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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 3 de novembro de 2018

As angústias do trabalho depois dos 50 anos

Converte-se a vida humana numa peça industrial descartável, cujo prazo de validade se encurta sucessivamente, atirando-se as pessoas para o ferro velho, como se se tratassem de lixo não reciclável.

Para aqueles com mais de 50 anos que (ainda) trabalham, o país está dividido em dois polos que refletem estados de espírito distintos. Quem trabalha no sector privado vive atormentado com o fantasma das reestruturações das empresas (leia-se despedimentos), cada vez mais frequentes e imprevisíveis. Por sua vez, aqueles que trabalham no sector público vivem impacientes com a contagem do tempo para alcançarem a reforma. Se no primeiro caso prevalece o medo e a insegurança, no segundo predomina a ansiedade e o desejo de descanso. De qualquer modo, ambas situações são negativas para o país porque têm um efeito desmoralizador e afetam gravemente a produtividade.

Esta situação torna-se ainda mais grave quando um dos nossos maiores problemas está relacionado precisamente com a baixa produtividade. Neste contexto, o ambiente psicológico em que se trabalha é muito importante.   Infelizmente, quer no sector público quer no privado, o ambiente laboral está cada vez pior. Hoje em dia uma pessoa com mais de 50 anos, que seja despedida, sabe de antemão que será muito difícil voltar a conseguir encontrar emprego, pois as empresas valorizam cada vez menos a experiência profissional e a maturidade, preferindo contratar jovens com salários mais baixos. Os funcionários públicos, que tiveram as carreiras congeladas durante largos anos, sem qualquer diferenciação salarial pelo mérito e esforço pessoal, vão fazendo uma peregrinação profissional dolorosa pelas instituições públicas, na expectativa de alcançarem a sua pequena fatia de justiça laboral: a reforma.

Estes dois cenários reais são profundamente doentios e nocivos. Revelam um país derrotado, de braços caídos, e sem ânimo. O país não progride economicamente, nem tão-pouco se transforma num bom lugar para se viver com este ambiente social que só traz consigo doenças psiquiátricas; isto poderá explicar, pelo menos em parte, porque motivo o consumo de psicofármacos continua a aumentar entre nós.

Não é bom para a saúde mental de uma pessoa, após o infortúnio de ter caído nas malhas do despedimento, ser praticamente impedida, pelo critério da idade, de voltar a ter um papel útil e produtivo na sociedade. Esta situação para além de configurar uma humilhação, traz consigo enormes problemas financeiros e familiares.

Não é bom para a saúde mental de um país ter um exército de funcionários públicos vencidos, sem ânimo, desconsiderados e sem conseguirem produzir mais por falta de condições ou por ausência de estímulos. O ambiente na função pública é estranho e sombrio. Cresce o número de funcionários públicos que, numa ruminação obsessiva, procedem à contagem decrescente dos dias que faltam para a reforma, aguardando o término da sua sentença.

Não é bom para a saúde mental dos nossos jovens, viverem num ambiente familiar em que os pais estão deprimidos, ansiosos, angustiados com o futuro, sem esperança e impotentes pela instabilidade no trabalho. Viver com pais infelizes e frustrados configura um ambiente corrosivo, podendo conduzir a um maior insucesso escolar e a um enfraquecimento da célula familiar que é a base da sociedade.

Se hoje é difícil alguém com mais de 50 anos encontrar uma vaga no mercado de trabalho, é provável que em breve esta situação se agrave, e passe também a afetar aqueles que têm mais de 40 anos. Está em curso um processo de desumanização do trabalho, e os limites para se classificar uma pessoa como “profissionalmente inútil” alargam-se cada vez mais. Converte-se, deste modo, a vida humana numa peça industrial descartável, cujo prazo de validade se encurta sucessivamente, atirando-se as pessoas para o ferro velho, como se se tratassem de lixo não reciclável.

Lamentavelmente, se nada for feito, este é um problema que mais cedo ou mais tarde irá atingir quase todos. Esta inevitabilidade confronta-nos não apenas com os perigos de uma doença mental, mas acima de tudo com a tragédia de uma doença moral coletiva. Cabe à sociedade oferecer condições, não apenas físicas, mas também psicológicas, que possam garantir a dignidade do homem e a sua realização através do trabalho, mesmo depois dos 50 anos.

Pedro Afonso
Médico psiquiatra

Observador

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