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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

QUANDO A NEVE ERA FARINHA

Não sei se é uma grande novidade, mas... o Natal está a chegar. Não é uma coisa destes dias, nem muito menos de Dezembro. Não. Em Agosto já eu comia chocolates alusivos à quadra, ainda que derretidos e com cor esquisita. Desconfio que pertenceram a Natais passados, e que ficaram esquecidos em stock. Ainda assim, quem consegue resistir a esta tentação? Esta época apela à gula e ao sentimento. Ter sentimentos, pelo menos a mim, dá-me fome. Por isso, é lógico que anda tudo ligado.
Depois, ainda em Outubro, começaram os anúncios. Promoções de todo o tipo, brinquedos com preço inflacionado e mensagens fofinhas começaram a saltar de todo o lado, principalmente da televisão.
Tenho a ideia de que antes isto só começava lá para meados de Novembro. Certamente a seguir ao Fiéis Defuntos. Quando eu era pequena, havia umas flores brancas no jardim de casa, muito cheirosas e farfalhudas, que abriam na altura dos Fiéis Defuntos. Era assim que eu sabia que era tempo de visitar o cemitério. Quando começavam as publicidades das bonequedas, estávamos próximos do Natal, ainda que eu não soubesse quão próximos.
Começava a cheirar a Natal quando se começava a desviar os sofás para colocar o pinheiro. Era natural (sei que agora não se pode) e colhido no monte ali ao lado. Não era preciso todo, só uma galinha bonita e com uma coroa, para enfeitar com uma estrela. No mesmo sítio encontrávamos musgo, bem verdinho e com volume. Forrávamos o chão com papel de jornal e alcatifas, para não estragar nada. O musgo passava a ser a Terra Santa, mais coisa menos coisa, e em cima desenhávamos caminhos de neve. Não sei se havia neve naquele lugar há mais de dois mil anos, mas em minha casa sempre houve. A neve não era neve, claro. Essa derrete, e não me lembro de passar um dia 25 com neve à porta. Por norma era farinha, que se roubava da cozinha. Farinha, por todo o lado, que dava um efeito nevado. Olhávamos para a obra prima – o presépio – com orgulho. Ficava com frio só de olhar. Os Reis Magos era mais pequeninos do que a Nossa Senhora, o São José e até do que o Menino Jesus. Não fazia mal, porque era uma questão de perspectiva. Eles vinham longe ainda, só chegavam dali a uns dias. Como toda a gente sabe, ao longe tudo parece pequenino. Tinha ainda um pastor, ovelhas e um castelo, que ficava igualmente enfarinhado. Desculpem. Nevados.
Não sei muito bem o que simboliza o Natal, às vezes. Para mim era a simplicidade de ter um pedaço de um pinheiro, com luzes, um amontoado de musgo com figurinhas castiças e farinha a fazer de neve. Não fazia mal não ser de compra, ou não ter um aspecto realista. Era a alegria de fazer isto com a família, de mobilizar todos os esforços para aqueles momentos. Embrulhar prendas às escondidas. Comer e rir. Jogar ao ‘par e pernão’ (que é uma espécie de jogo de apostas, dos que não faz mal, porque se ganham e perdem pinhões e nozes).
Agora já há, bem barata, neve em lata. Abana-se, e há neve por todo o lado. Branca e com textura. Tem que se ir retocando, porque como é a fazer de conta, vai perdendo características, até se resumir a um material borrachoso mirrado e meio amarelo. Isto não acontecia com a farinha. Essa era autêntica, nunca mudava. Ficava a fazer as vezes da neve até aos Reis. Mais tempo do que isso, se nós quiséssemos.
Não sei o que tem acontecido ao Natal, que já não me parece tão verdadeiro. Já não chega a farinha a fingir de neve, já se compra o presépio todo numa só peça, já não se reparam as luzes pisca-pisca fundidas com as suplentes que vêm na caixa, e tanto faz que haja cores iguais seguidas. Tanto faz porque o materialismo ganhou. Não há o decoro de celebrar as ocasiões devidamente, e pode ser Natal logo em Agosto.
Gostava que houvesse mais farinha a fazer de neve. A favor do que é simples. A favor do saber sorrir com tão pouco e mesmo assim não saber como se pode ser mais feliz.

Tânia Rei
in:jornalnordeste.com

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