sábado, 21 de maio de 2022

Origem de Bragança. Braga e Astorga (chancelarias romanas)

Vimos que Bragança não era a Julióbriga nem a Celióbriga dos geógrafos romanos e menos a Britónia dos Godos; no entanto, é grande a sua antiguidade, como mostraremos ao tratar do seu conceito como região a que dava o seu nome, certamente, porque sendo povoado principal, servia de cabeça aos povos bragançanos.
Viterbo, a quem têm seguido vários escritores até em nossos dias, diz: «que no tempo de el-rei D. Afonso Henriques não havia povoação alguma que se chamasse Bragança, onde hoje a vemos».
Baseia tal asserção na doação feita a 4 de Agosto de 1145, por D. Afonso Henriques, ao convento de Castro de Avelãs de algumas terras situadas perto da actual cidade, «pois (diz Viterbo, nomeando os seus limites, isto é, do terreno doado) entre o monte Togia e o rio Sabor, se não faz menção alguma de Bragança, que hoje se acha entre estas duas balizas».
Eis o texto da doação que adiante damos na íntegra, da qual também a Benedictina Lusitana aponta um pequeno extracto.

«Facio chartam donationis, et firmitudinis tibi abbati Joanni et Sancti Salvatori de Castro de hereditate mea propria, quam habeo villa Sancti Georgii, quae est in Bragantia subtus mons Togia discurrentis aquae a Salabor, et de alia villa medictatem, quam habeo in Rivo frigido de Monte (hoje Rio Frio de Outeiro), et habet jacentiam inter flumen Maçanae, et flumen Salabor». 

Mas aqui não se tratou de delimitar o terreno doado aos frades, como evidentemente se vê pelo texto, mas sim de indicar os sítios onde assentavam essas vilas; isto é: S. Jorge, nas faldas do monte Togia, águas vertentes para o Sabor, e Rio Frio de Monte, entre os rios Maçãs e Sabor portanto, nada implica com a não existência de Bragança, e dizendo-nos os fragmentos do Concílio de Lugo, cuja antiguidade remonta pelo menos ao século IX, que o pagus ou aldeia de Vergância pertencia à diocese de Braga, de nenhum modo podemos assentir à opinião de Viterbo seguida por Lopo, Pinho Leal e outros, que dizem que ao tempo desta doação Bragança não existia.
É certo que Viterbo parece referir-se a uma outra doação do mesmo rei ao dito convento, feita aos 4 de Janeiro de 1144, mas o seu contexto parece-nos que não favorece a sua opinião.

Eis a parte respectiva que adiante damos na íntegra: «Facio chartam donationis, et textum firmitudinis de illo monasterio de Crasto cum suo cauto et cum omnibus suis terminus, et pertinentiis, qui sunt in ipso cauto, et jacet illum monasterium subtus mons Togia, et alia parte flumine Salabor ita concluditur, videlicet per marcum de Avelanis, et deinde ad marco quod vocant cauto per viam de Felmir, et per Ecclesiam Sancti Claudi de Felmir et per caput Sculcão supra Castenaria, et deinde ad marcum inter Nugaria, et flumen Manzer, et per marcum de Prato Mayor, et deinde per flumen de Areanis, aqua discurrente, et per viam usque ad marcum de Avelanis».

Neste documento diz-se vagamente que o mosteiro de Castro de Avelãs ficava entre o monte Togia e o rio Sabor; e depois, tratando de precisar mais o território que lhe pertencia para que não se entendesse que toda a região entre o monte e rio era do mosteiro, diz que a sua demarcação ia do marco de Castro de Avelãs a outro no caminho de Fermil à igreja de S. Cláudio desta povoação pelo cabeço de Sculca, acima de Castanheira, ao marco situado entre Nogueira e a ribeira chamada Manzer, daí ao marco de Prado Maior e daí à ribeira de Areães até ao marco de Castro de Avelãs, onde se começou.
Todo este território é ainda hoje bem conhecido pela permanência actual dos nomes antigos, e vê-se que entre ele e o termo de Bragança, que demarcaremos no lugar próprio, havia largo território que constituía o termo da nossa cidade. Por isso não é certo, como pretende Viterbo, que o território onde hoje está Bragança devesse ficar encravado no couto do mosteiro.
Viterbo cita ainda, como prova da sua asserção, a carta de escambo feita a 4 de Maio de 1187 entre D. Sancho I e o mosteiro de Castro de Avelãs que cedeu ao rei a quinta da Benquerença, recebendo em troca a vila de S. Julião e a igreja de S. Mamede e respectivo vilar; mas desse documento, que também adiante damos na íntegra, não se pode deduzir tal, pois já dá Bragança como existente: «et omnes homines, qui ibi habitaverint (em S. Julião ou no vilar de S. Mamede) vel habitaverit, non det in civitate Bragancia portatico, nec in suo termino».
Ora, se Bragança fosse fundada por D. Sancho I, ao dar-lhe o foral, no dizer de Viterbo, como este teve lugar em Junho de 1187, isto é, posteriormente à troca, não se empregaria no documento acima a expressão — in civitate Bragancia — que seria um absurdo pois, não sendo Bragança habitada, nem gozando do privilégio de cobrar direitos de barreira ou portático, para que queriam os de S. Julião e Vilar de S. Mamede ficar isentos dele?!
De onde concluímos que Bragança já então existia como povoado importante, pois gozava do privilégio de cobrar direitos de portático sobre as mercadorias que aí vinham vender-se.
Viterbo apoia ainda o seu modo de ver nas Inquirições de D. Afonso III. É certo que estas, ao tratarem da paróquia de Santa Maria de Serapicos dizem: «vilar de Paradinas fuit domini Regis et quod levabant inde paradam ad hominem domini Regis qui stabat in Alveliã ante quam villa de Bragancia esset populata». Mas esta afirmação é o depoimento de uma testemunha que, vivendo meio século depois do foral de Bragança, podia ignorar o seu estado anterior; demais, a expressão — antes que fosse povoada — não indica nos documentos antigos que se começasse a povoar em certa época, pois também se chamavam povoadores os que iam habitar terras depois de engrandecidas com leis municipais, codificadas em foral e neste sentido — antequam villa de Bragancia esset populata — virá a significar: antes que Bragança fosse habitada pelos homens que aí se acolheram atraídos pelas garantias do seu foral, o que não contraria, como levamos dito baseado em documentos, que outros habitantes aí vivessem anteriormente.
Nem se concebe que fosse dado foral a uma terra despovoada completamente.
Também não parece que o terreno onde assenta a actual cidade, como quer Viterbo, a quem têm seguido outros, se chamasse a quinta da Benquerença. Como não acreditamos na fundação de Bragança em 1187, mas sim que a sua população é muito anterior, e só o documento do escambo ou troca feita entre os monges de Castro de Avelãs e o rei nos fala em tal quinta, sendo que por esse mesmo documento se evidencia a coexistência da civitate Bragancia e da quinta da Benquerença, somos levados a crer que esta era realmente uma quinta, na verdadeira acepção da palavra, ou propriedade contígua a Bragança, pertencente aos frades, e como o seu território faria falta para dar mais âmbito à
cidade, el-rei tratou de a obter.
Pois, sendo concordes os documentos que já temos citado anteriores e posteriores a esse da troca feita em 4 de Maio de 1187, em nos falar na cidade de Bragança, e apenas um na tal Benquerença, e desaparecendo imediatamente tal denominação, que jamais volta a encontrar-se em documentos, é bem de ver que Bragança nunca foi chamada Quinta da Benquerença e só uma parte mais ou menos extensa do seu território teve esse nome, o qual nunca absorveu nem correspondeu topograficamente ao da cidade.
Ainda mesmo que o documento do escambo não fizesse simultaneamente menção da cidade de Bragança e quinta da Benquerença, como coexistindo, o próprio texto o deixa entender. Eis a parte respectiva:

«Ego Santius... facio cum cambium firmitudinis cum Monasterio de Castro Avelanarum, et cum abbati Menendo, et ejus conventui de hereditate, quæ accepi ab eis de Bemquerencia, quod vocant civitate Bragancia».

No Museu Municipal de Bragança há um manuscrito intitulado Táboa Velha da Egreja de S. João. Nele vêm os autos de uma demanda havida pelos anos de 1644 entre o prior de Santa Maria de Bragança e o abade da Igreja de S. João, da mesma cidade, a propósito de aquele não querer deixar tocar os sinos em Sábado Santo na igreja matriz deste, sem primeiro se tangerem na daquele, e entre várias razões que alegava encontra-se a seguinte:
«Que a matriz de Santa Maria era mais antiga que a mesma cidade no lugar onde hoje se encontra, porque a cidade de Bragança foi primeiro o seu assento no cabeço da cidade, onde ainda há sinais e vestígios de muros dela e ainda agora, aquele cabeço é da mesma cidade, e como se deu às freiras de Santa Clara, por a Câmara ser a padroeira do Mosteiro, ainda hoje rende para as freiras».
Mais dizia que no local onde está a cidade fora um sardoal espesso, no qual os habitantes do cabeço vinham pastorear seus gados, e sendo por uns pastores encontrada, no espesso da mata, a imagem da Senhora, que ainda hoje se conserva na matriz de Santa Maria, lhe erigiram uma capela, e, atraídos pelos milagres que a Senhora fazia, deixaram o cabeço e vieram morar para junto dela, e assim se fundou a cidade.
A origem de Bragança, dada assim pelo prior, é apenas mera lenda, aliás importantíssima em arqueologia, pois mostra-nos que na actual colina da vila de Bragança houve um castro céltico ou luso-romano, porquanto todas as ermidas existentes nesses castros têm lendas idênticas.
Daqui resultam fortes motivos para nos levarem a concluir que nos tempos romanos ou pré-romanos já Bragança era habitada, embora não saibamos o nome que então tinha, sendo por mera conjectura que alguns lhe dão o de pagus Brigantium ou Brigantia.
Parece que a menção mais antiga da nossa cidade se encontra no fragmento do concílio de Lugo, celebrado «Tempore Suevorum, sub era 607 (ano de Cristo 569) die Calendarum Januarii, Theodomirus Princeps idem Suevorum» — o qual, declarando as igrejas ou freguesias pertencentes à diocese de Braga, lhe descreve as seguintes:

Centum Celas — Petroneto.
Coetos — Equirie ad saltum.
Leneios — Pannonias.
Aquaste — Ledera.
Milia — Vergancia. (Ver o que dizemos adiante em nota ao tratar deste pagus na divisão de Wamba).
Ciliolis ad postam — Astiastico.
Ailio — Tureco.
Carandonis — Cuneco.
Tavis — Clerobio.
Ciliotão — Berese.
Getanio —
Palanticio.
Getanio — Celo.
Oculis — Supelegio.
Cerecis — Senesquio.

Este documento, publicado a primeira vez por Garcia de Loaysa, na sua obra sobre concílios, em 1593, conquanto até ali fosse ignorado, nem por isso o podemos considerar como forjado, pois o encontramos mencionado numa carta de Inocêncio III a D. Pedro, arcebispo de Santiago, a propósito duma demanda que teve com o de Braga pelos anos de 1499 (69), sendo que o Chronicon Iriense pelos fins do século IX já dele faz menção.
No entanto, este fragmento do concílio de Lugo não é documento original das suas actas, pelas razões que advertem Argote, Florez e outros, e não foi escrito no tempo dos reis suevos, nem mesmo dos godos, mas no dos reis das Astúrias e, certamente, antes dos fins do século IX, como mostramos. Ao nosso propósito faz pouco a existência ou não do concílio de Lugo e a originalidade das suas actas, às quais não queremos dar maior antiguidade do que a permitida pelo Chronicon Iriense; embora aceitando mesmo que o documento fosse escrito no século IX e tenha apenas valor histórico, sempre é lícito afirmar que o tal «pagus» de Vergância pertenceria à diocese de Braga há muitos anos, pelo menos durante tempo tão recuado que a memória dos contemporâneos não se lembrava do contrário, pois, tratando de um facto que certamente era bem sabido, não quereria sujeitar-se a ser convencido tão facilmente de menos verídico, mentiroso mesmo, pelos conviventes; ou, pelo menos, Braga estava de facto em posse do «pagus» de Vergância, embora de direito não lhe pertencesse, como adiante mostraremos.
Argote inclina-se a que este fragmento seja cópia simplesmente de algum tratado histórico e não de actas de concílio, e neste caso podemos conjecturar que Vergantia existia como «pagus» desde meados do século VI.
A divisão dos termos das dioceses de Espanha e suas paróquias, atribuída ao rei godo Wamba, na era de 704 (ano de Cristo 666), embora se não fizesse nesse ano, o que ao nosso propósito nada importa, e não possamos, segundo pretendem os críticos, recuar-lhe a sua antiguidade além do século XII, interessa muito sobre o particular de Bragança, pois no caso mais provável de ser cópia de notícias históricas antigas, ou mesmo que o não fosse, sempre mostra que, pelos anos imediatamente anteriores à fundação da monarquia portuguesa, existia o «pagus» chamado Bregancia, que deve ser a nossa cidade. Eis a lista das igrejas ou freguesias que essa divisão diz pertencerem à diocese de Braga:

«Bracara Metropolis teneat.
Centumcellas — Panoias.
Gentismillia — Leta.
Laineto — Bregancia.
Giliolis — Astiatigo.
Adoneste — Tarego.
Aportis — Aunego.
Aylo — Metrobio.
Centendonis — Berese.
Laubis — Palantusico.
Cilioto — Celo.
Letania — Senequumio sub uno XXX [mas não menciona as cinco que faltam, pois, como vemos, apenas dá vinte e cinco].
Ceresis.
Petroneyo.
Equisio ad saltum».

Esta Leta, acima apontada, é a Ledera dos fragmentos do concílio de Lugo, cabeça de um distrito de que adiante falaremos, e nela cunhou moeda Witerico, rei godo, e seu sucessor Chindosvinto, de onde concluímos a sua grande importância.
Embora nos queiram contestar a fé histórica que ligamos aos fragmentos do concílio de Lugo e divisão de dioceses, atribuída a Wamba, sobre notícias referentes a Bragança, a escritura pertencente à Sé de Astorga, apresentada por Florez, que adiante damos, permite-nos restabelecer factos da sua história de um modo positivo.
Durante o reinado de D. Ramiro I (842 a 850), reuniu-se perante ele um concílio de bispos, religiosos e homens bem nascidos, para tratar dos limites da Sé de Astorga, na qual pontificava então o bispo Novídio.
Neste concílio expôs Novídio a sua jurisdição diocesana sobre terras de Zamora, Portugal e Galiza, manifestando os prejuízos e alterações resultantes da entrada e guerra dos mouros, causados à sua diocese.
Sendo julgadas justas as reclamações de Novídio, foram adscritas à sua Sé as terras que antigamente lhe haviam pertencido, mas erigindo pouco depois D. Ordonho I o bispado de Septimancas, ao qual designou como área várias terras do de Leão e Astorga, ficaram sem efeito as resoluções tomadas pelo concílio.
Este estado de coisas, porém, apenas se conservou durante a vida de D. Ordonho, em que houve dois bispos em Simancas — Hilderedo e Teodisclo. Morto o rei, juntaram-se em presença de D. Ramiro III e de sua tia D. Elvira, consagrada a Deus, os bispos constantes da escritura citada, e considerando que Simancas não fora outrora sede episcopal, nem era sítio conveniente para isso, extinguiram este bispado, restituindo a Leão a sua jurisdição nas terras dessa Sé desmembradas, e o mesmo relativamente a Astorga.
Dessa escritura resulta que antes da entrada dos mouros pertenciam a Astorga, no território hoje do bispado de Bragança, em Portugal, «ecclesiæ quæ sunt in BREGANCIA per illum rivulum qui dicitur Tuella, et discurrit usque dum intrat in Dorio contra Zamora ad partem orientis»isto é, toda a região que fica entre o rio Tuela, nome depois mudado em Tua, até entrar no Douro, vindo, pois, a pertencer a Astorga quase todo o actual bispado de Bragança.
Sobre este assunto há duas escrituras: uma, atrás mencionada, e outra datada de 4 das calendas de Agosto do mesmo ano, ambas firmadas pelo rei D. Ramiro, sua tia D. Elvira e bispos constantes da primeira.
Por esta escritura se vê também que o conceito de região ligado a Bragança abrangia quase completamente o território hoje designado por distrito de Bragança.
A escritura em que temos falado, pertencente à Sé de Astorga, foi lavrada na era de 1012 (ano de Cristo 974) embora os factos a que ela diz respeito tivessem lugar anos antes, durante o reinado de D. Ramiro I, isto é, entre 842 e 850, de onde vem que Lopo e outros andaram menos avisadamente escrevendo que o concílio se convocara a pedido de Salomão, bispo de Astorga, quando é certo que este se reuniu no tempo do bispo Novídio, quase cem anos anterior àquele, e mesmo no tempo que o concílio se reduziu a documento, pontificava Gonçalo em Astorga.
Parece que as disposições deste concílio, pelo que toca ao território de Bragança, ou nunca tiveram efeito ou foram de curta duração, pois a Bula do papa Pascoal II, de 1114, que Argote dá por extenso (Memórias, tomo II, pág. 853 e 655), assinando os limites da diocese de Braga, conforme, no dizer da Bula, os tivera no tempo dos suevos, já os marca tais que, fatalmente, grande parte, se não toda a área reclamada pelo de Astorga e indubitavelmente a região bragançana, devia tocar à de Braga.
Demais, o bispo de Astorga, D. Pedro, que o foi desde 1205 a 1226, reclamou perante o papa, contra o arcebispo de Braga, as igrejas de Aliste e Bragança, possuídas por este a despeito de, pelos antigos limites, pertencerem à sua Sé, em vista do que a 29 de Março de 1206 deu Inocêncio III comissão ao deão e outros capitulares da Sé de Santiago para conhecerem do facto.
Certamente, a reclamação não foi julgada procedente, ou não teve efeito, e se o teve foi de curta duração, pois há documentos muito próximos desta data que mostram continuar Bragança a pertencer a Braga. Florez também nada diz sobre o resultado.
Argote, baseado nos fragmentos do concílio de Lugo, atrás analisados, diz que Bergança, ou Vergança, hoje Bragança, sempre pertenceu a Braga durante o tempo dos suevos e godos, e, portanto, que é falso haver sido de Astorga, como deixa ver a escritura desta Sé, que temos citado, à qual atribui erradamente a data de 934.
Do que diz Argote, parece deduzir-se que de um documento citado por Morales, pertencente ao século IX, se mostra como Bragança não pertencia a Astorga, mas Morales nada diz a tal respeito, e apenas cita, a propósito da consagração da Igreja do Apóstolo Santiago, um documento da era de 938 (ano de Cristo 900); e para ilustrar eruditamente o facto da consagração, que teve logar «in primo die, quoe erat nonis maii», era 937 (ano de Cristo 899), transcreve do Chronicon de Sampiro a parte que menciona os bispos e dignitários assistentes a essa consagração, entre os quais figura Pelagius Breganciæ comes (Pelágio, conde de Bregância).
Mas esta parte do Chronicon de Sampiro foi intercalada por D. Pelayo, bispo de Oviedo; e não gozando este homem de fé alguma histórica, pelas fábulas e falsificações que introduziu em seus escritos e alheios, dando-se, de mais a mais, a circunstância de viver três séculos depois, é preciso suspendermos o nosso assenso relativamente à existência do conde de Bragança, D. Pelágio, enquanto por outra fonte mais autêntica não constar a sua veracidade.
Andou, pois, Pinho Leal menos avisadamente quando, dando largas à sua imaginação, escreveu a seguinte tirada, que Lopo aceitou como segura:
«A importância de Bragança não tinha diminuído no tempo dos godos e dos reis de Leão, visto que foi sempre governada por condes, pessoas das principais famílias das Espanhas, e que só aceitavam os governos de cidades grandes e de consideração.
D. Affonso III fez conde de Bragança, pelos anos de 825, o famosíssimo e esforçado cavaleiro D. Pelayo».
Para afirmar tudo isto, não há outro fundamento além do acima citado, o qual, dado mesmo que fosse verdadeiro, carecia de ser manobrado por imaginação romântica, desconveniente ao historiador, para dele extrair tais afirmações. De resto, ainda mesmo supondo que Pelágio era conde de Bragança, como é que D. Afonso III lhe daria tal dignidade em 825, se este só nasceu vinte e sete anos depois (89)?!
Da existência do conde de Bragança, D. Pelayo, dada por um Códice de Sampiro, viciado pelo bispo de Oviedo, também chamado D. Pelayo, é que quase todos os escritores portugueses, que têm tratado da nossa cidade, nos apontam tal notícia, à qual não podemos assentir enquanto não constar de outras fontes mais autênticas. Demais, alguns Códices nem sequer mencionam o tal Pelágio, conde de Bragança (90). Admira, pois, que Cristóvão Aires, aliás escritor diligente, ainda nos venha fazer menção dele no ano de 877. Questão de códices!
Não é fácil concordar os fragmentos do concílio de Lugo que adscrevem Vergância à Sé de Braga, com o dito na escritura de Astorga, onde Bregantia nos aparece como pertencendo a esta diocese. Podemos formular conjecturas sobre o modo como as coisas se passaram, mas não bastarão a dar-nos razão dos factos.
Quando os árabes se assenhorearam da península, em 711, era Félix bispo de Braga, que, juntamente com os de outras dioceses, se retirou para as Astúrias, e não há memória que vivesse outro bispo em Braga até Argomiro, pelos anos de 899, pois, embora o título não se extinguisse, os seus dignitários residiam em Oviedo. E depois, como a conquista cristã se foi operando lentamente, é natural que o bispo de Astorga, Sé que logo se restaurou, como confinante, fosse exercendo por muitos anos jurisdição espiritual sobre a região bragançana, sem que os bracarenses, por não conhecerem a área da diocese, ou por suporem que jamais dela tomariam posse, curassem em reivindicar seus direitos, de onde, apagada já a memória dos limites verdadeiros em tão grande lapso de tempo (coisa muito frequente naqueles séculos, como deixam ver os constantes litígios sobre este assunto, mesmo em períodos de relativa calmaria), se originaria o conceito de Astorga reclamar, mesmo em boa fé, um direito como tal suposto, por se basear na posse de mais de um cento de anos.
Parece-nos, porém, mais provável o seguinte: Bragança, com a região a nascente do Tuela, até entrar no Douro, pertenceu, na divisão romana, à chancelaria de Astorga, e, conseguintemente, a esta diocese devia tocar, porque estas conformavam-se com aquelas, segundo já dissemos; mas, devido a razões que ignoramos, talvez à preponderância que Braga teve enquanto foi capital dos suevos, de 420 a 585, os bispos de Braga apossaram-se dela e nunca mais a largaram, a despeito dos protestos dos seus colegas de Astorga, resoluções de concílios e régias, por isso que, quando os fragmentos do concílio de Lugo e a divisão de Wamba dizem que Vergância ou Bregância sempre pertenceu a Braga, anunciam uma verdade histórica, de facto consumada talvez há muito tempo, contra o qual protesta a Escritura de Astorga.



Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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