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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Conteúdo noticioso e critérios de noticiabilidade dos jornais de Bragança no sec:XIX

A capacidade de produção informativa no século XIX, não era comparável, logicamente, com a dos nossos dias. Por isso, as notícias veiculadas, na maior parte dos casos, estão relacionadas com o Município em que o periódico tem a sua sede. Por esse facto, o espaço atribuído às notícias não tem a dimensão dos assuntos de cariz político.

Primeira página do 1.º número de O Norte Trasmontano

Analisando as notícias veiculadas pelos jornais do século XIX em Bragança, podemos elencar o que hoje os manuais de jornalismo designam por “critérios de noticiabilidade”. Comparando esses critérios com os propostos, ao presente, pelos manuais de jornalismo, verifica-se que até parece não haver grandes diferenças. No entanto, em termos práticos, as diferenças existem, já que um conjunto significativo das notícias dos jornais do século XIX não teria cabimento nos jornais de hoje – para já não falarmos no estilo, na linguagem e na forma de redigir as mesmas.
Tendo em consideração esta realidade, apresentamos, de seguida, os critérios que parecem estar subjacentes à apresentação das notícias nos jornais que são objeto desta análise.

A relevância social dos protagonistas da notícia

Mesmo nos dias de hoje, os manuais de jornalismo referem este critério como um dos primeiros a ser utilizado na seleção das notícias. No entanto, nos nossos dias, a relevância social dos protagonistas só é critério de notícia quando se trata das suas funções públicas ou quando a sua vida particular tem relevância social.
No entanto, nos jornais do século XIX, não era este o critério. Uma simples enfermidade, a deslocação de férias ou visita de um governador civil ou de outra figura socialmente relevante, mesmo que fora do exercício de quaisquer funções oficiais, eram motivo ou pretexto para uma notícia, como podemos constatar em vários exemplos que passamos a referir.
O Brigantino, a propósito da visita do general divisão às unidades militares de Bragança: “S. exa esteve nessa Cidade, onde apareceu de surpresa, demorando-se apenas um dia. Cremos que um fim misterioso motivou esta visita; como nos parece também que o Ministério da Guerra conseguiu o que desejava, tirando talvez mais resultado desta rápida inspeção, passada a dois corpos no espaço dum só dia, que de muitas inspeções aparatosas que levam meses e que nenhum outro resultado dão, mais que dinheiro a ganhar aos inspetores e ajudantes”.
“O sr. general de Divisão viu tudo em ambos os corpos e não viu de leve; a inspeção de Cavalaria 7 começou às 5 horas da manhã, e de tarde foi a inspeção de Caçadores 3.”
E O Nordeste: “Tem estado gravemente enfermo com uma gastroenterite, achando-se porém melhor, o sr. José de Figueiredo Antas, Presidente da Câmara Municipal de Vimioso, e pai do sr. alferes Antas, de Cavalaria 7. Pediu 60 dias de licença para tratar da sua saúde o sr. Governador Civil deste Distrito, Visconde das Arcas.”
O Democrata, em 1896: “Vai quase restabelecido da grave enfermidade que há tempo o acometeu o sr. padre João de Almeida Pessanha, ilustre capelão de Cavalaria 7. Folgamos imensamente dar esta agradável notícia aos nossos leitores.”
O Norte Trasmontano, em três casos: “Em virtude de umas febres palustres, de que ultimamente foi atacado, tem sido obrigado a guardar o leito o nosso simpático amigo e digno bibliotecário do Liceu, sr. Francisco A. Esteves”.
“Esteve entre nós o nosso prezado amigo e valioso correligionário político, sr. Álvaro Pegado de Sousa Barroso, acompanhado de sua exma. esposa, D. Ana Augusta de Menezes da Silva Barroso, e de sua exma. prima, D. Maria Augusta Reimão de Menezes Falcão”.
“O sr. Barroso, além de visitar o seu galante filho, que anda frequentando o liceu desta Cidade, veio também consultar a medicina sobre padecimentos de sua exma. esposa. Hospedou-se em casa do nosso querido amigo e distinto professor do Liceu, sr. Sousa Pinto”.

A proximidade do facto noticioso relativamente à redação

Outro critério, também previsto nos atuais manuais de jornalismo, tem a ver com a proximidade geográfica dos factos noticiados, não só pelas razões aduzidas pelos referidos manuais, mas também pelos constrangimentos dos meios de comunicação então existentes. Pela sua insignificância, alguns desses factos dificilmente seriam objeto de notícia se tivessem ocorrido noutras regiões mais afastadas, como se pode constatar nos exemplos que vamos apresentar a seguir.
O Distrito de Bragança, em 1885: “No dia 25 do passado foi muito maltratado pelo touro, de que tratava, o criado da quinta regional, Manuel Maria, natural da Meda. Este infeliz levou o touro a beber, e na volta, querendo-o recolher à loja, foi de repente assaltado por ele, lançando-o ao chão com uma marrada, e depois com os pés e com as armas fez-lhe várias contusões e um ferimento no baixo ventre que mede dois decímetros e comprimento, rasgando-lhe os tecidos até bastante profundidade. Era meia-noite quando o infeliz deu entrada no hospital, julgando todos que não poderia escapar. Por essa ocasião não apareceu o médico da Santa Casa, mas prontificou-se a tratar dele o exmo. sr. dr. António Augusto de Oliveira Dias, que, com a maior solicitude, fez o curativo; hoje supõe-se livre de perigo.”
O Democrata, em 1896, relatando dois factos: “Promete ter este ano um brilho e magnificência desusada a festa da Senhora das Graças, que costuma realizar-se nesta Cidade no último domingo de agosto de cada ano. É feita a expensas da Associação Artística desta Cidade, que soleniza assim a inauguração do novo edifício da Associação”.
“A Direção do Clube Brigantino projeta uma iluminação deslumbrante para festejar a chegada dos valorosos expedicionários de Caçadores 3. Consta que a briosa mocidade da importante povoação de Izeda vem, acompanhada com a sua banda de música, incorporar se ao cortejo que a nobre Cidade de Bragança tenciona realizar em homenagem de« admiração e estima aos seus queridos expedicionários, que pelos seus feitos heroicos em África, nobilitaram esta Cidade e engrandeceram a Pátria”.

O caráter insólito do facto noticiado

Um terceiro critério que podemos encontrar subjacente às notícias dos jornais de Bragança no século XIX, tem a ver com a natureza insólita dos acontecimentos noticiados, e que, por esse facto, podem despertar a atenção dos leitores e levar à divulgação do jornal que os reproduz, como se pode ver em O Nordeste: “Uma mulher da quinta de S. Pedro, freguesia de Meirinhos, concelho de Mogadouro, deu à luz uma criança do sexo masculino sem nariz, tendo no lugar deste órgão pequena saliência a que tem unido o bordo do lábio superior, só com quatro dedos em cada mão, unidos dois a dois, e sem dedos nos pés, que são bipartidos.
Informaram-nos que ainda vive, apesar de não poder mamar por motivo de ter unido o bordo do lábio superior à saliência que devia ser o nariz.”

O impacto económico e/ou social dos factos noticiosos na região

Finalmente, podemos ainda encontrar um quarto critério por detrás dos factos selecionados para o cardápio das notícias. Esse critério diz respeito ao impacto que os factos, por diferentes formas, podem ter na vida das pessoas, como sucede no texto de O Distrito de Bragança, ao noticiar três acontecimentos, em 1885:
“Foi assombrosa a trovoada que anteontem pairou sobre esta Cidade. Era meio-dia quando começou, acabando às duas da tarde. Sucediam-se os trovões com medonho estampido, caindo várias faíscas elétricas, que felizmente não prejudicaram ninguém, porque foram atraídas pelos para-raios do castelo e telégrafo: a chuva era a cântaros, correndo pelas ruas e inundando os pavimentos térreos de várias moradas. O Fervença, engrossando de repente, levou bastante roupa, que as lavadeiras não puderam salvar a tempo; muitas paredes caídas, muitas hortas e vinhas completamente perdidas. O tempo corre mau para os lavradores, porque não podem fazer as segadas; se assim continuar inconstante, ameaça-nos um ano de fome.”
“Ontem, José Moreira, lavrador natural de Gimonde, queixou-se na esquadra de polícia civil desta Cidade, contra José dos Santos, de Failde, por este lhe haver roubado três carneiros no valor de 10$00 réis. Levantou-se o competente auto e remetido ao poder judicial”.
“Foi chamado à esquadra Albino de…, morador em Além do Rio, por haver seduzido um menor a quem prometeu oitenta réis, a fim de furtar da saca das bolas duma rifa o número um e entregar-lho. Foi mandado embora por se não provar a queixa”.

Vestes de Gungunhana, capturado por militares do batalhão de Caçadores n.º 3 de Bragança. Museu Militar de Bragança

Também a prisão de Gungunhana, chefe de um dos povos moçambicanos, mereceu algum destaque na imprensa de Bragança, não só pelo seu impacto político, mas sobretudo pelo facto de os militares de Caçadores 3 de Bragança terem estado envolvidos nessa operação, o que não poderia deixar de merecer o interesse das famílias que possuíam filhos ou familiares nessa campanha militar. O Democrata, em 1896, refere-se assim a este acontecimento, com o título de A prisão de Gungunhana – Finis coronat opus: “A prisão deste vingativo, déspota e orgulhoso régulo, vale bem por todos os pesados sacrifícios feitos na nossa África Oriental, que devem ter sido importantíssimos em vidas e dinheiro, se atendermos aos opróbrios e penúria em que nos temos arrastado desde 1890 para cá. A prisão, pois, daquele temível régulo, representa um ato de heroísmo, pouco vulgar nos tempos modernos, das nossas diminutas forças, tanto navais como terrestres”.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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