sexta-feira, 5 de outubro de 2018

… DO SONO E DO SONHO

Por: Fernando Calado
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Noite de leituras improváveis no esquecimento das estantes que às vezes parece que falam como a gente. O livro da segunda classe… o borrão de tinta, da caneta desajeitada na carteira… acorda o poema de António Nobre:
“ O João dorme… (Ó Maria, dize àquela cotovia Que fale mais devagar: Não vá o João acordar…)”
E logo a “Apologia de Sócrates” de Platão… acorda… memórias da faculdade e da filosofia inconsequente: Sócrates… o grego… o filósofo, o condenado à morte levanta a voz : "Mas já é hora de nos retirarmos, eu, para morrer, e vós para viverdes. Entre vós e mim, quem... duas hipóteses: a da morte ser uma noite de sono sem sonhos e uma ausência de sentidos ou uma simples passagem para um outro mundo (…) Creio que, se alguém escolhesse a noite na qual tivesse dormido sem ter nenhum sonho, e comparasse essa noite às outras noites e dias de sua vida e tivesse de dizer quantos dias e noites na sua vida havia vivido melhor, e mais docemente do que naquela noite, creio que não somente qualquer indivíduo mas até um grande rei acharia fácil escolher a esse respeito, lamentando todos os outros dias e noites. Assim, se a morte é isso, eu por mim a considero um presente, porquanto, desse modo, todo o tempo se resume a uma única noite.”
Muito mais tarde Napoleão Bonaparte no ardor da batalha regressou ao grego e imortalizou a frase: “A morte é um sono sem sonhos”… acreditaram… e o império nasceu.
… a noite… longa noite… Santo Agostinho… o Santo… o poeta me reconforta paternalmente… o pecador rumo à santidade… e a morte mais que o sono sem sonhos é o poema do Santo: 
“A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho. (…) Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho…
… arrumo os livros como se não houvesse amanhã… e a dúvida continua… o martírio do filósofo…
… mas acredito!... tenho medo do frio!

Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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