Quase metade dos estudantes do Bangladesh esperados no Instituto Politécnico de Bragança (IPB) foram travados pelas dificuldades na obtenção de vistos, tendo chegado à cidade transmontana apenas dez dos 18 jovens aceites para frequentarem o Ensino Superior.
O grupo chegou no domingo, financiado pela Fundação Maria Cristina, criada há 13 anos pela portuguesa Maria da Conceição. Em poucos dias, os jovens já falam da hospitalidade das gentes de Bragança, do frio que em breve vai fazê-los usar luvas pela primeira vez, do silêncio sem o ruído constante dos "tuk-tuk" do Bangladesh, de poderem colher diretamente da árvore uma maçã oferecida.
O "sonho" está a concretizar-se para Mustofa e Ray, com quem a Lusa conversou no Politécnico de Bragança. Porém, outros colegas do Bangladesh não conseguiram a papelada necessária para a obtenção dos vistos e a Fundação Maria Cristina continua a tentar desbloquear o processo para que ainda possam frequentar um semestre neste ano letivo, segundo contou o voluntário que acompanha os jovens, Hélio Silva.
Hélio descreve este caminho como "complicado e lento", mesmo depois de obterem as cartas de aceitação de Portugal. No Bangladesh não há documento de identificação. Os cidadãos têm apenas um certificado de nascença. Os oito estudantes não conseguiram sequer a emissão de passaporte no país onde não existem consulado ou embaixada de Portugal.
O grupo que conseguiu autorização teve de viajar, a custas da fundação, para Nova Deli, na Índia, onde permaneceram alguns dias até obterem um visto indiano. Ainda sem saberem se o processo seria concluído com sucesso, tiveram de marcar viagens de ida e volta para Portugal.
Além da burocracia, Hélio Silva fala também na luta para mudar mentalidades na sociedade e nas famílias.
"Nós, europeus, quando queremos seguir os estudos, há um 'feedback' positivo das famílias e da sociedade que até nos motiva a continuar. No Bangladesh não é nada assim, as crianças estão destinadas a ir trabalhar para fábricas e as meninas a casar-se com 12, 13 anos de idade com alguém mais velho. Há ensino superior para os poucos ricos. Esta é uma oportunidade que, à partida, eles não têm lá", contou à Lusa.
Para o vice-presidente do IPB, Luís Pais, "nestes casos devia haver um cartão de visita de entrada direta", quando estão envolvidos intermediários como a Fundação Maria Cristina, sem fins lucrativos, que vive de donativos e do resultado das ações da fundadora para os estudos de 600 crianças de um bairro da lata gigante de Daca.
"Compreende-se a desconfiança perante agentes que querem fazer um negócio, mas aqui não", considerou o dirigente do politécnico.
Luís País ressalvou que, em Portugal, apesar de as respostas serem "um pouco morosas", e de a legislação dos alunos internacionais ter apenas quatro anos, está a ser feito o caminho de adaptação às novas realidades.
O politécnico de Bragança é a instituição de ensino superior portuguesa que, proporcionalmente, mais estudantes estrangeiros tem, com cerca de dois mil de 70 nacionalidades, entre os quase oito mil alunos.
Nessa comunidade já havia estudantes do Bangladesh, mas a novidade dos que agora chegaram é esta cooperação com a Fundação, que financia na totalidade os estudos dos jovens, até à conclusão da licenciatura.
O trabalho para a viagem dos estudantes está a ser desenvolvido desde março e os primeiros oitos já estão em Bragança, sendo esperados mais dois na próxima semana.
Tudo é diferente, desde o céu muito azul à gastronomia com muito menos picante que a do Bangladesh, ou ao valor dos euros com os quais compravam muitas mais coisas no país de origem, como observaram na conversa com a Lusa dois dos estudantes.
Mustofa é um jovem de 18 anos e Ray, uma das raparigas do grupo, com 17 anos.
Expressam o deslumbramento com o que viram desde a entrada no avião, à chegada ao aeroporto de Lisboa, à viagem de autocarro até Bragança, ao sossego e segurança da cidade transmontana.
Estranham o frio, mas riem com o cenário de, pela primeira vez, verem e sentirem a neve que visita amiúde a região e que conhecem apenas dos filmes de Hollywood.
Vão frequentar dois cursos que o politécnico ministra inteiramente em inglês. Ele quer ser programador informático e, quando acabar a licenciatura, regressar para ajudar o seu país a progredir.
Ela quer voltar para lutar pelos direitos das mulheres, num país que tem uma primeira-Ministra, mas onde Ray considera que ainda há muito a fazer. A prova, apontou, é o grupo do Bangladesh que chegou para estudar em Bragança: são seis rapazes e apenas duas raparigas.
Agência Lusa
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