado em sua casa por toda a família, com o jejum dedicado ao feliz sucesso de uma viagem que ele se preparava para fazer nos dias seguintes para a mesma Costa. Podemos ainda dizer que ele viajava para a Colónia do Sacramento onde o seu contacto comercial seria o seu cunhado Luís Nunes de Miranda, ali estabelecido. Mas a rota mais seguida pelo capitão do navio “Jesus Maria e José” era a de Angola. E a principal mercadoria transportada eram os escravos, considerados “marfim negro” e tratados como “peças”, comprados e vendidos em praças públicas, como gado em feiras.
E José da Costa não seria um simples capitão de navio mas um verdadeiro corsário. O próprio inventário dos seus bens ajuda-nos a compor a sua imagem de corsário. Vejam o equipamento que o inventário apresenta:
*Um vestido de lemiste preto e uma véstia de seda, da mesma cor, que lhe havia custado 60 mil réis.
*Camisas de Holanda (3 ou 4), com punhos de renda fina, que valiam mais de 40 mil réis.
*Uma véstia de veludo verde e outra de crepe preto, usadas, que valiam 12 mil réis.
*Um espadachim de prata, com punho de ouro, comprado por 6 moedas de 4.800 réis cada uma.
*Duas espingardas, novas, estrangeiras, que lhe custaram 32 mil réis.
*Duas plumas de chapéu de martinete que valiam 7 ou 8 moedas, de 4 800 réis.
*Dois martinetes mais ou cocares que valiam moeda e meia.
Camisas com punhos de renda, casaca de veludo verde ou preto, espada com punho ouro, chapéu em bico, decorado com plumas de uma ave de Porto Rico… é mesmo a imagem de corsário que o cinema consagrou!
De resto, os bens inventariados ao piloto, as dívidas ativas e passivas… tudo anda em volta do comércio de escravos e em todo o processo apenas há referência a umas 20 peças de algodão remetido de Angola para o proprietário do barco e umas fazendas levadas para o Rio da Prata juntamente com uma “manada” de escravos.
Foram mais de 20 as denúncias de judaísmo apresentadas contra José da Costa que foi mandado prender pela inquisição de Lisboa em 13.3.1726 mas que só em 13 de junho de 1728 ali foi entregue, vindo embarcado de Pernambuco na nau “Santiago Maior”. Acabou condenado em cárcere e hábito perpétuo e confisco de bens no auto de 16.10.1729. (7)
Depois terá novamente embarcado para o Brasil, como se depreende da seguinte declaração feita por sua mulher em 4.11.1737, a qual ficou morando em Lisboa, na Ruas das Gáveas, ao Bairro Alto e foi presa segunda vez:
- Disse que tinha 2 escravas, uma chamada Isabel e outra Ana, as quais lhe tinha mandado seu marido José da Costa, não sabe quanto valem por não saber quanto custaram ao seu marido. E que ela deve a seu cunhado João Gomes, homem de negócio morador em Alfama, as mesadas com que lhe assistia por conta de seu marido, não está certa no que importam mas o que ele disser será verdade. E que ela é devedora a seu irmão Manuel Nunes Bernal de assistência que lhe fez nesta Corte. (8)
Notas e Bibliografia:
1-Simão de Bivar era natural de Mogadouro, filho de D. Afonso de Bivar, cavaleiro castelhano e de Clara Rodrigues, de Torre de Moncorvo. – ANTT, inq. Lisboa, pº 3677, de Simão de Bivar.
2-O proprietário do barco era Francisco Xavier da Silveira.
3-Ana Bernal de Miranda foi levada pelos pais para o Brasil quando era pequena. Seu pai era médico e um de seus irmãos foi estabelecer-se na Nova Colónia de Sacramento estrategicamente situada na margem do Rio da Prata, cuja posse era disputada entre Portugal e Castela.
4-Na verdade, fizeram-lhe apenas um ligeiro corte pois que ele “não podia rigorosamente ser circuncidado porque não tinha onde se lhe poder fazer a cortadura, o que procedia de uma grande queixa gálica que ele havia padecido na mesma parte”. ANTT, inq. Lisboa, pº 7264, de João Baredo. Agradecemos à Drª Carla Vieira ter-nos cedido a transcrição do processo.
5-ANTT, inq. Lisboa, pº 9924, de Beatriz Pereira. Depois de contar que fizera o jejum do kipur de 1721 em casa de José da Costa, com este, com o filho Carlos, com a filha Luísa, com o genro João de Carvalho e com a nora Ana de Miranda “para que Deus nosso senhor desse bom serviço ao dito seu filho José da Costa em uma viagem que havia de fazer para a Costa da Mina”, volta atrás para emendar: - Agora estava melhor lembrada que o seu filho Carlos não estava presente porque falecera pelo S. João e o jejum fora em setembro…
6-IDEM, pº 2424, de Ana de Bernal Miranda; pº 764, de João Gomes Carvalho.
7-IDEM, pº 10002, de José da Costa.
8-IDEM, pº 2424-1, de Ana de Miranda.
António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com
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