quinta-feira, 27 de junho de 2019

O REGRESSO À PRAÇA DE S. JOÃO. O EDIFÍCIO DO BANCO DE PORTUGAL

Nos últimos tempos da Monarquia, continuava a existir espaço disponível e com aptidão construtiva no interior da grande linha defensiva que tinha delimitado a Cidade. A projeção de uma nova construção que compatibilizava funcionalmente o serviço público com a ideia de organização do Estado, comprovava mais uma vez como o espaço da velha urbe continuava a ter primazia sobre o das novas extensões urbanas, agora tendencialmente sujeitas ao poder de atração exercido pela estação ferroviária. Se reduzíssemos a um segmento de reta a distância entre a gare do comboio e o Largo de S. João, fronteiro ao Governo Civil, podíamos observar grande atividade nessas duas áreas.

Agência do Banco de Portugal, em Bragança, Adães Bermudes. Planta do piso, alçados,
corte longitudinal e corte transversal

Numa extremidade, agigantavam-se os homens para concretizar a possibilidade de
ouvir o silvo da força do vapor; na outra extremidade, diligenciava-se para tornar plausível a decisão do Banco de Portugal, quando decidiu alargar a sua representação a Bragança e iniciar a fundamentis a sua sede regional.
Já ia longe o tempo em que a Igreja paroquial de S. João Baptista, com a igreja e dormitórios do convento das religiosas beneditinas, fornecia a volumetria essencial ao enquadramento da antiga Praça de S. João.
Arruinada a Igreja do Baptista, integrada a paróquia na Sé e sumidos os seus materiais, restaria naquele sítio uma pequena capela particular que tinha por invocação o Santo Nome de Jesus. Instituída em 1624 por José Alonso e Ana de Rios, em 1707 os administradores, João Salgado de Castro e Margarida de Lira Henriques, residentes em Ponte de Lima, ainda lhe vinculavam alguns bens. Em 1770, João Luís Salgado Achioli de Vasconcelos, natural desta vila minhota, pediu a abolição do vínculo que permitiria que os bens tivessem sido vendidos ao abade de Mofreita e Zeive, Domingos Lopes Nogueira. No ano de 1785, registou-se nova alienação, agora, a favor de Bernardo Baptista da Fonseca e Sousa e de sua mulher, Antónia Maria de Sá Morais Pereira do Lago.
Mas em 12 de novembro de 1902, o notário do terceiro ofício da comarca de Bragança dirigiu-se à casa de Bernardo Correia de Castro Sepúlveda, na Rua da Alfândega, onde, na presença de testemunhas, o aguardava Amália Pinto Bandeira de Sepúlveda, sua mulher, que exibia uma procuração bastante – Bernardo Sepúlveda estava ausente, visto ser secretário-geral do Governo de S. Tomé e Príncipe – para que se pudesse celebrar a escritura de venda ao Banco de Portugal, representado por Luís Saldanha Lopes dos Santos e Aníbal Augusto Rodrigues Valente, empregados públicos, residentes em Bragança. Iniciadas as formalidades, por Amália Sepúlveda foi dito que ambos eram “senhores e legítimos possuidores de uma capela situada no Largo de São João”, “por herança de seus antepassados”, e que sobre a mesma não existia “pensão, foro ou algum outro ónus”, razão pela qual, podendo aliená-la livremente, a vendiam ao Banco de Portugal por quinhentos mil réis”.

Título da compra pelo Banco de Portugal
da capela do Santo Nome de Jesus
À transação da capela seguiu-se a venda do terreno municipal que tinha estado ocupado pela igreja e adro da paroquial de S. João Baptista, no valor de 267$000 réis. Reuniam se assim as condições necessárias para que o Banco de Portugal pudesse iniciar os trâmites que levariam à construção da sua sucursal, uma iniciativa que, como se reconhecia, promovia o embelezamento da Cidade e oferecia “trabalho à classe operária, a qual já há anos suporta uma temerosa crise”.
Com o projeto concluído e organizado o caderno de encargos, podia-se passar à fase de arrematação da obra.
Em consequência, alguns práticos congraçaram-se com o objetivo de se candidatarem à empreitada com uma capacidade financeira que, à partida, assegurava uma margem de manobra bastante mais ampla.
Alguns candidatos, em 2 de janeiro de 1903, dirigiram-se ao escritório do tabelião do terceiro ofício da comarca de Bragança, Delfim José Pinto, para formalizarem a “escritura de constituição de sociedade civil”, formada por profissionais como o carpinteiro João António de Oliveira, que foi quem, formalmente, ajustou a empreitada pela quantia de 8 297 500$000 réis. Mas para baixar o nível de risco e como forma de fortalecimento da capacidade financeira, associar-se-ia com os canteiros Agostinho Paulino Pires, Francisco Manuel Pires e António Jorge Fonseca e ainda com o serralheiro José António Gonçalves, todos moradores em Bragança. Deste modo, foi possível baixar o lance e levar de vencida os outros cinco opositores ao concurso.
Na escritura de constituição da sociedade definiram-se condições gerais como a aquisição de materiais ou casos de negligência, previram-se eventuais conflitos e explicitaram-se responsabilidades, designadamente no que respeitava à individualização das participações financeiras. Nesta matéria, com exceção de Agostinho Paulino Pires, que entrava com 600 000 réis, e de Francisco Manuel Pires, que apenas contribuía com o seu trabalho profissional, os outros membros transferiram para a sociedade uma quota de 300 000 réis, salvaguardando-se a possibilidade das exigências da construção poderem vir a determinar o reforço do valor das ações individuais.
A arrematação da obra ocorreu no dia 14 de janeiro de 1903, na agência do Banco de Portugal de Bragança que, desde 2 de novembro de 1893, tinha sido provisoriamente instalada no edifício do Governo Civil. Dirigida por Luís Saldanha Lopes e por Aníbal Valente, respetivamente agente e guarda-livros do Banco, a arrematação seria acompanhada presencialmente por Adães Bermudes, o autor do projeto, que assinou em Lisboa, e datou em 5 de agosto de 1902. Presença importante, por se tratar do lançamento daquele que seria o primeiro de um conjunto de projetos para edifícios do Banco de Portugal e ainda pelas implicações noutros projetos para o palco bragançano, nomeadamente a escola edificada na cerca do antigo convento de Santa Clara e os estudos preparatórios de 1916 respeitantes à intervenção no edifício da cisterna e antiga Casa da Câmara.

Planta da agência do Banco de Portugal, Adães Bermudes

O número de A Construção Moderna, publicado em 20 de julho de 1907, enfatizando que “além do novo 
edifício da agência de Viseu, o mesmo arquiteto já construiu a agência de Bragança, está construindo o de Évora e brevemente iniciará a construção do de Coimbra”, de forma implícita, divulgava a fortuna de uma colaboração que teve continuidade em Vila Real, Faro, Setúbal e Angra do Heroísmo. O que significa que tanto os projetos como o repertório decorativo que Adães Bermudes mobilizava, não só respondiam plenamente às pretensões exigidas pelo Banco de Portugal, mas ainda davam satisfação a uma corrente de gosto que ia encontrando aceitação nos centros urbanos do nosso País, em resultado da crescente apetência que os espíritos mais argutos da burguesia nutriam pelos fumos de caráter cosmopolita, os mesmos que tendiam a influenciar as manifestações artísticas na parte final da centúria de Oitocentos e nos começos da seguinte. Por isso, o ecletismo era uma parte do grande espelho em que a mirada da burguesia se comprazia de satisfação por se saber triunfante sobre a velha ordem. Desta forma, os princípios do ecletismo internacional, com exceção da agência de Faro – construída em 1926, nela avultam as referências da arquitetura característica do tempo de D. Manuel I e os elementos amouriscados –, erguiam-se como os elementos norteadores dos princípios estilísticos que configuraram todos os edifícios encomendados pelo Banco de Portugal, apesar de se notarem particularidades formais e decorativas.

Antiga agência do Banco de Portugal em Bragança

Não se limitando à constatação de uma tendência artística, em 1905, Adães Bermudes escrevia no Anuário da Sociedade dos Architectos Portuguezes que “hoje o ecletismo é internacional. Todos reconhecem que os diferentes estilos não são mais que dialetos da mesma língua, e aplaudem tão sinceramente os arquitetos que, inspirando-se nos estilos históricos, criam, segundo as leis imutáveis do belo, nova expressão artística”, revelando a medida da sua ação prática e a coerência com as linhas determinantes da sua forma de pensar a arquitetura.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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