quinta-feira, 4 de outubro de 2018

O 1.º de Dezembro de Bragança em 1910

Os festejos da Restauração envolvem comemorações de grande tradição, que se realizam com alguma pompa e de acordo com um programa-tipo. Assumiam um cariz patriótico e nacionalista e, para além das autoridades, envolviam as academias locais. Pretendia-se que também fosse uma festa da juventude que devia ser tocada pelo exemplo dos “valorosos” de 1640.


As festividades do 1.º de Dezembro – data que, com a República, vai ser reafirmada como um dos poucos feriados e proclamada como dia da bandeira – deviam ser agora, em tempos republicanos, levadas muito a sério.
Manifestações de "religiosidade" cívica, que se queria que substituíssem as celebrações da religião católica, deviam tornar-se mais marcantes para animar os espaços públicos e atrair espectadores participativos.
“O 1.º de Dezembro de 1910, dia de gala nacional. Ao meio-dia sai um cortejo cívico da Câmara, que percorrerá as principais ruas. Haverá, depois, uma conferência pública no Teatro Camões pelo Governador Civil (às duas da tarde). À noite, há marcha-aux flambeaux, seguida de récita de gala, promovida pelos estudantes do Liceu".
Estes programas ter-se-iam afirmado, muito provavelmente, depois do estabelecimento dos liceus, uma vez que a participação dos estudantes vai ser determinante. Em Bragança, para além da Associação Académica, dos estudantes do liceu, também existia a Sociedade dos Normalistas de Bragança.
A Comissão Municipal, "em vista dum recente decreto do Governo Provisório, tomou a iniciativa dum cortejo cívico comemorativo da independência e ainda de homenagem à bandeira da Pátria". Os funcionários, civis e militares, evidenciaram "um acrisolado patriotismo". Ninguém faltou "apesar da chuva constante". O cortejo sai ao meio dia dos Paços do Concelho e percorreu as ruas da Cidade. “Apesar do mau tempo… o cortejo decorreu com brilho".
Às duas da tarde, o Governador Civil de Bragança proferiu no Teatro "uma bela e vasta conferência política", em sessão presidida pelo cidadão Júlio Rocha. Mostrou, "numa eruditíssima digressão histórica, quanto foi perniciosa para o País a dinastia brigantina”. É dada a visão da história portuguesa consagrada pela historiografia republicana. Alguns exemplos referidos pelo repórter: o "grotesco" D. João VI e a "prostituta" Carlota Joaquina.
"Não lhe escapam as figuras ainda vivas da Monarquia", entre as quais destaca a figura "torpemente nefasta de José Luciano de Castro". Mais um ensejo para publicitar a República pela "obra de saneamento nacional" e para atrair novas adesões: o "novo regime recebe de braços abertos todos os homens honestos que venham individualmente inscrever-se nos livros de cadastro do Partido Republicano”. Mas repele a adesão dos “defraudadores dos dinheiros públicos". O último ponto abordado respeitou à matéria religiosa: é manifesta a "demonstração de tolerância do novo regímen”. Falou mais de duas horas e meia, mas "deixou em todo o auditório uma impressão excelente". Os discursos e as conferências eram, e vão continuar a ser, instrumentos (“peças”) comunicacionais e culturais muito importantes. Oradores e tribunos, que se impunham pelos seus dotes oratórios, tinham grande aceitação e gozavam de enorme projeção.
Da récita de gala, que se realizou à noite, dá-se, no periódico de 15 de dezembro, o discurso do académico que fala, essencialmente, da liberdade que trouxe 1640.
Festividades cívicas, de grande carga simbólica, em que participavam ativamente as crianças das escolas, e muito incentivadas pela ideologia republicana, como a Festa da Árvore, já se realizavam antes do 5 de Outubro e vão ser "vivificadas" com a República. O Jornal de Bragança de 23 de fevereiro de 1910 anuncia que se realizara no domingo, 20 de fevereiro, a Festa da Árvore, no salão do Grémio de Bragança.
Quando se inaugurou a Assembleia Constituinte, a 19 de junho, o Presidente Teófilo Braga decretou feriado nacional. Comboios oriundos de todo o País trouxeram povo para a grande festa em Lisboa. Em Bragança, podia ler-se na imprensa local: “Linhas de Bragança e Viseu. Serviço especial para Lisboa por motivo da abertura da Assembleia Nacional Constituinte” – bilhetes, de ida e de volta, a “preços muito reduzidos”.
A Cidade parou, porque havia sido decretado feriado. O Centro Republicano Emídio Garcia associou-se aos festejos. Realizou, para os associados e famílias, um baile “com extraordinária animação” na noite de 19, tendo as senhoras feito “uma cativante manifestação ao exmo. Governador Civil quando entrou na sala ao som da Portuguesa”.
Como se comenta, com humor, houve quem lamentasse que, em vez do baile, “se não realizasse um Te-Deum”.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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