Por: António Orlando dos Santos
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Uma achega ao TEXTO de Humberto Pinho da Silva.
Sou leitor fiel dos escritos de Humberto Pinho da Silva, que leio com prazer e quase sempre em concordância.
Desta vez permitam-me que discorde, não de tudo o que o texto contém, mas tão só da desilusão que se apoderou dele após conhecer a base histórica do nosso Bolo Rei!
Partindo de que a informação histórica é verdadeira, qual é a novidade de que algo que se vê e aprecia tenha origem no estrangeiro se praticamente tudo que é importante para o nosso dia-a-dia, vem de lá? Dou apenas alguns exemplos, o telefone, a televisão, a máquina do Café,(Cimbalino) e milhentas coisas que nós hoje produzimos, mas vieram do estrangeiro.
Há até na própria indústria de Pastelaria inúmeros exemplos de cópias de produtos populares com origem em França que não levam à desilusão! Os ecleres, os croissants, o leite creme(crème au lait), as Bavaroises, Les Gateaux, as tartes de maçã, etc.etc. A questão aqui é se o produto tem ou não características de sabor e apresentação para se tornar popular.
No caso específico do Bolo Rei até o tempo cronológico da sua introdução em Portugal é de ter em conta. Os finais do século XIX foram tempo de mudança e no nosso país era esse tempo de advento à nova ordem Caiu a Monarquia que em 1899 contava já 756 anos, se tomarmos como base 1143-1899 e instituiu-se a República que conta já uns provectos 108 anos.
Ora o Senhor proprietário da Pastelaria Nacional o que fez foi o mesmo que eu e outros como eu fizemos num determinado tempo em que íamos visitar terras e eventos para vermos as novidades que outros produziam em diferentes locais mostravam para venderem. Nós sem copiarmos literalmente adaptávamos ao nosso gosto e interesse.
Com todo o respeito, duvido que o Bolo Rei que hoje é feito por todo o país tenha muitas semelhanças com aquele francês de finais de oitocentos que começou por ir à mesa do rei. Mas eu vou-me manter dentro dum espaço temporal que são os sessenta e dois anos que medeiam entre os meus 7 anos de idade e os meus 69 actuais.
Na Rua Alexandre Herculano havia dois estabelecimentos de mercearia que chegada a época natalícia, preparavam as montras para tal efeméride, a saber, o Pousa e o Sousa. O Pousa tinha duas grandes vitrinas ou montras que enchia com produtos que para mim naquele tempo eram coisas fascinantes: Caixas de Sortido da Costa Moreira, Pais natal da Favorita e Bombons da Regina. Uvas passas e Sultanas da Turquia, Nozes e Pinhões, estas quatro frutas secas eram colocadas em pratinhos de tamanho pequeno que eram decorados com as frutas dispostas em cone e estrategicamente espalhadas pela montra juntamente com cigarrinhos de chocolate e libras também de chocolate cobertas com papel estanho dourado com a efígie da Rainha Victória com o seu rosto de lua cheia e ar grave mas sereno!
Um grande número de outros produtos de confeitaria como biscoitos e bolachas e até umas caixas muito elegantes feitas em madeira fina e gravadas a fogo que continham Marmelada e onde se podia ler: Marmelada Pura das Confeitarias Costa Moreira do Porto. Finalmente uma quantidade apreciável de Bolos Rei também da mesma procedência.
Para a garotada da Caleja era uma festa, pois chegávamos diante daquela maravilha e sonhávamos acordados com o que víamos mas raríssimas vezes comíamos. A montra do Sousa era como que uma repetição da do Pousa, com a diferença que o Bolo Rei era da Confeitaria Paupério. Vendiam Bolo Rei, algumas outras firmas que sendo de características diferentes não deixavam de aproveitar a quadra para aumentarem a receita de Caixa. Eram o Miranda Braga, o Chico Machado e também o Verbo. O Victor Abreu ainda não existia e ocupava esse espaço o Café Astória e mais tarde o Porfírio antes de ir para África.
Nesse tempo não se fazia Bolo Rei em Bragança. Digo atrás que eu tinha 7 anos mas vou recuar aos 5 pois me parece mais correcto, 5 ou 6.
O que tinha já um estatuto de tradição portuguesa chega a Bragança para ser produzido no Forno do Valente, na Boavista pelo pasteleiro, Senhor Zacarias Ribeiro e seu ajudante Joaquim Queirós que no ano seguinte abre a Pastelaria Ribeiro na Rua Alexandre Herculano, no local onde havia funcionado o Forno e Venda de pão do Senhor Napoleão José Diegues, pai do Milo que o arrenda ao Ribeiro.
O senhor Ribeiro era natural de Magueija, Lamego e foi de criança para o Porto onde foi interno na Confeitaria Cunha que era uma das melhoras casas da cidade e até do Norte de Portugal. Veio para Bragança para fazer uma sociedade com o filho do seu patrão da vila do Peso da Régua, onde trabalhava ao tempo, o que quer dizer, começo dos anos 50 do século passado.
Ora é exactamente neste ponto que nasce o consumo generalizado de Bolo Rei por parte da população da nossa cidade e que por arrastamento se prolonga ao resto do Concelho. O produto em si mesmo é um produto rico pois os ingredientes usados são todos nobres e caros. Assim sendo enumero os ingredientes que são imprescindíveis na confecção de um Bolo Rei de qualidade: Farinha, açúcar, manteiga, ovos, leite,fermento- levedura e sal, frutas escorridas picadas variadas, amêndoas, nozes, pinhões, sultanas e uvas passas. Deverá juntar-se ao amassar um cocktail de bebidas alcoólicas que sejam de qualidade e possuam forte odor, e.g. Rum da Jamaica, Vinho fino, Brandy, Grand Marnier etc. A cerveja faz com que a massa fique macia por mais tempo depois de cozido. As bebidas devem ser seleccionadas criteriosamente pois são o que lhe confere o aroma que Humberto P. Silva refere como representando o Incenso na oferta dos Reis Magos. Eu punha sempre raspa e sumo de laranja pois é também um bom aromatizante e complementa agradavelmente o sabor dos vários ingredientes. A fruta escorrida que se coloca por cima deve ser de boa qualidade e devidamente proporcional ao tamanho das unidades que normalmente são de peso entre 0,750, 1,000 e 1,500 kg. É claro que poder-se-á fazer maior ou mais pequeno.
No Sul de Portugal, Lisboa incluída, usa-se pôr por cima e antes de enfornar açúcar areado humedecido e no Norte usamos açúcar em pó com abundância o que faz o aspecto do meu ponto de vista mais apelativo.
Vejamos, houve uma evolução na confecção e decoração do Bolo Rei que passou da receita francesa original por adaptações ao paladar português e forçosamente o aspecto estandardizado actual, que tem já mais de 60 anos, pois desde que eu me recordo é sempre o mesmo, com os ajustes na decoração que cada artista confere ao produto final.
Por razões familiares, tenho uma filha que vive em Paris, vou com frequência a França. Há mais de vinte anos que corro o país de N a S e de E a W e nunca vi Bolo algum com semelhança ao Bolo Rei. Nada existe do género e o tronco de Natal que é produzido em vários sabores e diferentes decorações, é Rei e Senhor no dia de Natal. Apenas por curiosidade um produto requisitadíssimo no Natal são as Ostras!
Dizem os vários autores que se dedicam a historiografia da Grand Cuisine que as Ostras foram introduzidas em França pelos portugueses no Século XVI quando milhares de judeus foram compelidos a saírem do Reino pelo capricho de D.Manuel I, O Venturoso, que porque rodeado de fanáticos Jerónimos publicou o célebre decreto que reduziu as gentes de nação à mais vil condição, cedendo ao fanatismo da viúva de seu Primo, filho de D.João II O Príncipe Perfeito com quem quis casar e nos conduziu à maior parvoíce colectiva jamais praticada por um povo que cego quis vingar o seu Deus matando e violentando o povo do pai desse mesmo Deus.
Mas estas são frutas doutro Bolo Rei.
Conheço um Bolo que os franceses confeccionam no dia de Reis e que em nada se assemelha ao Bolo Rei português. É feito em pasta folhada e é recheado com pasta de amêndoa. Redondo, é tipicamente um doce seco que consegue o equilíbrio no palato com a mistura da pasta de amêndoa e a massa folhada. Não há mais decoração após a cozedura. Consome-se como doce de fim de festa que já pesa e está para findar. Resumindo não conheço em França nada que seja semelhante ao nosso Bolo Rei e digo nosso porque sem negar o que consta dos Anais da Patisserie Français, fomos nós que o melhorámos o elevámos ao prestígio que merecidamente lhe dispensamos nós e os estrangeiros!
Na última década ou provavelmente há mais tempo os pasteleiros inventaram um outro tipo de "Bolo Rei" que é um produto bem apresentado e saboroso e que se enquadra no tipo de Bolo para o chá (Tea Cake). Com recheio de creme de castanha ou com frutos secos é apresentado como algo de inovador do ponto de vista estético já que no tocante a sabor não atinge a leveza que se propôs alcançar. Mas é para mim um produto bem conseguido e agradável à vista. Peca apenas no nome, Bolo Rei de castanha, Bolo Rei de frutos secos, enfim é imperioso que se renomeie o produto já que BOLO REI é o tradicional, pois o acto reflexo e a imagem do subconsciente é aquela do anel quase cilíndrico e decorado com fruta escorrida de tons maioritariamente vermelhos e verdes que coberto nos espaços sem fruta, de açúcar branquíssimo é belo, saboroso e tradicional sendo também produto Nacional.
Bragança, 20/11/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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