Converte-se a vida humana numa peça industrial descartável, cujo prazo de validade se encurta sucessivamente, atirando-se as pessoas para o ferro velho, como se se tratassem de lixo não reciclável.
Para aqueles com mais de 50 anos que (ainda) trabalham, o país está dividido em dois polos que refletem estados de espírito distintos. Quem trabalha no sector privado vive atormentado com o fantasma das reestruturações das empresas (leia-se despedimentos), cada vez mais frequentes e imprevisíveis. Por sua vez, aqueles que trabalham no sector público vivem impacientes com a contagem do tempo para alcançarem a reforma. Se no primeiro caso prevalece o medo e a insegurança, no segundo predomina a ansiedade e o desejo de descanso. De qualquer modo, ambas situações são negativas para o país porque têm um efeito desmoralizador e afetam gravemente a produtividade.
Esta situação torna-se ainda mais grave quando um dos nossos maiores problemas está relacionado precisamente com a baixa produtividade. Neste contexto, o ambiente psicológico em que se trabalha é muito importante. Infelizmente, quer no sector público quer no privado, o ambiente laboral está cada vez pior. Hoje em dia uma pessoa com mais de 50 anos, que seja despedida, sabe de antemão que será muito difícil voltar a conseguir encontrar emprego, pois as empresas valorizam cada vez menos a experiência profissional e a maturidade, preferindo contratar jovens com salários mais baixos. Os funcionários públicos, que tiveram as carreiras congeladas durante largos anos, sem qualquer diferenciação salarial pelo mérito e esforço pessoal, vão fazendo uma peregrinação profissional dolorosa pelas instituições públicas, na expectativa de alcançarem a sua pequena fatia de justiça laboral: a reforma.
Estes dois cenários reais são profundamente doentios e nocivos. Revelam um país derrotado, de braços caídos, e sem ânimo. O país não progride economicamente, nem tão-pouco se transforma num bom lugar para se viver com este ambiente social que só traz consigo doenças psiquiátricas; isto poderá explicar, pelo menos em parte, porque motivo o consumo de psicofármacos continua a aumentar entre nós.
Não é bom para a saúde mental de uma pessoa, após o infortúnio de ter caído nas malhas do despedimento, ser praticamente impedida, pelo critério da idade, de voltar a ter um papel útil e produtivo na sociedade. Esta situação para além de configurar uma humilhação, traz consigo enormes problemas financeiros e familiares.
Não é bom para a saúde mental de um país ter um exército de funcionários públicos vencidos, sem ânimo, desconsiderados e sem conseguirem produzir mais por falta de condições ou por ausência de estímulos. O ambiente na função pública é estranho e sombrio. Cresce o número de funcionários públicos que, numa ruminação obsessiva, procedem à contagem decrescente dos dias que faltam para a reforma, aguardando o término da sua sentença.
Não é bom para a saúde mental dos nossos jovens, viverem num ambiente familiar em que os pais estão deprimidos, ansiosos, angustiados com o futuro, sem esperança e impotentes pela instabilidade no trabalho. Viver com pais infelizes e frustrados configura um ambiente corrosivo, podendo conduzir a um maior insucesso escolar e a um enfraquecimento da célula familiar que é a base da sociedade.
Se hoje é difícil alguém com mais de 50 anos encontrar uma vaga no mercado de trabalho, é provável que em breve esta situação se agrave, e passe também a afetar aqueles que têm mais de 40 anos. Está em curso um processo de desumanização do trabalho, e os limites para se classificar uma pessoa como “profissionalmente inútil” alargam-se cada vez mais. Converte-se, deste modo, a vida humana numa peça industrial descartável, cujo prazo de validade se encurta sucessivamente, atirando-se as pessoas para o ferro velho, como se se tratassem de lixo não reciclável.
Lamentavelmente, se nada for feito, este é um problema que mais cedo ou mais tarde irá atingir quase todos. Esta inevitabilidade confronta-nos não apenas com os perigos de uma doença mental, mas acima de tudo com a tragédia de uma doença moral coletiva. Cabe à sociedade oferecer condições, não apenas físicas, mas também psicológicas, que possam garantir a dignidade do homem e a sua realização através do trabalho, mesmo depois dos 50 anos.
Pedro Afonso
Médico psiquiatra
Observador
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