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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

... DE TRADIÇÃO EM TRADIÇÃO...

Feira de Moncorvo Louça do Felgar Junho 1949
Foto: Santos Junior
Recorda a D. Maria Antónia, que já conta 101 primaveras, os tempos onde, através da porta deste forno comunitário majestoso, eram cozidas as peças moldadas pela sua mãe, e outras louceiras a laborar neste ofício, na freguesia de Pinela. Com saudade, ainda vislumbra de madrugada o seu pai carregando a mula com pratos, panelas, cântaros, cantarinhas, púcaros e barrinhões rumo à Feira da Torre Dona Chama que dista em cerca de 46km.

A utilidade da louça era de tal ordem que, na década de 1950, encontravam-se em atividade centros oleiros nas aldeias de Vila Boa de Carçãozinho, Paredes e principalmente Pinela.  Nesta última, existiam seis louceiras (D. Maria Carolina Caravela, D. Eufêmia de Jesus, D. Laura Caravela, D. Encarnação dos Anjos, D. Felicidade Afonso e D. Maria de Cândida Afonso).  Além das lides da casa, estas Mulheres ainda regavam as suas hortas e ajudavam os seus maridos quantas vezes o fosse necessário. A olaria colmatava os poucos tempos livres, e permitia contribuir para o equilíbrio financeiro destas famílias que vendiam as suas produções nos concelhos de Bragança, Macedo de Cavaleiros, Vinhais, Vimioso e Mirandela.

Na década de 1970, o distrito de Bragança já só conta com dois centros oleiros. O primeiro no Felgar (Moncorvo) e o segundo, em Pinela (Bragança).

Em 1980, esta Tradição já só subsiste, no concelho de Bragança, através da D. Maria de Cândida Afonso conhecida como “pichorra”. O seu legado cumula agora com o de todas as louceiras, mulheres das suas casas, e Mães partidas para a Jerusalém Celeste.

Um estereótipo onde, entre a pobreza e o sacrifício, sobressaem a resistência e resiliência, aliado ao amor pela criação, pelo desejo de ser útil, e de servir destas mulheres transmontanas.

Foram com mãos duras, firmes, mas com toque macio, que se moldaram utensílios e autênticas peças de arte utilitárias. Nesse entretanto, foi com o “jeito” e paciência que estas mulheres aproveitavam para voar nos seus sonhos e mergulhavam nos seus pensamentos mais íntimos, enquanto os seus corações exprimiam, através das suas mãos, as vontades do subconsciente.

Com abril em caminho e maio a chegar, recordamos este passado com a mesma saudade que a D. Maria Antónia pois como ela, vimos a Tradição transmutar em tradição. A modernidade transformou o barro em porcelana, os carros de bois em automóveis, a produção artesanal em indústria mecanizada, automatizada e sujeita a um mercado cada vez mais globalizado e de massa.

Com abril em caminho e maio a chegar, vislumbramos a célebre Feira das Cantarinhas. Um certame secular que contribuiu e contribui, ainda hoje, para o desenvolvimento económico do Concelho de Bragança. Se outrora as louceiras escoavam nelas as suas produções para fins utilitários, assistimos hoje à transmutação desta cantarinha para um artefacto decorativo com profundo significado cultural e emocional.

A Tradição transmuta em tradição através das mãos da última oleira (D. Julieta Alves) da freguesia de Pinela que, através da sabedoria transmitida pelas suas antepassadas, mantém viva a chama das suas memórias, honrando o compromisso de perdurar a mestria deste ofício em via de extinção. Felizmente, este ano, não faltarão na feira as tradicionais cantarinhas.

Dir-me-ão que a tradição já não é o que era. Pois bem, não será preferível vê-la transmutar do que extinguir-se? - Eu prefiro.

Entendo ser dever dos Municípios, das Juntas e Uniões de Freguesias e principalmente das populações valorizar, proteger e procurar ser o recetáculo da Tradição sob pena desta sumir juntamente com as memórias dos nossos antepassados. Se uma das grandes questões existenciais assenta sobre o facto de nos questionarmos donde vimos, não descuremos o facto de sabermos quem fomos e, consequentemente, quem somos.                                            
Com abril a caminho e maio a chegar, o dia da Mãe na esquina espreita. Com ele, e para todas as Mães que, como as louceiras de outrora moldaram com Amor e educação retratada pelas suas mãos gastas, firmes mas ao mesmo tempo macias, os seus filhos. Ousemos dirigir-lhes um profundo agradecimento e reconhecimento, onde quer que estejam, pelo verdadeiro significado da palavra: Mãe.


Alex Rodrigues
in:jornalnordeste.com

Bibliografia:
- Francisco Manuel Alves – Memórias Arqueológico-históricas do distrito de Bragança, 1938.
- Belarmino Afonso – A cerâmica artesanal no distrito de Bragança, sua diversidade e extinção global, 1982.
- Artes e tradições do nordeste – Exposição (Catálogo), Mirandela, 1987.

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