sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Desvirtuação do movimento, insânia da plebe na revolução de 1808

A Junta de Bragança empregou vários esforços tendentes a levar a de Moncorvo a reconhecer-lhe a supremacia, enviando-lhe para esse fim um de seus membros, que nada conseguiu além de promessas de fraternidade.
Mirandela e Alfândega da Fé aderiram à Junta de Moncorvo e todas, conjuntamente com o país revoltado ao norte do Tejo, à do Porto, incluindo a de Bragança, por acordo de 6 de Julho celebrado entre um deputado enviado por esta àquela cidade.
Desgraçadamente este nobre proceder, cheio de patriotismo, que tanto nos deve orgulhar, foi manchado por cenas de barbaridade. Em muitas partes, o povo rude e ignorante, incapaz de se elevar à compreensão do alto plano de uma bem organizada defesa, clamando tumultuariamente na inconsciente flutuação de uma exaltação imprudente, taxou de conivência com o inimigo actos de consumada prudência.
A classificação de francesismo, que as massas populares agitadas repetiam, sem se saber bem de onde partia e quais os seus fundamentos, era suficiente para ser massacrado um homem importante.
Em Bragança, o sapateiro Viseu, alcunha que lhe proveio da terra da sua naturalidade, e o taberneiro Nicolau, homens broncos, mas atrevidos, foram os chefes da onda tumultuária.
Sempre audazes aventureiros empolgam situações idênticas! Naturalmente o povo ignorante compreende-os melhor na sua indisciplina, gritando cada um o que mais pode, e deixa-se dirigir por estes tribunos de ocasião que apenas no vigor do pulmão, cinismo da intrujice e brutalidade das multidões cimentam o seu prestígio.
Sobretudo, a aura popular do taberneiro Nicolau foi enorme! Intitulava-se Loison português, simplesmente porque, como este general francês, tinha um braço aleijado. As tropas obedeciam-lhe cegamente e o povo nem pestanejava ante suas cerebrinas resoluções: aqueles que condenava à morte, na passividade de uns carneiros de Panúrgio, só pensavam em reconciliar-se com Deus, à vista de quem em breve iam comparecer.
Estes motins tiveram por causa o rebate falso da chegada dos franceses pelo lado da Espanha. O povo, amotinado, brame contra as autoridades, invade o castelo lançando mão de quanto nele encontra e pretende fazer o mesmo ao paiol da pólvora, o que não consegue graças à energia do sargento-mor da praça, António Correia de Castro Sepúlveda, filho do general.
Convoca-se uma reunião logo no mesmo dia 19 para o largo de Santo António, no intuito de conciliar e esclarecer os ânimos, mas nada se consegue; o motim toma proporções assustadoras. O povo, dominado pela vertigem da insânia, embriaguez das multidões acéfalas, invade as casas dos que se lhe antolham suspeitos, despedaçando-lhes mobílias e vidraças e arrastando-os às prisões.
Sempre em toda a parte o povo tem destes embriagamentos, em proporções de intensidade com o seu nível intelectual.
E em Bragança, então, tem-se ele manifestado por circunstâncias altamente deprimentes para a craveira da mentalidade dominante.
Hajam vista, além deste, o do Peneiro em 1856, o de 16 de Junho de 1901 contra o bispo D. José Alves de Mariz e tantos outros bem conhecidos de todos para os recordarmos.
As famílias hebreias eram as vítimas preferidas, o que mostra não ser o espírito de patriotismo, mas o de pilhagem de riquezas, geralmente mais concentradas nos representantes daquela raça, o móbil de tais excessos. A insubordinação comunica-se à tropa: cavalaria 12 revolta-se contra o seu comandante Amaro Vicente Pavão, membro da Junta, acusado de francesismo; um popular chega mesmo a disparar-lhe um bacamarte, que felizmente o não atinge devido ao sargento-mor da praça lhe ter desviado a pontaria com um safanão no braço homicida.
Este estado anárquico prosseguiu, redobrando de intensidade principalmente no dia 21, devido à concorrência de povo por ser dia de feira; mas na noite desse mesmo dia as autoridades conseguem dominar a situação: o sapateiro Viseu e o taberneiro Nicolau são presos, removidos para Chaves e dali para o Porto.
E assim terminou a insurreição sobre os criminosos, da qual se mandou proceder a uma devassa de que resultaram muitos culpados, nem por isso castigados; pois, como costuma suceder em casos idênticos, fácil lhes foi obterem indultos.
Em Vila Nova de Foz Côa, importante e rica vila na margem do Douro oposta a Moncorvo, soou tambem o mesmo grito: «Morram os franceses e os judeus que os protegem!». E, como muitos indivíduos fugidos à sanha popular se refugiassem em Moncorvo, deu isto lugar a uma luta encarniçada entre as duas vilas, maltratando-se reciprocamente.
Os de Vila Nova de Foz Côa organizaram mesmo um corpo de polícia denominado Companhia de Voluntários, para impedirem a passagem do Douro aos moncorvenses.
Esta companhia era constituída por um bando de salteadores que assolava aquela região. Felizmente, a Junta de Moncorvo conseguiu prender-lhes o chefe e logo serenou tudo, acabando assim a célebre Companhia de Voluntários de Vila Nova de Foz Côa.




Memórias Arqueológico-Históricas
do Distrito de Bragança

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