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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Rosas azuis e passado – CONTO

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Raiava o dia, já o galo dera sinal anunciando a manhã. Estremunhado, após uma noite mal dormida, em que imagens quase de pesadelo o perturbavam, resolveu levantar-se. Abriu as portadas e piscou os olhos, forçados pelo brilho do sol que a nascente parecia como que uma visão do começo dos tempos. Colocou as mãos no parapeito e lentamente o seu cérebro deu-lhe sinal de registo de imagens nítidas da vida que as criaturas sem outros cuidados começavam de novo a viver.
A raposa regressara a casa e a passarada como que possuída de um frenesim, catava a erva que cobria o logradouro da frente da casa de campo.
Começara mais um dia em que Marcelo deveria tomar nota de tudo o que a casa continha, bem assim como perceber onde as demarcações de fora de campo haviam sido colocadas aquando da construção da casa e da demarcação de limites que os seus progenitores haviam acordado de boa fé com os vizinhos com quem a sua fazenda confrontava.
Após ter partido para a capital, para estudar, terminado o ensino primário, regressava apenas nas férias para compartir com a família alguns dias de sossego, que lhe recobravam as forças e o ânimo que a vida frenética da cidade quase lhe havia exaurido.
Agora no tempo da meia idade via-se na estranha situação de herdeiro das propriedades de família pelas quais deveria zelar no futuro. 
O falecimento da mãe, primeiro e dois anos após a do pai, fechava um tempo em que a efemeridade da vida humana dava lugar ao silêncio que entretanto tomara conta da casa e das coisas que a complementavam.
Marcelo entrou no banheiro, barbeou-se e depois do duche e de alisar o cabelo ainda farto e que se mantinha castanho conferindo-lhe um aspeto sereno de homem de condição e fortuna, dirigiu-se calmamente para o local onde usualmente os seus pais costumavam fazer a primeira refeição. A velha criada, Zulmira tinha preparado o desjejum colocando na mesa da saleta, café fresco, um pequeno jarro com leite e algumas torradas douradas feitas de pão fresco, recém cozido e que havia cortado fino e ao qual juntara barrando-a alguma manteiga feita na queijaria que a propriedade há décadas possuía e que era dos recantos da casa que mais prezava! Era homem de gostos temperados e adorava coisas simples e genuínas. Tinha cultivado ao longo de anos um gosto sóbrio e educado pelas coisas boas da vida. Comeu o pão torrado e bebeu café preto bem quente e com pouco açúcar. Não tocou no jarro do leite o que motivou a velha Zulmira a dar-lhe o conselho mil vezes repetido, o leite faz muito bem bebido de manhã, tem cálcio e é óptimo para conservar os ossos rijos e os dentes sãos! -Obrigado Zulmira, mas tu sabes que leite é coisa que nunca apreciei, o mesmo não digo do queijo do qual às vezes exagero.
Seguiu a criada falando sozinha, seu hábito antigo pois em casa nunca houvera gente suficiente para poder obter respostas convincentes que a fizessem pensar que nem sempre os seus reparos eram atendidos e respeitados. O patrão era homem sempre ocupado nas lides dos seus negócios e nos cuidados da fazenda, a patroa por sua vez era senhora de vocação contemplativa e passava o grosso do seu tempo, lendo ou escrevendo, não se dignando responder-lhe a mais das vezes que Zulmira a interpelava ou lhe dava conselhos que julgava úteis para a tirar daquela como que passividade que Zulmira achava sensato e avisado comunicar-lhe.
Amante de livros e flores a Senhora foi sempre recolhida e solitária. O patrão adorava-a mas perante uma certa passividade da esposa que ele respeitava, tomava a atitude mais cómoda e eficiente; seguia o seu instinto burguês de homem prático e não ocioso! Cuidava dos negócios, da fazenda, caçava e pescava. 
Marcelo entretanto feito homem aparecia esporadicamente e se continuava cavalheiro e gentil, não mostrava vontade ou paciência para dar atenção ao que achava serem os caprichos de Zulmira. Chegara inesperadamente o tempo de tomar posse da fazenda que na senda dos velhos códigos das famílias da província passavam de pais para filhos através de gerações. Dirigiu-se Marcelo após terminar o pequeno-almoço, ao corredor para realizar a tarefa a que se propusera e começou abrindo a porta dos vários aposentos da casa que era agora sua, pelo passamento de seu pai e mãe. Percorreu alguns onde de caderno e lápis foi registando vários aspectos da conservação e também objectos que considerou de alguma valia. Entrou então num que estando um pouco isolado ao fundo de um corredor tinha algo de inexplicável pelo aspecto sereno do espaço que antecedia a cortina que corrida preservava o quarto da curiosidade de estranhos.
Uma montanha de flores abateu-se duma estante colocada à entrada do aposento que parecia algo parado no tempo. O que viu deixou-o atónito. A cama que perfeitamente composta exalava um perfume esquisito, a mesinha redonda com um livro aberto, como que esperando a leitura da manhã e um Guarda fatos aberto com as portadas vidradas e do qual pendiam vestidos de fino corte e confecionados de linho. Numa jarra seca um ramo de rosas azuis! Quem habitou aquele quarto era alguém singular. Todo o aroma que se sentia parecia conter algo de mágico. Fazia tempo que ninguém ali entrara. Os vestidos assim o demonstravam. Cobria-os uma película de poeira fina que se entranhara até nas pregas e nos ombros daquela quase obra-prima. Eram de bom gosto e quem os usara era mulher esbelta pois o corte e a medida assim o demonstravam.
O livro era de edição antiga. Na capa podia ler-se :Poemas 1914-1919 por Horácio Tancredo continha na página aberta um poema, Tempestade, que dizia,: O vento soprou para longe a chuva/Que durante o dia ensopou a planura lisa/Contra o horizonte perdido da vista /Os alpendres tombados para trás/ E altas as montanhas se encontravam/Com as ribeiras escuras como bandeiras molhadas/Pelo furioso vento que era corrido/E húmido e quente/ como as setas disparadas /Do baixíssimo firmamento.
Que significava tudo aquilo. Um amor consumado? Ou antes os indícios de amor falhado em que alguém espera por ser amada(o) sem que o amado (a) corresponda, antes, a sua ausência mais aumente o amor que ali contido espera ardentemente pelo outro insuspeitoso de toda a sublimação que o tempo lhe confere.
Pensou na mãe, seria ela a humana presença de ambiência tão carregada de romance concretizado, ou quiçá incompreendido? Pensou no pai, seria que aquele homem prático e diligente, cavalheiro gentil, raridade nestes sítios se não apercebera do amor que pulsava fremente por aquele quarto e aquela criatura que ele adivinhou sedenta de amor e carinho?
Mas uma imagem se lhe apresentou nítida e suave de um azul aveludado que obrigava o olhar a permanecer naquele bouquê de rosas azuis que ele pensou não serem reais, mas que constatou serem-no de verdade como todos os objectos que adornavam estáticos o quarto de odor pungente.
Seguidamente veio-lhe à lembrança que cientistas japoneses e australianos, com técnicas em que usaram o DNA de outras flores haviam concretizado a criação e maturação de rosas azuis. No Japão havia até uma lenda em que a filha de um imperador amante de rosas de todas as cores tão ardentemente desejava possuí-las que se prometeu em casamento a quem lhe trouxesse e ofertasse um ramo de Rosas Azuis! Com vagar abandonou o aposento e com o pensamento ofuscado do mais pelo belíssimo ramo de Rosas Azuis pensou que para saber o que lhe era vedado saber ou entender, só contava com o poema final dos que Tancredo publicara. Que na jarra estavam as flores. Lindas, azuis, que beleza. Na mesa estava um livro com uma poesia. Faltava no entanto algo.
E sobre o piano, encontrou aquela fotografia!
O Amor que se sublimara no ambiente mágico dum quarto que foi a antecâmara do amor idealizado nas vivências de momentos que consubstanciados em desejo atingiram o paroxismo de ocultação de uma relação legítima ,mas encoberta do mundo.- Marcelo afastou-se e surpreendido pensou: A casa da qual tomei posse é símbolo do amor que me gerou ,bela no que possui de tangível e de grandeza inacessível pelo amor que comportou. As flores azuis ,Símbolo do amor para os povos do País do Sol Nascente foram também o elemento sublime de amor e entrega, em terras de Portugal.




Bragança, 09 Outubro /2018. 
A. O. dos Santos
( Bombadas)

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