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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

“SE EU SOUBESSE QUE TU VINHA/ FAZIA O DIA MAIÓ/ DAVA UM NÓ NA FITA VERDE/ ÔTRO NO RAIO DO SOL” - Grupo Campo Verde Serenado”, Mato Grosso

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Durante a colheita de café, lá no Vale do Pântano, onde ficava a Fazenda São José, nós levantávamos cedo; muito cedo. Por vezes, chegávamos ao eito antes que a luz do sol o iluminasse por completo. O calor era tanto, que nem a noite abrandava. Com o mês de maio em curso e desembocando em junho, até seu final, a colheita de café segue seu curso natural. Nessas noites, encharcados de suor, não raro saíamos ao quintal, procurando brisas mais frescas. 
A noite estava ainda escura. Ao longe, um pio do curiango à procura de caça miúda, um silvo de cobra-d´água, ou o murmurar das águas do Córrego do Pântano, em sua busca demasiadamente longa à procura do mar. À sua volta, a saparia fazia a algazarra de costume. Olhando do quintal para o brejo do córrego, notávamos figuras imaginárias sinistras. Na colônia da fazenda, me parece, os colonos dormem o sono dos justos. Toda a Fazenda São José também dorme. No quarto de meus pais, ouvia m ressonar feliz, cadenciado e incapaz de perturbar a grande paz da noite. Não sou o único acordado às cinco horas da manhã. Aguardando os primeiros raios do sol, as juritis, bem-te-vis e nhambus começam, aos poucos, o ensaio para a grande e triunfal orquestra dos bichos interpretando a Sinfonia da Natureza. A sinfonia é um bálsamo; acabam por adoçar a alma dos trabalhadores. Pleno mês de junho; a colheita de café ia á meio-termo, havia que se colher rápido os grãos da rubiácea brasilienses nos panos, pois que aqueles que caiam ao chão eram de valor comercial inferior e de sabor também inferior; como todos sabiam. 
Os primeiros pios do nhambu, recém-acordado, trinados com sons não peculiares, vai arriscando a sua assobiadela, como quem limpa a garganta do pigarro acumulado durante a noite. Na minha simplicidade de menino caipira, o imagino recém-desperto e saído do ninho, com vontade de a ele retornar, porém está na hora de começar a faina diária e a busca por comida, per onmia saecula saeculorum!  E a bicharada; já estará de pé, ou será ainda muito cedo para isso?  Os primeiros raios de sol apontam para as montanhas do Vale do Pântano, demora nada para o sol bater aqui no quintal. Percebo o quão lindo é o alvorecer, o sabiá canta na mata, a saracura no banhado, os guinchos dos porcos no mangueirão, recebendo as espigas de milho, me apontam que é hora de ir pra lida. 
A chaleira de água que havia deixado no fogão à lenha já estava fervendo, pronto para o café. Peguei a mariquinha, coloquei o coador, meti quatro colheres de pó de café, do grosso, que acabara de moer no nosso moinho manual, para um café forte, como sempre gostei. Abri a lata com tampa hermética, onde minha mãe guarda as “quitandas”; peguei uma broa de milho, assada no dia anterior, apanhei um queijo que estava curando no fumeiro e tomei um quarto dele. Mesa posta: café, broa e queijo; como aquelas maravilhas e tomo uma caneca de café. Ouço os passos de meus pais:

-Se abancam; tô ino trabaiá, eu disse; já pegando o saco com a peneira e o embornal com a matula e a merenda, e já me encaminhando para o eito!

Pedi a benção a meus pais e saí. Lá fora encontro os amigos, todos eles com seus apetrechos, para a faina de mais um dia na colheita do café. Todos animados; a camaradagem é um ponto a destacar da personalidade dos caipiras! O Tuim nos conta que ontem viu, lá na palhada da vargem, um gavião voando “de fasto”, pra pegar uma pomba juriti. Em seguida o Ném nos conta que, quando estava voltando pra casa, cortou caminho pelo capão de mato e viu uma onça suçuarana, preta a menos de trinta metros dele. Disse ainda que a onça olhou para ele, depois virou a cara para cheirar o chão e seguiu seu rumo; ele até crê que a onça tinha ficado com medo dele! Já o Ditinho disse que quando foi dar milho aos seus porcos, agora de manhã, notou que havia dois animais a mais; quando analisou direito, viu que havia duas capivaras vivendo com os porcos e se aproveitando do milho deles. O Ditinho ainda perguntou se algum de nós sabia se era possível criar capivaras junto com os porcos. 
A resposta foi uma risada geral e uma gozação generalizada.  Quanto a mim, perguntei para eles se eles achavam que as aves seriam também relógios.  Como não entenderam de supetão, fiz-lhes observar algumas provas irrefutáveis:                 

- O galo começa seu cantá à meia-noite, o sabiá à uma da manhã, o pica-pau de cabeça vermêia canta às três hora, o urutau e o curiango saúda a aurora às quatro hora; já os tico-tico, os pardal e o João-de-Barro, às quatro e meia; às cinco cumeça a cantá, em pequenos intervalo, as andorinha, os bem-te-vi, os quero-quero, os passo-preto e os melro, os galo e os nhambu. Cumeçam a saudá o novo dia e eis marca o início da alvorada, dispois é a veiz das andorinha de novo, nesses Hino de Louvor ao Criador. Ôtros passarinho, menos baruiento, tamém faz, do seu jeito, parte do Coro da Sinfonia da Natureza.

Ieu sô testemunha viva de que o canto do galo é de confiança inacreditáver. Cum ele se deita, se alevanta e toma os remédio; quem precisa, é craro! Só num é verdade que o galo canta exatamente à meia-noite e às cinco hora da minhã. No entanto, defendo o cantá dos galo como relógio, pois todas as ôtra aves tamém canta, mas ninhuma tem a responsabilidade de sê relógio pra nóis, os caipira!

Todos nós demos boas risadas, com a prosa tão amigável e zombeteira. O sol já se fazia ver no topo do Morro do Angical; apressamos o passo! Mais um dia de trabalho começava!

Há que se atentar para o fato de que na lista de pássaros e horários de seus cantos que passei acima, claro está que há lacunas: qual ave cantaria às uma e trinta, as duas, às duas e meia, às três e meia, às cinco e meia e, sobretudo, às seis da manhã. Porém, cada um deles tem seu papel na tessitura de um novo dia. Apesar da frase nacionalmente conhecida de João Cabral do Melo Neto (in Vida e Morte Severina), que “um galo solitário não tece uma manhã”, eu creio piamente, que o galo é uma explosão vadia, eloquente, bonita (ainda que repita as notas), de alta frequência e de periodicidade conhecida, que acorda para a vida um povo, uma nação e a paisagem inteira.


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

1 comentário:

  1. Caro amigo Henrique, boa tarde!

    Estou pasmo: eu havia enviado o texto só para você ler; você o publicou!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Fiquei emocionado por tanta consideração para com este velho brasuca.
    Este texto estava parado (empacado, como dizemos) há mais de dez anos.
    Devo confessar que depois que li um texto de um escritor transmontano, que você publicou, e que falava dos melros,
    lembrei-me de uma lenda africana que diz respeito aos melros e também desse texto empacado: bastou-me quarenta
    minutos para terminá-lo.! Depois,fiz apenas um pouco de "carpintaria"; ou seja, dei polimento, corrigi algumas colocações
    de vírgulas, conferi o Dicionário de Português (meu amigão), e acabei enviando-o a ti e a uma editora de Curitiba (sul do Brasil).
    A editora até gostou, mas disse que "...não existe projeto para publicar contos curtos". Creio que , se o texto fosse longo, seria
    novela; que achas? Caro amigo, às vezes fico preocupado por você publicar meus textos.O pessoal transmontano não costuma
    comentar e eu, do centro da minha solidão no ato de escrever, imagino se eles gostam ou não de meus textos.
    E sofro também em pensar que meus textos possam atrapalhá-lo destoando do perfil do blog que você criou e dirige.
    Quanto à quadra, inserida no "caput" do texto, de autoria do Grupo Campo Verde Serenado e que faz parte de evento folclórico,
    da região centro-oeste do Brasil, eu a coloquei ai,para demonstrar à musas do universo, que animam os escritores, de que estava
    feliz ao terminar o texto!

    Um abraço brasuca,

    Antônio Carlos Affonso dos Santos - ACAS

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