O Clube de Caçadores, importante associação local, com significado social e cultural, passa por diversas vicissitudes. Perceber-se-á porque lhe damos mais atenção. Em abril de 1908, era notícia no jornal O Nordeste: "Marcha de vento em popa esta simpática agremiação há pouco fundada e admiravelmente instalada no belo edifício onde esteve por longos anos o extinto Clube Brigantino. Acresce de dia para dia o número de sócios, e projetam-se para breve algumas diversões que, pela sua novidade entre nós, hão de certamente agradar imenso".
O Clube instala-se na Casa do Arco e vai desenvolver, para além de atividades ligadas à cinegética e ao tiro, outras iniciativas e manifestações lúdicas.
Visava a defesa das espécies cinegéticas e piscícolas, pugnando pela repressão de atividades furtivas durante o defeso – que, pelos vistos, pouco se respeitava na região. Pretendia-se fazer da caça e da pesca atividades "desportivas" e lúdicas.
As festas de inauguração – com torneio de tiro aos pombos e outras diversões desportivas (de "sport") como tiro à bala na carreira de tiro e a realização de um concerto musical no salão do Clube – aconteceram a 28 de junho.
São frequentes as notícias sobre as atividades festivas do Clube. A diversão passava por iniciativas que, refletindo a ambiência civilizacional da época, visavam proporcionar encontros sentimentais: a direção convidava, com uma estranha mensagem, para a festa de inauguração, as senhoras que "não tivessem representante varão na família" e os "cavalheiros" que, porventura, "ao tempo se achassem de passagem por Bragança". No dia de Ano Novo de 1910 realizou-se uma concorrida soirée, dançando-se animadamente até às quatro horas da manhã Os torneios de tiro aos pombos – o "desporto" para o qual o clube estava mais vocacionado – proporcionavam animados convívios. Com as atividades lúdicas a crescerem, a direção manda fazer a instalação da luz de acetileno e projeta arrendar um campo para jogos de sport. Pelas notícias da época, conclui-se que a atividade do Clube de Caçadores seria mais significativa do que a do Grémio de Bragança, fundado no mesmo ano.
Mas esta instituição tinha os seus dias contados. Vai ser absorvida, por razões de ordem política, já depois do 5 de Outubro, pelo Centro Republicano. Raul Teixeira, em 5 de março de 1911, reporta a morte do Clube, com algum pesar, até porque parece não estar muito de acordo com as verdadeiras razões que levaram à sua extinção “Adeus Clube!... Lá ficou resolvido anteontem a dissolução do próspero Clube dos Caçadores. Nele se vai instalar o Centro Republicano Emídio Garcia". Faz pena ver acabar uma "casa fundada com tanto amor… e que agora entrava numa fase de acentuada prosperidade". Confessa não ter intervindo "pró ou contra" na dissolução, apesar de ser sócio fundador, "para não criar dificuldades à República… como agora é de uso dizer-se”.
A absorção pelo Centro Republicano – que era necessário criar em Bragança – teria resultado de uma manobra política das forças e autoridades republicanas. O recém-criado Centro herdava as instalações e recebia muitos dos sócios do Clube; além disso, integrava nos seus programas as atividades culturais e lúdicas que vinham sendo realizadas pela extinta instituição. A "jogada política", fruto de um plano estratégico bem gizado, ter-se-ia realizado com êxito. Para não "criar dificuldades" e para apoiar a causa da República, a direção do Clube anuiu.
Fez o "jogo" dos republicanos e muitos dos seus sócios passaram a integrar a nova associação. De um dia para o outro, a agremiação republicana absorvia uma coletividade com créditos firmados e bem implantada.
Para a reunião de 3 de março de 1911, convocada pelo Centro Republicano Emídio Garcia, fez-se constar que os sócios do Clube de Caçadores desejavam propor uma fusão com o Centro. No dia 7, juntavam-se os representantes das duas associações para lançarem as bases organizativas da nova sociedade. A Assembleia Geral do Centro reuniu no dia seguinte, "tendo votado a fusão do Centro com o antigo Clube de Caçadores". Nos finais de abril, reúne novamente a Assembleia Geral dos sócios, para eleger a Comissão Republicana distrital que deveria dar "unidade e direção aos trabalhos da política republicana do Distrito, em harmonia com a lei orgânica do Partido Republicano". Inequívocos, os intuitos políticos e propagandísticos.
O Centro Republicano "aparece na sua plenitude" em fevereiro de 1911. A Pátria Nova de 10 desse mês transcreve o "primoroso" jornal dirigido pelo exmo. ministro do Interior, a República: "Segundo resolveu a Comissão Municipal de Bragança, na sua reunião de 23 de janeiro último, o centro de propaganda eleitoral, que a mesma está organizando, denominar-se-á Centro Republicano Emídio Garcia. Assim, perpetuará o nome glorioso do ilustre filho de Bragança, que tão denodadamente trabalhou em Portugal pela ideia democrática, ora na sua cátedra de professor da Universidade, ora na imprensa e nos comícios".
A inauguração, na Casa do Arco, acontece a 18 de fevereiro. Presidiu à sessão inaugural o Governador Civil.
Intervenções do Governador, dos drs. Eduardo Faria e Martins Morgado e do tenente Honorato Morais. “Ato muito concorrido. A banda de Infantaria 10 tocou no pátio… Inaugurado o retrato de Emídio Garcia, sábio lente que tanto vulgarizou a filosofia comtista em Portugal" (Jornal de Bragança de 20 de fevereiro). Pelas informações de A Pátria Nova do dia 24, as salas da Casa do Arco estavam cheias: funcionários, oficiais da guarnição, professores, comerciantes, industriais, senhoras. O tenente Honorato de Morais leu uma biografia de Emídio Garcia.
A banda regimental executou a Portuguesa e o Hino da Maria da Fonte, na ocasião em que era descerrado o retrato. No fim da sessão, pelas 11 horas da noite, foram dadas vivas à Pátria, à República e ao Governo Provisório.
Já O Concelho de Bragança, órgão do designado “Partido Republicano Conservador Local” – dirigidos um e outro por António Cagigal –, de inspiração religiosa e que se constitui para combater os desvios dos republicanos no poder e do Governador Civil, relata no número de 5 de março de 1911, com ironia e desconfiança crítica, as festividades de inauguração. Manifestações gradas de republicanismo, salas apinhadas, mas se Emídio Garcia aparecesse ali – como Cristo a azorragar os vendilhões – poucas pessoas ficariam.
Os propósitos visados pelo Centro eram hegemónicos. Na reunião, já referida, para discutir a fusão, ficou assente que esta só se concretizaria se a agremiação republicana conservasse uma posição dominante, o que veio a acontecer. A nova sociedade, fruto da reunião dos sócios das duas casas, conservaria o nome de Centro Republicano Emídio Garcia. O Centro nasce para “coadjuvar a Comissão Republicana deste Distrito na árdua missão de auxiliar o Governo Provisório da República na consolidação do regime”.
Nos meses de abril e maio, o Centro – já com a sede na Praça Almeida Garrett – serve de palco a jornadas de grande brilho, aquando das visitas dos ministros da Guerra e do Interior. Alguma ânsia na constituição e instalação desta agremiação poder-se-ia explicar, também, pela necessidade de receber os membros do Governo, que se anunciavam, num Centro Republicano.
Vai ser grande a atividade política e associativa do Centro: cidadãos de prestígio integram a associação, que se constitui como um importante núcleo dinamizador “da vida cultural, social e artística da Cidade”. No campo das atividades lúdicas, contam-se os “saraus dramáticos”, promovidos pela boa vontade e “arte” de alguns sócios, bailes de carnaval e de fim de ano e outras festividades. Sinal dos tempos, a dinâmica instituição, com a revolução de 1926, passou a viver um período de manifesta apatia.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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