Todo o interior, mas particularmente Trás-os-Montes, caminham a passos largos para um efetivo desaparecimento. Sem pessoas, as terras não são terras, são coutadas de caça e leiras de abandono onde imperará o silêncio e os vestígios materiais da morte.
Não é exagero, é uma realidade vivenciada pelo quotidiano da minha pessoa que no seu dia-a-dia se depara com aldeias onde não se encontra já vivalma, onde ninguém já vive, ou onde só ficaram os mais idosos, aqueles que já perderam toda a esperança e já não têm a força necessária para se darem à aventura da partida.
O quadro demográfico da maioria do interior se ainda não atingiu, atingirá muito em breve o ponto do não retorno, a incapacidade de regeneração e manutenção de uma população residente que mantenha os territórios mais ou menos estáveis. Estamos perante um quadro negro, um quadro real que apenas parece preocupar a hipocrisia dos decisores centralistas quando a desgraça escancara as portas da realidade através da exposição mediática, como aconteceu com o caso de Pedrogão Grande.
A incapacidade de fixação da população no interior não é um problema de hoje. É um problema com longas décadas, uma mancha negra com profundas raízes históricas, que se agudizou no fascismo, mas que a alternância do poder por parte do PS e do PSD nunca conseguiu resolver nestes 44 anos da democracia portuguesa saída do 25 de abril.
O desleixo para com o interior foi e é um exemplo ilustrativo da herança antidemocrática de um poder centralizado que se pretende democrático mas que sempre contabilizou as prioridades de investimento nos territórios em função do número de votos que cada região pode oferecer. Um caso típico de desprezo pelas minorias, um caso típico de irresponsabilidade perante a cidadania, um caso típico de ignorância histórica, de incapacidade governativa, de incompetência política, de falta de planeamento e de total negligência pela coesão territorial. Perante tantos erros e tantas faltas o interior definhou, foi lentamente finando, até atingir um estado de quase não retorno como o que nos dias de hoje facilmente se poderá constatar.
Mas haverá solução para o interior? Talvez ainda haja e é com essa esperança que muitos continuam a resistir e a lutar com as débeis armas que têm ao dispor. Uma luta desigual e quase anónima, mas que não deixa de ser luta; uma luta cidadã que denuncia e que reivindica perante um poder cada vez mais centralizado.
Acreditamos que ainda existe uma solução para o interior, mas o caminho que devemos seguir não é o da descentralização de competências para as autarquias, conforme o previsto na Lei nº 50/2018 que nos querem impor à força, mas sim a busca de uma estrutura de decisão intermédia que só o processo de regionalização do país poderá oferecer. Um processo de regionalização bem conduzido, discutido, participado e bem planeado. Um processo de regionalização capaz de gerar uma transformação territorial operativa, não discriminatória, que dote cada região de uma autonomia financeira assente numa distribuição equitativa e justa dos recursos nacionais; uma regionalização baseada em instrumentos de decisão democráticos, que desagrave as desigualdades territoriais e que solidifique e reforce um processo gradual de coesão territorial e social.
Nós, os que vivemos no interior, não podemos continuar a tolerar que o nosso futuro se tolha nas mãos centralistas de quem não conhece os nossos recursos e a nossas potencialidades; nas mãos daqueles que não entendem e que não sabem o que nos é mais favorável para progredirmos e para nos desenvolvermos.
Nós, o que vivemos no interior, jamais poderemos ficar calados perante o mais recente Programa Nacional de Investimentos para a década 20-30! Um programa que espelha a demagogia, a hipocrisia e a falta de sensibilidade para o enorme problema da interioridade. Um programa de investimentos que é ofensivo para o interior, mostrando o quanto de hipócrita contêm as intervenções públicas de quem se diz preocupado com os problemas dos (por eles designados) territórios de baixa densidade!
O Programa Nacional de Investimentos apresentado para a próxima década é um atestado de óbito final para todos os que continuam aqui a resistir. Representa mais uma oportunidade perdida, onde não se vislumbra qualquer investimento estrutural em territórios que se encontram praticamente despovoados.
Nós, os que vivemos em Trás-os-Montes e Alto Douro, não podemos tolerar porque não contempla esse Plano, por exemplo, uma solução de investimento para a requalificação da Linha do Douro!
Todos estão de acordo que a Linha do Douro, com a respetiva ligação a Espanha, poderia constituir uma solução estruturante para animar a economia do eixo regional que acompanha este curso fluvial.
Este governo sabe que a Linha do Douro é apresentada pela própria União Europeia (UE) como uma das soluções com mais potencial económico do transporte ferroviário em toda a Europa. Um recente estudo da UE destaca o potencial de desenvolvimento da linha do Douro, entre o Pocinho e Barca d'Alva (Portugal) e Fregeneda - Salamanca (Espanha), com um custo de requalificação estimado de 578 milhões de euros.
A linha do Douro e uma linha fronteiriça franco-alemã foram as duas ligações escolhidas e classificadas como de maior potencial económico em toda a Europa por uma iniciativa da Comissão Europeia realizada a 9 de outubro passado, durante a Semana das Cidades e das Regiões que ocorreu em Bruxelas.
Este governo também sabe que existe um estudo datado de 2016, realizado pela Infraestruturas de Portugal, através da sua Direção de Planeamento Rodoferroviário, onde é exposta a viabilidade e o potencial da linha do Douro, caso a mesma fosse requalificada num projeto comum com a vizinha Espanha. Através desse estudo, o Governo sabe que o posicionamento geográfico desta linha férrea confere-lhe um interesse estratégico fora do comum, na medida em que, e cito o mencionado estudo da IP, “permitiria a ligação transversal mais direta desde o porto de Leixões à fronteira com Espanha”.
Por sua vez, e atendendo ao desenvolvimento do setor turístico da região vinhateira, a requalificação da Linha do Douro permitiria também enquadrar a nossa região do Douro interior, e por consequência de todo o “Douro Transmontano” e de parte da Beira Alta entre dois importantes polos geradores de tráfego, como o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, o terminal de passageiros do Porto de Leixões e a estação do Comboio de Alta Velocidade em Salamanca. Com a requalificação da Linha do Douro e respetiva ligação a Espanha, seria criado um eixo turístico de excelência, centrado num troço de caminho-de-ferro e na possibilidade de a partir desse percurso poderem ser visitados quatro destinos classificados pela Unesco como Património da Humanidade, a saber: a cidade do Porto, o Douro Vinhateiro, as Gravuras Rupestres do Vale do Côa e a cidade de Salamanca.
O Governo sabe de tudo isto, mas quando apresenta o Programa Nacional de Investimentos para a próxima década, o projeto de requalificação da Linha do Douro até à fronteira com Espanha é esquecido, apesar de se constituir como o itinerário ferroviário mais promissor no espaço europeu e um dos projetos com mais potencialidades para alavancar um novo processo de desenvolvimento a nível regional.
É nesta triste realidade que enquadramos a vontade política de quem nos tem governado e de quem atualmente nos governa, não sendo vislumbrado qualquer sinal que nos garanta a preocupação do poder central na resolução dos problemas do interior.
Por tudo isto e muito mais estão a empurrar-nos descaradamente para a borda de um tempo limite. Um tempo de gritar e de dizer chega! Empurram-nos para um tempo sem tempo e sem paciência para aguentar mais este desprezo. É hora de dizer basta, é hora de decidirmos por nós e de exigirmos que volte à discussão pública a necessidade de fazermos a regionalização do nosso país!
O tempo que vivemos é por isso um tempo de angústia e de pessimismo. Chega de palavras vãs e vazias, chega de promessas, de inatividade e de demagogia. Se o interior do país morrer não será pela falta da luta de alguns, poucos, cada vez menos! Não será por falta de uma resistência extrema dos que insistem e pretendem continuar a viver aqui! Por isso acreditamos que ainda haveremos de salvar o interior!
Mas se morrermos… se matarem definitivamente o interior… haveremos de morrer como as árvores das nossas terras: morreremos de pé e a apontar o dedo aos nossos carrascos!
Luís Pereira
in:noticiasdonordeste.pt
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