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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Nós, Transmontanos, Sefarditas e Marranos - DIOGO FERNANDES PATO (VILA REAL, 1567 – COIMBRA, 1620)

Por 1620, na comunidade hebreia de Vila Real, destacava-se um grupo de médicos, advogados e grandes mercadores, ligados por laços familiares: Branca Dias, casada com Manuel Capadoce era irmã do advogado Manuel Dias Catela, pai do médico João Rodrigues Espinosa e de Joana Dias, mãe do advogado Diogo Fernandes Pato e este era irmão de outra Branca Dias, avó materna do diplomata Manuel Fernandes Vila Real.
Diogo Fernandes Pato, o nosso biografado, nasceu em Vila  Real, por 1567, sendo filho de Joana Dias e Pedro Fernandes, o Pato, de alcunha. Aos 15 anos, Diogo rumou a Salamanca, em cuja universidade se matriculou em 1582. Por uma década aparece o seu nome nos livros de matrícula da universidade, estudando Gramática e Leis e saindo advogado em 1592. (1)
Do lado paterno, Diogo teve uma tia, chamada Joana Fernandes, que casou e morou em Vila Real, e foi presa pela inquisição, em 1569 e 1589. (2) E certamente foi por causa disso que os seus filhos e netos abandonaram a terra e foram viver para a Galiza.
Do lado materno falou-se já do tio Manuel Dias Catela e da tia Branca Dias, casada com Manuel Dias Capadoce. Dos filhos destes, vem ao caso referir um Francisco Lopes Capadoce, casado com Helena Rodrigues e uma Violante Dias que casou com Francisco do Vale. Isto porque, em Março de 1518, falecendo a mulher de Francisco Lopes Capadoce, a amortalharam com “uma camisa nova de pano de linho que nunca servira e no mantéu e punhos tinha pontas de renda (…) uma touca boa e formosa (…) e um gibão de canequim e uma coifa e uma fita” e a embrulharam em “um lençol de pano de linho fino de quatro tramos e que não havia servido”…
Na execução desta e de outras cerimónias de amortalhar e prantear a defunta, notou-se a participação de Violante Dias, irmã de Francisco e uma filha desta chamada Leonor do Vale. Aliás, já um ano atrás se fez notado o papel de Violante no amortalhar de um menino de 6 ou 7, como contou uma cristã-velha, dizendo:
- Em uma peça de pano de linho novo e se cortou uma camisa muito comprida, com umas mangas muito compridas que pareciam de roupão (…) e logo se coseu a dita camisa (…) e dizendo ela denunciante à dita Violante Dias para que eram as mangas tão compridas, que seria bom cortar metade delas, que ainda ficavam mangas bastantes; ao que Violante Dias disse que não, que era o dote de menino; mostrando-se muito colérica contra ela denunciante; e logo na dita tarde morreu o menino e o amortalhou a dita Violante Dias na dita camisa nova e em um lençol grande e ela estranhou porque sabia que o dito menino tinha camisas novas e muito boas. (3)
Em Março de 1620, o inquisidor Sebastião Matos Noronha visitou Vila Real e estas e outras cerimónias e comportamentos judaicos foram-lhe denunciados, seguindo-se uma vaga de prisões. Francisco Lopes Capadoce, que ficara viúvo de Helena Rodrigues, não foi preso porque, entretanto fugiu para a Galiza. Violante Dias e a filha foram presas e os seus processos revelem uma atroz crueldade. A filha saiu cega da prisão. E Violante ficou “com chagas no corpo e entrevada e com sinal de lhe ter dado o ar, e em razão de uma enfermidade oculta provável, que por honestidade se não podia ver, e é certo que há muito tempo está desta maneira no dito cárcere, impossibilitada (…) de sair em auto, salvo se a levar em uma cadeira, sem a dita se levantar, e no cárcere se não pode curar, antes ali se acabará de consumir”.
Este foi o testemunho deixado pelos médicos da inquisição, que a observaram, confirmando, aliás, a informação dada pelo alcaide dos cárceres dizendo:
- Depois que veio para estes cárceres está chagada e com muita enfermidade, que faz asco dizer…
Acabaram os inquisidores por deixá-la sair, com fiança abonada para pagar as despesas de alimentação e custas da cadeia, fiança dada pelo mercador Francisco Fernandes Vila Real, pai do citado Manuel Fernandes.
Voltemos à visitação do inquisidor Noronha a Vila Real, em março de 1620. Perante ele apareceu um carpinteiro dizendo que, 10 anos atrás, fez uma obra de carpintaria em casa de Diogo Fernandes Pato. E nesses dias morreu lá em casa, uma cunhada do advogado, irmã de sua mulher, chamada Beatriz Dias, que com eles vivia, estando o marido, Gonçalo Dias Pato, emigrado na Galiza. E então, acrescentou o carpinteiro, notou que por espaço de 15 dias, naquela casa se não cozinhou senão peixe. E ele perguntou a uma criada porque ali se comia só peixe, respondendo esta que os amos não permitiam que se comesse carne por respeito da morte da dita cunhada. O carpinteiro contou ainda que em seguida à morte da mesma Beatriz, a mulher do advogado mandou lançar fora toda a água que havia nos cântaros.
Leonor Lopes, cristã-velha, apareceu também a testemunhar perante o inquisidor, dizendo:
- Havia 10 anos que, morrendo Beatriz Dias, cristã-nova (…) viu ela denunciante que a dita defunta foi enterrada em uma cova virgem no adro de S. Pedro, junto ao monturo, do que houve geral escândalo nesta vila (…) porque sendo a dita defunta rica se não enterrou dentro da dita igreja ou no mosteiro de S. Francisco, onde era fama pública nesta vila que os frades do mosteiro lhe ofereceram sepultura. E também foi pública voz e fama, no dito tempo, nesta vila, que por ordem do dito Diogo Fernandes Pato, foi a dita sua cunhada enterrada na dita sepultura virgem. (4)
A história foi confirmada pelo coveiro que acrescentou pormenores, dizendo que primeiro o mandaram abrir a cova no claustro de S. Francisco, o que ele fez. E que estando a cova aberta, recebeu ordens para a tapar e abrir outra “no adro da freguesia de S. Pedro, no meio de um caminho, em uma cova virgem, lugar onde se não costumava enterrar pessoas. E não quiseram que se enterrasse na cova que estava aberta no dito mosteiro, por não ir a dita defunta vestida com hábito de S. Francisco (como os frades exigiam), senão no lençol novo, como ela foi”.
Obviamente que a responsabilidade de tudo foi imputada ao advogado Diogo Fernandes, preso ao início de abril e que acabou por morrer 8 meses depois, em 9.12.1620, nos cárceres da inquisição de Coimbra.
Diogo morreu, mas o processo não parou e a sentença foi dada 18 anos depois, em 31.10.1638!!! E foi do teor seguinte:
-…Não sendo a prova bastante para condenação, o absolvem (…) e declaram que aos seus ossos se pode dar sepultura eclesiástica e fazer-se por sua alma sufrágios da igreja (…) os bens que lhe foram sequestrados, tiradas as custas dos autos, sejam restituídos a seus herdeiros.
Humor negro, certamente. Pois, onde estariam os bens, 18 anos depois?! E os herdeiros? Obviamente que tinham abandonado a terra que lhe foi madrasta e tinham ido dar vida a outros chãos. Dos 6 filhos que tinha, referência para o Luís Fernandes. Contava uns 4 anos quando o pai foi preso e ele foi levado para a Galiza onde vivia a maior parte da família. Em 1641 casou com Ana de Miranda Ayala, que morreu 3 anos depois. Casou segunda vez, em 1651 com uma filha de Francisco Lopes Capadoce, recebendo o fabuloso dote de 8 mil ducados de prata. A sua morada era então na cidade de Sevilha e o seu trato era a cobrança dos impostos das salinas da Andaluzia, que arrematou na Corte de Madrid. A propósito, diremos que na Espanha de então este sector de atividade era dominado pelo nosso advogado e pelo Fernando Montesinos, originário de Vila Flor.
Mas, os sonhos de Luís eram ainda maiores e, em 1657, liquidou o negócio do sal e foi a Madrid onde arrematou a “alcabala dos 3% de Córdoba”. Em 1663, porém, depois da sua mulher, sogro
e outros membros da família, o poderoso “hombre de negócios” Luís Fernandes Pato, foi preso pela inquisição de Castela. Ao cabo de 7 anos de cativeiro saiu absolvido! Tinha 54 anos.
Uma nota final: Os processos referenciados são deveras interessantes para o estudo do desenvolvimento urbano da cidade de Vila Real e moradas da gente cristã-nova.

Notas e Bibliografia:
1-DIOS, Angel Marcos de – Índice dos Portugueses en la Universidad de Salamanca, jn: Brigantia, vol. XII, nº 3, 1992.
2-ANTT, inq. Coimbra, pº 3705, de Joana Fernandes.
3-ANTT, inq. Lisboa, pº 6074, de Violante Dias.
4-ANTT, inq. Coimbra, pº 7374, de Diogo Fernandes Pato.
5-Francisco Lopes Capa doce nasceu em Vila Real em 1600 e morreu em Toledo em 16.12.1665.
ALMEIDA, A. A. Marques de – Dicionário dos sefarditas Portugueses Mercadores e Gente de Trato, Campo da Comunicação, Lisboa, 2009.
SCHREIBER, Marcus – Marranen in Madrid,  1600 – 1670, Stuttgart, Franz Steiner Verlag, 1904,  pp.  88- 95.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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