Tais esperanças, contudo, revelaram-se infundadas, e Oliveira Salazar, mau grado a contínua e crescente resistência das forças democráticas, só em 1968, após um acidente que o incapacitou para as funções que exercia, foi substituído por Marcelo Caetano.
Primeira edição do Mensageiro de Bragança publicada a seguir ao 25 de Abril de 1974 |
A chefia do Governo por este professor universitário não provocou, todavia, qualquer mudança significativa no regime. Como escreveu Oliveira Marques, as tropas portuguesas “continuaram a seguir para África a lutar contra os rebeldes. Não foram permitidos partidos políticos. Não se concedeu a qualquer amnistia. Recusou-se a liberdade de associação. A política estrangeira não sofreu alterações. Nada do sistema corporativo foi modificado.
Não apareceu nova lei de imprensa”.
Não era só a restrição das liberdades, a repressão, enfim, a questão política, que estava em causa. Era também a recusa, várias vezes expressa pelo Governo, em encontrar uma solução negociada para a guerra colonial. Era igualmente uma administração pública burocrática enquanto autoritária, ineficaz porque caótica e inadequada à dimensão do País.
Era ainda e sempre a lentidão do crescimento económico, pelo menos até à década de 1960, a acentuada desigualdade social fomentada por uma injusta distribuição dos rendimentos nacionais e agravada por uma política fiscal desconhecedora dos elementares princípios de equidade, enfim, a inexistência de uma autêntica política educativa destinada a erradicar o analfabetismo.
A agricultura, que exigia medidas de caráter estrutural, não conhecendo a modernização que se impunha, tanto no que concerne ao regime de propriedade como à mecanização e seleção das terras e culturas, acabou por se revelar um fator altamente responsável pelo abrandamento da expansão económica. E o mesmo se podia dizer do setor das comunicações e transportes, quando integrado no contexto dos países da Europa Ocidental.
A balança comercial portuguesa, com exceção dos anos de 1941-1943, manteve saldos altamente negativos, só cobertos graças às remessas dos emigrantes – cuja proporção, relativamente ao valor do deficit da balança comercial, passou de 41,7% em 1960 para 109,4% em 1963, financiando, deste modo, o desenvolvimento industrial que se fez sentir durante o III Plano de Fomento (1963-1973) –, e à entrada de divisas provenientes das atividades turísticas.
O recrudescimento da emigração nas décadas de 1960-1970 demonstrou claramente a falência da política económica do Estado Novo e a inexistência de condições mínimas de vida para boa parte da população. É certo que a indústria conheceu taxas globais elevadas de crescimento durante os anos que precederam a queda da Ditadura. Contudo, apesar dos sucessivos Planos de Fomento, o Estado Novo não conseguiu transformar Portugal “num País economicamente desenvolvido em termos europeus”. O rendimento nacional, em 1974, relegava Portugal para a cauda da Europa. E a taxa de analfabetismo, embora baixando consideravelmente entre 1950 e 1970, nas vésperas do 25 de Abril rondava ainda os 25% para os indivíduos com idade superior aos 10 anos.
A incapacidade demonstrada pelo Governo de Marcelo Caetano na resolução dos graves problemas nacionais originou, em 1973, a formação do “movimento dos capitães”, o qual, embora organizado como reação ao Congresso dos Combatentes do Porto (onde se defendeu a guerra permanente nas colónias) e à lei relativa à promoção dos oficiais milicianos, com vista à sua integração no quadro permanente das Forças Armadas, defendia a institucionalização de uma democracia de tipo ocidental e a autodeterminação imediata das nossas colónias.
Efetuou-se a descolonização em circunstâncias desfavoráveis, que trouxe ao Continente 600 000 portugueses regressados das antigas colónias. Realizou-se, a nível político, a democratização das instituições e da sociedade portuguesa. E no plano económico, após os controversos acontecimentos de 11 de março de 1975, procedeu-se à estatização dos principais meios de produção, com a nacionalização da banca, dos seguros e da grande indústria, medida que consagrou, de modo absoluto, a proeminência do Estado, o qual se transformou no responsável máximo da economia nacional – processo este que veio a ser anulado, na sequência da política de adesão de Portugal à CEE – Comunidade Económica Europeia, cuja integração se operou no início de 1986. A aventura dos descobrimentos e da colonização, desenvolvida por Portugal ao longo de cinco séculos, chegava definitiva e irreversivelmente ao fim, com o regresso à Europa…
Em Bragança, as notícias da queda da Ditadura e o restabelecimento da Democracia foram recebidas com alguma expectativa e uma certa incredulidade. No próprio dia 25 de abril de 1974, ao fim da tarde, algumas pessoas juntaram-se na Praça da Sé, comentando os acontecimentos que então se desenrolavam, tendo sido aconselhadas por um oficial da Guarda Nacional Republicana a dispersarem, uma vez que as forças conservadoras – assim diziam – iriam repor em breve a anterior situação.
A primeira manifestação popular de apoio às Forças Armadas e à Junta de Salvação Nacional ocorreu no dia 27 de abril, na Praça da Sé, onde milhares de pessoas se reuniram para, em seguida, se encaminharem para a sede do comando do batalhão de Caçadores n.º 3, para expressarem o seu entusiasmo pelo triunfo do movimento militar. Nesse mesmo dia, o Governador Civil de Bragança, Abílio Machado Leonardo, é demitido e substituído pelo respetivo secretário, dr. Narciso Augusto Pires.
No Primeiro de Maio, Bragança assistiu, como as outras cidades portuguesas, a “uma das mais grandiosas e espontâneas manifestações populares de que há memória”, na qual vai participar a vereação da Câmara Municipal de Bragança, tendo à sua frente o seu Presidente, dr. Francisco Diogo Fernandes.
A Câmara Municipal de Bragança reúne em 8 de maio, após o seu Presidente, como todos os presidentes das câmaras municipais do Distrito de Bragança, cinco dias antes, ter colocado o seu lugar à disposição da Junta de Salvação Nacional. Nessa mesma reunião, a pedido dos responsáveis do MDP – Movimento Democrático Popular, na Cidade, a Câmara delibera ceder àquele movimento, temporariamente e a título gratuito, o prédio onde se encontrava instalada a extinta Legião, na Rua Abílio Beça.
A nova Comissão Municipal Administrativa, presidida por Manuel Maria Ferreira Rodrigues, só irá entrar em funções a 19 de junho de 1974.
As escolas da Cidade funcionam normalmente, tendo chegado o ano letivo tranquilamente ao fim. Todavia, o cariz socializante de inspiração marxista do Governo Provisório e do Conselho da Revolução, em 1974-1975,
traduzida na nacionalização dos grupos económicos, transportes, petróleos, siderurgia, e de todos os meios de comunicação social, rádios e jornais, já que a única televisão existente era dominada pelo Estado; a perda das colónias e o regresso de mais de 600 mil portugueses à Metrópole; a retirada do espaço público à Igreja; os saneamentos selvagens no aparelho do Estado, em empresas e universidades; a luta pelos lugares de poder; a propaganda televisiva; a reforma agrária; as campanhas de alfabetização e dinamização cultural desenvolvidas sobretudo no Norte de Portugal, nomeadamente no Nordeste Trasmontano (como a “operação Maio Nordeste”, de 1975); e os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte em 25 de abril de 1975, que traduziam claramente opções políticas moderadas por parte do povo português, tudo isto contribuiu para gerar um clima de franco descontentamento que vai degenerar em ações violentas anticomunistas por todo o Norte e Centro de Portugal, traduzidas por assaltos a sedes de partidos e sindicatos no verão de 1975, o chamado “Verão Quente”.
Bragança não foi exceção. A unidade militar aí existente tomou posição contra o rumo revolucionário que o Governo prosseguia. Como escreveu Palacios Serezales, “os seus oficiais participaram na contestação e desobediência ao comandante gonçalvista da região militar a que pertenciam” e colaboraram sem entusiasmo nas campanhas de propaganda política do Movimento das Forças Armadas. Por sua vez, a população da Cidade, em julho e agosto desse ano, defendeu e impôs a nomeação de pessoas da sua confiança para certos cargos administrativos, nomeadamente para a Caixa de Previdência; manifestou através de uma “grandiosa manifestação católica” o seu apoio à Igreja; destruiu as sedes partidárias do PCP – Partido Comunista Português e do MDP – Movimento Democrático de Portugal; e perseguiu os comunistas, de tal modo que o Governador Civil de Bragança, Fernando Augusto Gomes, em setembro de 1975, ao ser interrogado quanto à ausência daqueles dois partidos numa “reunião institucional”, declarou à imprensa que “esses partidos passaram à clandestinidade, não têm sede nem sei onde encontrá-los”.
O movimento militar de 25 de novembro de 1975, em Bragança como em todo o País, terminou com a experiência revolucionária iniciada em abril de 1974 e iniciou a democracia pluralista, assente nos partidos políticos e no respeito pelos direitos humanos.
Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa
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