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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 8 de setembro de 2018

O LAMENTO DO POVEIRO

Por: Humberto Pinho da Silva
(colaborador do "Memórias...e outras coisas..."
Naquela luminosa e limpa manhã de Agosto, destes dias tórridos de verão, estava lendo sonetos de Florbela Espanca, na praia dos Beijinhos, na Póvoa do Varzim; quando, atónito, reparei, que era espiado, por alguém, que revirava, dissimuladamente, os olhos, sobre o jornal, que lia.
Era homem entrado em anos. Mal escavacado; magro; olhos frios e tristonhos. Nariz levemente adunco; cabelos ralos e brancos.
Encarei-o: olhos nos olhos; e sorri.
Voltou-se, afável, acercando-se; e em voz branda e velada, disse-me:
- “ Já não se lê versos de Florbela! …Nem dela, nem nenhuns… Já não há romantismo…nem gratidão!”
Murmurei, em surdina, um “ acha”, interrogativo.
Então, o homem, prosseguiu:
- “ Quando era rapazelho, cheguei a decorar versos de Florbela…Depois…emigrei. (Era moço da terra, pobre.) Deixei-me de literatice. Minha senhora, até, costumava dizer: “ Letras, são tretas…”; mas tenho pena… – Desabafou, com pontinha de tristeza, bailando nos olhos inexpressivos.
Sorri; perguntando para onde emigrara, para alimentar conversa:
- “ Para França. Empreguei-me, “atão”, como guarda numa fábrica de cerâmica. Ai conheci a “patroa”, que fazia limpezas. Casei…Alugamos modesta casita, nos subúrbios de Paris. Aforramos quanto podíamos. Graças a Deus nunca passei fome. Ajuntei pé-de-meia, e regressei. Com “francês”, da minha criação, montei casa de pasto.”
Depus o livro sobre os joelhos, e picado pela curiosidade, escutei-o atentamente.
- “ Minha esposa – continuou, – tem dedo para cozinha. Preparava, que era de ver, os pratos. Eu andava numa roda-viva: “ João!: mais cerveja; João!:café e bagaço; João!: traz-me cigarros; João, para aqui!; João para ali!…” Chegava à noite estouradinho. Até os pés formigavam!…
Leve nuvem de tristeza, anoiteceu-lhe o rosto macerado.
-” Aposentou-se? – Atalhei.
-” Canté! Começou, aqui na Póvoa, a febre da construção. Era um Deus nos acuda. Meti-me no negócio. Coisa pequena…Mas as pernas pesavam-me…Ficaram uns cepos!; e  “atão”, a mulher, coitadinha, estava chupadinha de tanto trabalhar…”
- “ Reformou-se?” – Interroguei; aguardando a continuação da história, que começara a interessar-me:
- “ Sim. Construí mansão, que se vê. Tem quatro quartos, com banheiro, completo. Um para cada filho…Mal sabia eu, que transcorrido meses, partiam cada um para seu lado. Até a princesazinha se foi! …para a terra do marido! Fiquei eu e a velha…Sempre na esperança que nos venham visitar…”
- “ “ Certamente, que sim…” – interrompi, a medo.
-”Canté! Passam meses que nem telefonam! …Andam nas lidas…Dizem que é bom ter filhos. Com filhos ou sem filhos, o destino é sempre o mesmo: ficarmos sós. Trabalhei a vida toda. Para quê?! Diga: para quê?! … A cada passo ouço: Fulano faleceu! … Sicrano - era tão bom rapaz! - lá se foi… Tinha tantos sonhos!…Mas tudo deu nisto, no que vê!… “ -  Abriu os braços, em gesto  de desanimo.
Calou-se de repente, desalentado. E ficou, de olhos vazios, mirando as ondas azuis, lambendo, suavemente, a areia morena da praia. Procurando, quiçá, na imensidão do mar, resposta para a desilusão.
E enquanto escutava o desabafo, recordava, meditando, a parábola do homem rico (Luc12:16,21): “ O campo dum homem rico tinha dado abundantes frutos… e disse à sua alma: tens muitos bens em depósito, para largos anos: descansa, come, bebe e regala-te…”
E o Homem de Nazaré, concluiu: “ Néscio!: esta noite te virão demandar a tua alma; e as coisas que ajuntaste, para quem será?”
Pergunto, agora: Para quê tantas canseiras? Tantos sofrimentos? Tantos desejos e invejas? Tanta vaidade e orgulho? Tanta ambição desmedida?! Morre o homem, nada leva… Com tão pouco se pode ser feliz! …
Chegava, abafado, com o murmúrio do mar azul, o ciciar confuso de vozes; e sobre tudo, flutuava a voz longínqua e arrastada, do vendedor da praia: “ Chora, chora, que a mamã dá! …”
Asas brancas, de brancas gaivotas, executavam graciosos arabescos, sobre a areia, pejada de gente. Depois…num voo ascendente, perderam-se, diluídas na névoa dos céus de A-Ver-o-Mar…
Silêncio…Serenidade convidativa ao repouso e à meditação.

(João, é nome fictício, para não ser fácil identificar o meu interlocutor.)

Humberto Pinho da Silva nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA. Foi redactor do jornal: “NG”. e é o coordenador do Blogue luso-brasileiro "PAZ".

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