Por último, a Junta Geral acaba a sua consulta pedindo a Vossa Majestade que se digne colocar em Bragança um corpo de Infantaria, ou Caçadores, que dê consumo aos seus muitos géneros, e que dê vida a esta terra, que tão decadente está. Há todas as razões para se atender a este justo pedido, como são: ser Bragança terra muito importante, situada na fronteira de Espanha; haver nela um grande comércio para aquele Reino, se bem que muito inferior ao que já foi; ser a sede das autoridades superiores do Distrito e das Eclesiásticas do Bispado; e além de tudo, serem os géneros baratíssimos, devendo as rações de pão ficar por preços muito inferiores aos dos outros distritos; acrescendo que tem um excelente quartel em que podem alojar-se cerca de 1 200 homens.
(Consulta da Junta Geral do Distrito de Bragança, Bragança, 1850)
Sob o ponto de vista social, os militares marcaram a sua presença nas ruas da Cidade a que davam movimento diário, nas solenidades e festividades que anualmente ocorriam, assim como nos bailes e reuniões de convívio que juntavam os oficiais das unidades militares com a elite bragançana.
A sua presença revelou-se igualmente determinante para a débil economia local de Bragança, adquirindo, por contratos ou em hasta pública, os mais diversos produtos, desde as forragens para os solípedes até à aquisição de lenha, madeiras, ferro, cal, areia, ferragens, pregos, tintas, medicamentos, marmitas, peças de vestuário e, obviamente, os produtos alimentares para o “rancho” – bacalhau, massas, feijão, grão-de-bico, batata, carne de porco, presunto, sal, café, etc. A economia era ainda potenciada pelos rendimentos obtidos por particulares que trabalhavam ou executavam serviços para as unidades militares, ou ainda, arrendavam as casas que serviam de habitação aos militares e suas famílias.
É tendo em consideração esta realidade estrutural da sua presença, que veio até ao século XX, que iremos, ao longo das próximas páginas, tratar das unidades militares que a Cidade de Bragança acolheu a partir de 1820, não só do ponto de vista orgânico e institucional, mas também da relação dos militares com a sociedade bragançana e com as entidades públicas da Cidade, procurando ainda perceber como evoluiu ao longo dos anos e como se desenrolava o quotidiano das unidades ali aquarteladas.
Uma vez jugulado o levantamento militar do Porto, o Rei D. Miguel, por decreto de 9 de julho de 1828, vai restaurar o regimento de Infantaria n.º 24, em Bragança, uma vez que, “como comandante em chefe do Exército, determina que todos os oficiais, oficiais inferiores, cabos de esquadra, anspeçadas, soldados, tambores, emais praças regressadas de Espanha, e que pertencem aos regimentos de Infantaria n.º 11, 14, 17, e 24, batalhão de Caçadores n.º 4, e regimento de Cavalaria n.º 2, se reúnam aos pontos aonde eram seus antigos quartéis permanentes”.
Por decreto de 9 de julho de 1829, D. Miguel identificou as unidades pelas localidades onde se aquartelavam.
Assim, o regimento de Infantaria n.º 24 passou a designar-se regimento de Infantaria de Bragança, sendo extinto o regimento de Cavalaria n.º 12, o qual passou a regimento de Cavalaria de Chaves.
A 19 de dezembro de 1829, a Câmara Municipal de Bragança, tendo em consideração a saída do regimento de Cavalaria n.º 12, deliberou que a feira do dia 21 de cada mês passasse a ser realizada na Praça das Eiras, a revelar que era naquele local que se aquartelava aquela unidade, pois afirma-se que o Barracão das Eiras do Colégio estava, após a saída do dito regimento, convertido em “assento” e o Campo das Eiras desocupado: “por conseguinte, o mercado muito incomoda para os que vendem, para os que compram… convindo por isso muito que parte da feira, pelo menos, se mude da Praça do Colégio para o Campo das Eiras”.
Por decreto de 15 de abril de 1831, foram designados os quartéis para cada unidade, de modo que o quartel do regimento de Infantaria de Bragança passou, oficialmente, a ser nesta Cidade, embora tal já acontecesse desde julho de 1829, aquando da atribuição da nova denominação.
Por decreto de 20 de fevereiro de 1834, a unidade sediada em Bragança denomina-se, novamente, regimento de Infantaria n.º 24 e o regimento de Cavalaria n.º 12, que se encontrava em Chaves, regressa à Cidade. Todavia, a Convenção de Évora-Monte, a 26 de maio de 1834, extinguiu todas as unidades que apoiaram D. Miguel, de modo que esta unidade aquartelada em Bragança foi extinta.
Por decreto de 13 de março de 1835, publicou-se a “Tabela das localidades dos quartéis permanentes que devem ter os diferentes corpos do Exército”, da qual consta Bragança como quartel permanente do regimento de Infantaria n.º 12.
Em 1837, o Exército foi alvo de nova reorganização, extinguindo-se o lugar de governador de armas e criando-se o de comandante de divisão. Bragança passou a fazer parte da 5.ª divisão militar. Obtém o regimento de Cavalaria n.º 7, mas perdeu o regimento de Infantaria n.º 12, tendo como “fiel depositário” o batalhão de Infantaria n.º 16, instalado em Abrantes. A nova unidade de Cavalaria instalada em Bragança teria cerca de 460 homens efetivos e 390 cavalos. O seu uniforme registava gola encarnada e forro branco.
Por decreto de 26 de outubro de 1840, Bragança vai manter o regimento de Cavalaria n.º 7 e receber ainda o batalhão de Caçadores n.º 3.
Em 1843, por portaria de 8 de agosto, o Ministério da Guerra entregou à Câmara Municipal de Bragança o edifício denominado “Barracão das Eiras” para ser destinado ao aboletamento das tropas, ficando o Município encarregue pela conservação do respetivo equipamento, regressando à tutela do Ministério da Guerra caso o Município não cumprisse esta obrigação.
Para dar cumprimento a esta portaria, em 6 de setembro de 1843 reuniu-se uma comissão, com o objetivo de recuperar o Barracão das Eiras, a fim de nele se estabelecer uma hospedaria militar. A comissão entendia, além disso, que o Barracão tinha capacidade para a construção de um teatro e, por ser muito “da vontade das autoridades e habitantes desta Cidade”, para na frente do mesmo se estabelecer uma arcada destinada à venda do pão “que concorrer ao mercado”. Propôs, igualmente, que, por cada carga de pão vendida, se pagasse uma certa contribuição, a qual se destinava a financiar a dita construção. Com a venda do terreno do Cano do Vale de Ovelhas e a contribuição referida, poder-se-ia garantir o dinheiro necessário para as obras a realizar.
Esta comissão propôs a criação de uma outra, composta por António Lobo da Silva, António Ferreira Pinto, António José Teixeira, António Ledesma e Castro e Jacinto José de Sá Lima, para solicitar ao Governador Civil a sua proteção e coadjuvação quanto às obras a efetuar.
Reunida a Câmara e Conselho Municipal a 8 de setembro do mesmo ano, foram aprovados “os riscos desenhados” por Macedo Pinto, bem como os meios apresentados para fazer face à despesa, sendo necessário, antes de tudo, proceder-se à venda do terreno já referido, e, caso não fosse suficiente, à venda de outros baldios, e como último meio, recorrer a uma contribuição direta. No mesmo dia, a Câmara deliberou que, do documento a enviar ao Governo, se acrescentasse que, tendo o Barracão capacidade suficiente, fosse também aí instalada a Casa da Câmara.
Em 29 de junho de 1845, deliberou a Câmara Municipal quanto à conveniência de estabelecer um imposto sobre a carne e que a receita obtida fosse gasta exclusivamente para iniciar a construção da Casa da Câmara no dito Barracão, como estava projetado.
Em sessão de 29 de outubro de 1848, foi apresentado um requerimento do Administrador do Concelho, onde este ponderava “o estado de miséria a que se se achava reduzido a maior parte dos habitantes da Cidade, e quanto estavam sendo vexados com o aquartelamento de tropa que afluía de diferentes pontos da Província e Reino, e que para pôr termo a este mal conviria que a Câmara adotasse uma medida com a qual se satisfizesse a este ramo de serviço”.
O assunto foi novamente discutido na sessão de 12 de novembro de 1848, deliberando-se que se inscrevesse no orçamento a verba de 230 000 réis para a despesa a efetuar com a “aposentadoria militar”, da qual 60 000 réis seriam para comprar camas e objetos do quartel. A 14 de fevereiro de 1850, foi votada no orçamento municipal a quantia de 80 000 réis para uma calçada a executar na travessa que ia do rio ao Loreto, uma vez que essa verba tinha sido usada para o conserto de uma parte do Barracão das Eiras, a funcionar como Hospedaria Militar.
A 13 de fevereiro de 1851, a Câmara Municipal deliberou fazer uma representação ao Governo em que revelava “o definhamento e a penúria em que este Concelho e a par dele o Distrito vai submergindo-se pela falta de um corpo de Infantaria nesta Cidade”. No ano seguinte, a Junta Geral do Distrito vai reforçar este pedido, solicitando ao Governo “que se digne colocar em Bragança um corpo de Infantaria ou Caçadores que dê consumo aos seus muito géneros, e que dê vida a esta terra, que tão decadente está”. Segundo este órgão distrital, havia todas as razões para se atender a este “justo pedido”: por estar Bragança, “terra muito importante”, situada junta da fronteira com Espanha; por existir nela “um grande comércio para aquele Reino”, se bem que muito inferior ao que já tinha sido; ser sede de Distrito e de bispado; serem os “géneros baratíssimos, devendo as rações de pão ficar por preços muito inferiores aos dos outros distritos”; e finalmente, por ter um excelente quartel em que podiam alojar-se 1 200 homens.
A 31 de março de 1853, a Câmara de Bragança manifestou-se contra o prejuízo que ocorria para o Município no cumprimento do acórdão de 12 de novembro de 1848, e que estabelecia o pagamento de 480 réis diários a cada oficial militar que viesse em diligência à Cidade, para evitar o vexame dos alojamentos em casas particulares, pois existiam abusos por parte dos oficiais que permaneciam por um tempo mais longo na Cidade. Assim deliberou-se que “aos oficiais que se acham, ou vierem a ser destacados com prazos fixos, que não tivessem casa própria nesta Cidade, se daria ao estalajadeiro, em compensação do sal, lenha, cama, luz, e água… a quantia de cem réis diários”. E aos que viessem acidentalmente em diligência de serviço, se lhes daria 480 réis diários no caso de não ser a demora mais de três dias. Excedendo este prazo, o oficial passaria a receber 100 réis por dia, ou caso o mesmo preferisse receber a agenda de curso uma só uma vez, 1 440 réis.
A 27 de abril de 1855, uma representação da Câmara de Bragança solicitou ao Governo a conservação do batalhão de Caçadores n.º 3 na Cidade, “por ser tão necessária como urgente”, a qual foi atendida. Este pedido foi novamente efetuado em 26 de setembro de 1865, mas desta vez em favor do regimento de Cavalaria n.º 7. Três anos mais tarde, por decreto de 10 de dezembro de 1868, este regimento foi extinto.
Em sessão de 17 de dezembro de 1868, a Câmara de Bragança pediu ao Governo que, em compensação da saída do regimento de Cavalaria n.º 7, mandasse colocar na Cidade um novo corpo, ou pelo menos, um forte destacamento da mesma arma.
Em julho de 1869, já se encontrava na Cidade um esquadrão da Cavalaria n.º 6. Prova disso é a relação apresentada pelo Administrador do Concelho quanto aos oficiais e mais praças daquele corpo militar, a fim de a Câmara lhes conceder o respetivo subsídio. Neste contexto, a 4 de janeiro de 1870, o quartel-general solicitou à Câmara que mandasse mobilar a secretaria do extinto regimento de Cavalaria n.º 7, de modo a servir de alojamento aos oficiais do destacamento que então já se encontrava estacionado na Cidade. A Câmara recusou, baseando-se no Código Administrativo, que determinava ser da responsabilidade do Ministério da Guerra o alojamento dos militares nas cidades onde existissem quartéis.
A 1 de fevereiro de 1871, a Câmara deliberou solicitar ao Governo e ao Ministério da Guerra um corpo de Cavalaria. A resposta por parte do Ministério foi transmitida em ofício de 25 de fevereiro do mesmo ano, referindo que de momento não era possível satisfazer esse pedido. Mas, em 1873, deu entrada em Bragança o regimento de Cavalaria n.º 7, a substituir o esquadrão de Cavalaria referido, o que levou a Câmara, em sessão de 7 de maio desse ano, a propor a realização de um estudo para melhorar a estrada que ligava a Cidade ao Forte, até por ser uma prova de gratidão pelo “benefício que resulta da permanência nesta Cidade do regimento de Cavalaria que brevemente se espera”.
Em 1884, o País assistiu a uma nova reorganização do Exército. Fontes Pereira de Melo aumentou os efetivos, face à necessidade de defesa das fronteiras. Assim, o batalhão de Caçadores n.º 3 passou a regimento de Caçadores n.º 3 e Bragança a integrar a 3.ª divisão militar, com sede no Porto.
A 21 de maio de 1893, a Gazeta de Bragança noticiou que o regimento de Cavalaria n.º 7 estava há mais de um ano em “letargia”, devido à falta de soldados e cavalos, que se achavam, quase na totalidade, destacados no Porto.
E logo no ano seguinte, em fevereiro de 1894, surgiram boatos da saída, ou do regimento de Caçadores n.º 3 ou do regimento de Cavalaria n.º 7, a transferir para o Porto.
O ano de 1893 ficou também marcado por uma querela que opôs o periódico O Nordeste aos oficiais de Caçadores n.º 3. Estes serviram-se da Gazeta de Bragança para responder, entendendo que não podiam considerar aquele jornal como “sério”, uma vez que os seus redatores eram “dominados por um facciosismo político que toca as raias da ferocidade… nas suas inconvenientes arremetidas jornalísticas”.
Desfile de Tropas em Bragança |
As campanhas militares em África vão obrigar, entretanto, à participação das unidades militares de Bragança nas mesmas. Em abril de 1895, partiu uma companhia do 2.º regimento de Caçadores n.º 3 para Lourenço Marques, e outras se seguiriam. A Gazeta de Bragança, na sua edição de 24 de novembro de 1895, em primeira página, registava a propósito da vitória das forças portuguesas sobre Gungunhana: “Vivam os expedicionários de Lourenço Marques! Viva Caçadores n.º 3!”. A Câmara de Bragança felicitou o Rei, o Presidente do Conselho de Ministros e o ministro da Guerra “pela gloriosa e completa vitória” que as tropas portuguesas tinham alcançado em Chaimite.
Em 1899, na sequência da reorganização do Exército, o decreto de 14 de setembro extinguiu o regimento de Cavalaria n.º 7, aquartelado em Bragança, criou o regimento de Infantaria n.º 10, fiel depositário do anterior regimento de Caçadores n.º 3, e atribuiu a Bragança, agora pertencente à 2.ª divisão militar, com sede em Viseu, o 3.º e 4.º esquadrões do regimento de Cavalaria n.º 6.
Em 1901, a 10 de março, noticiou-se a apresentação de uma nova reforma do Exército aos deputados e as “campainhas de alarme” soaram novamente pela Cidade. Às unidades de Cavalaria, em caso de guerra, cabia o serviço de vigilância das fronteiras e o estabelecimento do primeiro contacto com o inimigo. Por isso, deveriam ficar sedeadas na raia. Em dezembro, recebeu-se a notícia da manutenção em Bragança dos dois esquadrões do regimento de Cavalaria n.º 6 e a instalação dos 3.º e 4.º do regimento de Cavalaria n.º 9; no Porto, ficaram aquartelados os 1.º e 2.º esquadrões.
Alameda do Quartel de Infantaria 10 |
O regimento de Infantaria n.º 10, com esta reorganização, mantém dois dos seus batalhões em Bragança, e desloca um outro para Mirandela. Apesar disso, a Câmara Municipal vai reclamar a instalação de mais militares na urbe, pela dinamização económica que os mesmos traziam à Cidade. Em sessão de 19 de janeiro de 1905, a autarquia deliberou “representar aos altos poderes do Estado sobre a conveniência que há para esta Cidade e região do restabelecimento completo de um regimento de Cavalaria, por isso que, possuindo Bragança um ótimo aquartelamento e o Concelho forragens adequadas para a sua manutenção, deve tal medida ser de vantagem tanto para o Estado como para os povos do Concelho, que melhor poderão fornecer aqueles géneros, no que vai nisso a sua prosperidade e bem-estar relativos”.
O regimento de Infantaria n.º 10 encontrava-se instalado nos quartéis na cidadela, que necessitavam de obras urgentes, o que permitiu, com a execução das mesmas, instalar os serviços militares que se encontravam em casas próximas do aquartelamento, pelas quais o Ministério da Guerra pagava renda.
Dez anos depois, em 1911, a Cidade viu partir as unidades de Cavalaria – o regimento de Cavalaria n.º 6 foi concentrado em Chaves e o regimento de Cavalaria n.º 9 no Porto. A partida foi motivada por uma nova reorganização do Exército, decretada a 25 de maio, e que resultou da preocupação da República Portuguesa em modificar e atualizar “as instituições militares, de forma a integrá-las completamente na obra da República, que é a grande obra da Pátria”.
Na sequência desta reestruturação, Bragança recebeu o grupo de Metralhadoras n.º 6. Este ficou sediado no rés-do-chão das antigas instalações do Colégio dos Jesuítas, que começou a partilhar com os alunos do Liceu – o que causou protestos diversos do reitor daquela instituição de ensino, mormente pelo facto de o recreio dos alunos servir também de passagem aos soldados e pelo cheiro exalado dos cavalos. Este inconveniente só terminou em 1926, com a extinção dessa unidade.
Também nesse ano, o regimento de Infantaria n.º 30 foi instalado no Forte de São João de Deus, motivando que aquele se passasse a denominar “Trinta”. Ainda nesse ano, colocou-se a possibilidade de saída da Cidade de um contingente de recrutas que receberia instrução no regimento de Infantaria n.º 30, o que poderia significar o fim deste, a curto prazo. Imediatamente, todos se uniram em volta desta questão e, em sessão ordinária da Comissão Municipal, de 7 de dezembro de 1911, propôs-se que se telegrafasse ao ministro da Guerra para este ter em consideração os extensos prejuízos que tal extinção significaria para o Concelho, pois o Seminário da Diocese de Bragança já tinha sido extinto, bem como a Escola de Habilitação para o Magistério, e transferidos os esquadrões de Cavalaria aquartelados na Cidade.
Ao mesmo tempo, argumentava-se também que a Cidade possuía dois quartéis amplos com o equipamento necessário e o material de guerra suficiente para receber os novos recrutas nos períodos de formação correspondentes.
Acrescia o facto de o quartel de Infantaria n.º 30 possuir um excelente campo de instrução e carreira de tiro e os edifícios do antigo Seminário e Paço Episcopal se encontrarem vagos, podendo ser aproveitados para os contingentes de instrução militar.
Foi deliberado, ainda enviar um telegrama ao ministro da Guerra com o seguinte texto: “Comissão Municipal Bragança pede permanência aqui sede dois regimentos, havendo toda vantagem receber aqui contingentes instrução. Bragança tem quartéis suficientes para receber todos recrutas distribuídos aos dois regimentos próximo ano. Regimento trinta está prevenido com material e quase todo mobiliário havendo excelente campo exercícios. Há economia fazenda pública, juntamente com interesse desta desprotegida região. Além quartéis há mais edifícios públicos adaptáveis como Seminário: Bragança, 8 de dezembro de 1911”.
O chefe de gabinete do ministro da Guerra respondeu em telegrama à Comissão Administrativa dizendo que o ministro o encarregara de informar “que em Bragança recrutam este contingente regimento de Infantaria 10 e 30, ponderando porém que sede Infantaria 30 é Alijó, onde deverá ser colocado logo que haja quartel como manda organização”.
Quartel de Infantaria nº30 |
A participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) vai obrigar a um recrutamento amplo de soldados e oficiais, que tomariam parte nos campos de batalha da Europa a partir de 1916 (CEP – Corpo Expedicionário Português e CAPI – Corpo de Artilharia Pesada Independente) e em África, na defesa das colónias de Angola e Moçambique.
Nesses anos, Portugal atravessou um período conturbado, com grande agitação social e revoltas militares, como a que aconteceu em 14 de maio de 1915, que terminou com a ditadura de Pimenta de Castro, instalada em janeiro desse ano, levando a que as unidades militares de Bragança entrassem de prevenção numerosas vezes.
Instalou-se, por isso, na Cidade brigantina um piquete de vigia, facto que contribuiu para o desenrolar de um episódio caricato relatado em O Transmontano de 12 de setembro de 1915. Existindo um banco junto de um posto de sentinela de um dos quartéis onde alguns homens costumavam descansar após um dia de trabalho, tal foi-lhes proibido.
Questionado do porquê desta decisão, a sentinela não soube responder, tal como os oficiais de patente superior. Por último, um oficial, após consultar os regulamentos, informou que tal decisão se baseava numa ordem regimental de há dez anos, que proibia a presença de civis no local… por o banco estar pintado de fresco!
Episódios caricatos à parte, Bragança viu partir os “seus soldados” para cumprirem o seu dever. Em 2 de junho de 1916, o 6.º grupo de Metralhadoras abandonou a Cidade com destino a Tancos, preparando-se para integrar as forças expedicionárias.
O Trasmontano de 4 de junho de 1916 noticia a partida de soldados aquartelados em Bragança, para Tancos, para integrarem o CEP |
Em outubro do mesmo ano, foi a vez do batalhão de Infantaria n.º 10 iniciar a sua preparação em Tancos e de o regimento de Infantaria n.º 30 partir para a África Oriental, onde o Exército português se batia com tropas alemãs.
No ano seguinte, em abril, no quartel do regimento de Infantaria n.º 30, formou o batalhão do Corpo Expedicionário de Infantaria n.º 10 com destino a França. Perante as quatro companhias que o tinham constituído, procedeu-se à habitual alocução.
“Neste momento solene em que, no cumprimento do dever, ides partir para França a lutar pela defesa do direito e da liberdade, crede, soldados, que… é com bastante pesar que deixo o vosso comando, certo de que em breve regressareis cobertos de glória à vossa terra, ao seio da vossa família, com a satisfação do dever cumprido, e depois de terdes mostrado ao mundo inteiro o quanto valem os soldados de Portugal”.
A partida foi igualmente emotiva. O embarque procedeu-se em dois comboios e contou com milhares de pessoas, muitos familiares dos soldados que abalavam e que se deslocaram à Cidade para a partida, e que em lágrimas, acenando com lenços brancos, incessantemente davam vivas ao Exército, à Pátria, às Nações Aliadas.
Terminado em 1918 o horror da Grande Guerra, durante a qual milhares de soldados portugueses perderiam a vida, a 19 de janeiro de 1919, estabeleceu-se no Porto a Monarquia do Norte, e Bragança também caiu na mão dos realistas, contando com a cumplicidade dos dois regimentos da Cidade – antes, já se vivia em Bragança um clima de perseguição aos republicanos, mesmo dentro da guarnição militar, sendo afastados aqueles que revelavam as suas convicções políticas republicanas.
No dia 21 de janeiro foi instaurada a Monarquia em Bragança e as unidades militares da Cidade, apesar de não desistirem da oposição, integraram o cortejo que dava “vivas” a D. Manuel II. Mas o 6.º grupo de Metralhadoras, no dia 23, foi obrigado a recolher-se ao regimento de Infantaria n.º 10, por ser manifestamente republicano. E, nesse mesmo dia à noite, a revolta republicana aconteceu, tendo início no quartel do regimento de Infantaria n.º 10, que ocupou a Cidade, praticamente sem resistência, com o apoio de alguns civis, nomeadamente do Grupo Republicano Académico, assim restaurando a República em Bragança, a 23 de janeiro de 1919.
Quando se iniciou a Ditadura militar, na sequência da revolução de 28 de Maio de 1926, Bragança tinha uma guarnição militar constituída pelos regimentos de Infantaria n.º 10 e n.º 30 e pelo 6.º grupo de Metralhadoras, além da Guarda Republicana, Guarda Fiscal e Polícia. Muitos dos seus oficiais vão assumir cargos importantes nos destinos da urbe, como se verifica pelos elementos que compuseram a Comissão Administrativa da Câmara de Bragança e pelo Governador Civil então nomeado.
A 21 de agosto de 1926, foi decretada uma nova reorganização do Exército, que muito penalizou a Cidade.
O regimento de Infantaria n.º 10 vai manter-se, mas o regimento de Infantaria n.º 30, assim como o grupo de Metralhadoras n.º 6, são extintos. Salvaguardada ficava a possibilidade de se continuar a ouvir na Cidade a banda do regimento de Infantaria n.º 10, pois para todos os regimentos de Infantaria foi decretada a existência de uma banda de música.
Em sessão de 1 de novembro de 1926, o presidente da Agência da Liga dos Combatentes da Grande Guerra pediu à Comissão Administrativa da Câmara que atribuísse a uma rua o nome de Rua dos Combatentes da Grande Guerra. A justificação prendia-se, precisamente, com o facto de Bragança ter albergado três unidades que participaram na Primeira Grande Guerra. Na sequência desta solicitação, a Rua Direita passou a designar-se por Rua dos Combatentes da Grande Guerra.
Em sessão de 26 de julho de 1928, a Câmara, “interpretando o sentir da Cidade e dos povos do Distrito, declara optar pela manutenção do regimento de Infantaria n.º 10 em Bragança”, tendo em atenção a notícia de que o batalhão de Caçadores n.º 3 estaria de regresso à Cidade, em substituição do regimento de Infantaria n.º 10.
A Câmara Municipal rejeitou tal sugestão, considerando que a mesma “só seria aceitável e muito para respeitar quando feita pelo povo brigantino – o grande juiz na apreciação da história militar do antigo batalhão de Caçadores 3 e também dos feitos brilhantes e recentes dum batalhão do atual regimento de Infantaria 10 nos campos da Flandres; considerando que em tal matéria de apreciação, o povo brigantino, consultado a optar por uma ou outra unidade, responderia que os netos do antigo batalhão de Caçadores 3 se bateram também pela Pátria nos campos da Flandres e nesses campos conquistaram uma medalha para o seu regimento, justo seria uni-los na mesma guarnição e que não podendo ser, ficasse o que está”.
Entretanto, a 14 de janeiro de 1929, fruto da determinação do coronel António José Teixeira, foi criado o Museu Militar de Bragança, que ficou instalado na torre de menagem do castelo.
Planta do Projeto do Novo Quartel B. C. N.º 3, 1966 |
As previsões da saída do regimento de Infantaria n.º 10 acabaram por se concretizar e em 1939, por decreto n.º 29 957, de 31 de dezembro, a Cidade recebeu o batalhão de Caçadores n.º 10, especialmente organizado para operações de montanha.
Em 1943, pelo decreto n.º 32 859, o batalhão ali aquartelado passou a n.º 3, considerando “que o batalhão de Caçadores n.º 3 tem honrosas tradições ligadas à Cidade de Bragança, onde esteve aquartelado desde 1839 e de onde partiu para as campanhas da ocupação colonial do final do século XIX”. E, pela portaria 10 480, de 4 de setembro desse ano, o batalhão foi autorizado a usar as legendas e divisas de honra da unidade de que é proveniente: Valor e Lealdade.
Em 1948, regressaram à Cidade 202 soldados da Companhia Expedicionária que se encontravam em Macau há 26 meses, tendo a população brigantina acorrido a recebê-los, com grande entusiasmo, acompanhada pela banda dos Bombeiros e dos Zíngaros.
Em 1955, iniciaram-se as obras de reparação do quartel do batalhão de Caçadores n.º 3, situado no castelo, uma vez que não se encontrava nas melhores condições – obras de conservação que irão continuar até 1958.
E também nesse ano, Bragança assistiu à partida para a Índia de uma companhia de soldados do “glorioso BC3”.
O dia anterior foi de festa, com a Câmara Municipal a entregar um guião à Companhia Expedicionária, todo ele confecionado por senhoras de Bragança.
Em 1958, começou a abordar-se a possibilidade de o único batalhão aquartelado na Cidade sair e todo o recheio militar ser retirado para Lisboa. Em janeiro de 1960, várias instituições escreveram ao Governador Civil para evitar a saída definitiva da unidade militar. Tal não impediu que as instalações militares fossem demolidas, emitindo a comissão liquidatária um aviso para que os oficiais, sargentos e praças do Batalhão passassem a tratar dos assuntos militares em Vila Real.
Plano piloto para a implantação de um novo aquartelamento em Bragança |
Mensageiro de Bragança, de 2 de setembro de 1966 saúda o regresso do batalhão de Caçadores n.º 3 à Cidade |
Bragança, porém, continuou a desenvolver esforços no sentido de ser instalada uma nova unidade militar na Cidade. A Câmara Municipal, em janeiro de 1964, enviou um ofício ao ministro da Guerra, solicitando novamente a instalação de uma unidade militar na Cidade: “a perda do batalhão de Caçadores 3 foi o mais duro golpe que esta Cidade sofreu… Durante o ano em curso, têm lugar as comemorações do V Centenário… Além dos atos e solenidade que se preveem, a instalação de uma unidade militar seria o acontecimento de maior interesse para este Distrito, que se encontra militarmente abandonado… Interpretando o sentir de toda a população, não posso deixar ainda de afirmar a vossa excelência que, se lhe for consentido, cada habitante auxiliará com um dia de trabalho; porque todos, numa só voz, pedem o restabelecimento da sua tão querida e gloriosa unidade militar. Adriano Augusto Pires”.
Um ano depois, em janeiro de 1965, a Câmara brigantina dirigiu-se novamente ao ministro do Exército: “as tradições militares desta região e a recordação dos feitos gloriosos das campanhas levadas a efeito, não se perderam contudo no espírito dos brigantinos, que continuam a ver no regresso da sua unidade o expoente máximo das suas aspirações e anseios…É tal o interesse que os habitantes deste Concelho têm na reinstalação de uma unidade militar em Bragança, que dariam tudo que lhes fosse exigido, por maiores e mais duros que fossem os sacrifícios”.
Em 20 de março de 1965, chegou a resposta esperada. O coronel de engenharia, João de Magalhães Figueiredo, deu conhecimento ao Presidente da Câmara do despacho do ministro da Guerra, Luz Cunha, que aprovava a construção de um novo aquartelamento em Bragança, nos terrenos do antigo Forte de São João de Deus.
Uma das condições exigidas era a posse, pelo Ministério do Exército, de um terreno destinado a bairro residencial, casas de oficiais e sargentos. O arquiteto Viana de Lima entregou, no dia 21 de maio, na repartição da Direção de Serviço de Fortificações e Obras Militares, um extrato do plano piloto com a implantação do estudo feito para um novo aquartelamento.
Batalhão de Caçadores n.º 3 dando entrada em Bragança, a 28 de agosto de 1966 |
No dia 28 de agosto de 1966 entrou, finalmente, em Bragança, o batalhão de Caçadores n.º 3, enquanto as obras de construção continuaram até 1970 – caserna para duas companhias, edifício da delegação de manutenção militar, dois “paiolins” cobertos para instrução, arrecadações, parques e oficinas e edifício de comando. Estavam previstas outras construções, como um bloco para oficiais, que não se concretizaram.
O Boletim Amigos de Bragança descreveu a chegada apoteótica, com as janelas da Cidade engalanada “donde mãos senhoris lançavam, durante o desfile, em ar de saudação, papéis com as cores nacionais e municipais em substituição das pétalas de flores”.
O Mensageiro de Bragança lamenta o abandono do Quartel da Cidade pelo Exército |
Várias instituições e a Câmara, em sessão de 24 de fevereiro de 1978, enviaram um telegrama ao Governo lamentando a decisão. Nada se alterou, porém, de tal modo que, em 1979, o quartel do Forte de São João de Deus encontrava-se já em total abandono. Porventura como compensação, a 22 de agosto de 1983, o Museu Militar regressou a Bragança, novamente instalado na torre de menagem do Castelo.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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