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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Os Espaços dos Conventos Extintos em Bragança e as Novas Projeções Funcionais

Com grande relevância na história de Bragança do período contemporâneo, os espaços dos dois conventos das freiras beneditinas e de Santa Clara iriam também ser marcantes durante o período contemporâneo, ainda que não por razões estritamente religiosas. Nesta matéria, o triunfo do ideário liberal expresso num relatório assinado por Joaquim António de Aguiar (30 de maio de 1830) em que se defendia que “as ordens regulares não são indispensáveis à religião católica nem são úteis ao Estado”, antecipando outras orientações como a do decreto de 5 de agosto de 1833, que proibia “todas e quaisquer admissões a ordens sacras, e a noviciados de qualquer instituto”, condenava as instituições religiosas femininas ao progressivo definhamento.

Igreja de S. Bento - Bragança

Logo a seguir, os próprios edifícios das freiras dedicadas a Santa Escolástica e das franciscanas em Bragança passaram a denunciar ao mundo exterior o desânimo e a desesperança que penetrou o recolhimento do coro e dos claustros. Inexoravelmente, a redução do número de religiosas e de recolhidas seria acompanhada pelo decréscimo de receitas e por dificuldades em prestar socorro às partes que pediam obras ou manutenção urgente.
Além da parte edificada, estas instituições de religião possuíam ainda cercas valiosas, com boas áreas e com boa localização relativamente aos principais centros de Bragança, a Praça de S. Vicente e a Praça da Sé. Ora, na sequência da cavalgada anticlerical, particulares e instituições não tardaram a voltar os olhos plenos de cobiça para o património das cercas monásticas. Ainda assim, em Bragança formou-se uma comissão que recolheu assinaturas “contra o projeto de redução anticanónica dos conventos de religiosas, e da desamortização dos bens imóveis” que se fez ouvir na sessão de 22 de maio, na Câmara dos Deputados, onde proclamou que “a Igreja não pode ser um instrumento de adquirir fortuna para o Governo como o escravo a adquire para o seu senhor... é injusto obrigar quem quer que seja a que venda o que é seu”.

O Convento de S. Bento

Sabemos hoje como a venda dos bens das ordens religiosas foi um processo de auxílio destinado a servir e a sedimentar o poder e influência de uma classe social desejosa de se firmar no universo de uma nova filosofia vivencial. Por isso, algumas das estratégias desencadeadas por elementos da burguesia visavam a colocação do património imóvel e fundiário da Igreja num plano que lhe permitisse deslizar a favor de uma família ou de um grupo de interesses. Em nome da Pátria e do interesse coletivo.
Em consequência, a hipótese de transação patrimonial determinaria o destino da Cerca de S. Bento. Mas enquanto o processo não ganhava forma, o Governo Civil, num ofício com data de 21 de outubro de 1853 – nesta altura já tinha morrido a última religiosa do Convento –, invocava o articulado de um diploma das Cortes Gerais a determinar que “a cerca do extinto Convento das religiosas beneditinas desta Cidade seja administrada por esta Municipalidade enquanto não for vendida, ficando para as despesas das obras e reparos projetados os rendimentos da cerca”.
Datando de 4 de julho de 1853, o decreto das Cortes, ao ser sancionado por D. Maria II, vai permitir a instalação de repartições públicas nos edifícios do Convento das freiras beneditinas de Bragança, enquanto a igreja ficaria a cargo da Confraria de S. Pedro. Nos seus artigos, explicitava-se as condições da autorização.


Revogando a legislação que pudesse contrariar este articulado, a Rainha ordenava a todas a autoridades o cumprimento da lei “inteiramente como nela se contém”. Entretanto, à falta das mãos que lhe costumavam acudir, a mole edificada ia denotando quebras na sua resistência. Por isso, na sessão realizada em 11 de janeiro de 1854, já o Executivo mostrava estar ao corrente do “estado de ruína em que se achava o mirante do coro”. Por outro lado, como, à luz da carta de lei de 22 de julho de 1853, cabia à Câmara Municipal zelar pelo edifício, alguns dos responsáveis foram congeminando algumas soluções que, ganhando forma e seguidores, propunham a apropriação do convento na perspetiva de uma utilização pública, “para nele se colocarem todas as repartições ora existentes nesta Cidade, como sede de Distrito Administrativo”.
Porém, como as dificuldades de tesouraria fossem recorrentes e destas resultassem atrasos na instalação dos serviços, insistiu-se na necessidade de manter o edifício reparado e de se atalhar a ruína como a que afetava a “solidez das beiras [já] quase todas desmontadas”. Contudo, como as receitas obtidas continuavam a não ultrapassar a raia da insuficiência, os homens da Câmara passaram a analisar as vantagens da venda parcial do Convento.
Constatada a impossibilidade de realização de “todas as obras necessárias para que o edifício do extinto Convento de São Bento desta Cidade havia sido destinado”, na sessão realizada em meados de dezembro de 1854 redigiu-se um texto em que se pedia ao Rei a “competente autorização para se vender a casa denominada de Mafra com o bocado de cerca que lhe serve de quintal”.
A casa a que se chamava Mafra era um dormitório do Convento onde algumas mulheres de teres e haveres, viúvas ou desiludidas do mundo, se recolheram depois de obtida a licença para construírem celas particulares, uma prática que era corrente nos conventos de freiras em Portugal. A sua venda, como solução, seguia a “mesma forma que já foi vendida a cerca para o produto da venda ser aplicado para continuação das obras projetadas”.
Que obras eram estas? A transformação de alguns dos espaços conventuais, destacando se a capacidade para neles se poder instalar os serviços da Câmara Municipal, o Tribunal de Audiências e a Administração do Concelho. Escusado será apontarmos como a importância destas instituições, obrigando de certo modo à realização de obras que fossem condizentes com a crescente complexificação dos serviços, iria exercer maior pressão sobre os parcos recursos da tesouraria. Portanto, não andaremos longe da verdade se admitirmos a crónica falta de meios como justificação para o protelamento das obras que, na primavera de 1859, ainda não tinham sido encetadas.


A importância da matéria parece-nos notória, à vista das conversações que tiveram como partes principais o Governo Civil, o Conselho Municipal e a Câmara. O próprio Governador Civil chegou a convocar uma reunião com a Câmara, com o Conselho de Distrito, com o diretor das Obras Públicas “e outros cavalheiros desta Cidade”, formando-se uma comissão que teria como desígnio maior a seleção do melhor local “para se fazer a Casa da Câmara, Administração do Concelho e Tribunal Judicial” e a indicação dos meios mais convenientes para a realização da obra. A este respeito, esta junta foi de parecer que o local mais apropriado era o conjunto do edifício de S. Bento, cometendo, contudo, a especificação da parte da edificação para as finalidades apontadas ao diretor das Obras Públicas.
Ao mesmo tempo, a Câmara prosseguia os seus contactos com o Conselho Municipal, refletindo sobre a melhor maneira de se obterem os meios necessários, numa altura em que já não se hesitava quanto à conveniência de encontrar instalações para a sede do Município, para o Tribunal e acomodação para a Administração do Concelho. A necessidade confundia-se com a urgência, porque todos os organismos estavam acomodados em casas particulares, “de que o Município pagava rendas, que montavam anualmente à quantia de 96 000 réis”. E além disso, “era menos próprio que em Bragança, cidade de alguma importância – capital de um Distrito – não houvesse um edifício próprio do Município”, onde os seus representantes realizassem os atos que se impunham.
Nesta linha de orientação, merece a pena atentarmos nas conclusões a que, sobre este assunto, chegaram, em 3 de maio de 1860, a vereação municipal e o Conselho Municipal.


Sublinhe-se, no entanto, a existência de desenhos orientadores que faziam parte de um plano de modernização dos serviços, como se testemunhava num ofício emanado do Governo Civil, datado de 25 de outubro de 1860, em que se solicitava o envio “quanto antes [d]a planta dos Paços do Concelho”. Uma etapa que devia ter uma relação direta com as propostas e sugestões da comissão de homens bons a que já aludimos.
Neste momento, os elementos disponíveis não nos permitem um conhecimento seguro da configuração do setor ou setores onde iriam ser instaladas as repartições públicas. Apesar dos 19 140 réis gastos até ao dia 29 de novembro de 1858, “por vários consertos e tapamentos de janelas feitos no edifício de S. Bento na parte que ocupa o Governo Civil”, significarem alguma preocupação em se atalharem os sinais de abandono, aquelas partes que não se consideraram para uso imediato seriam mais ou menos esquecidas. Então, a desagregação progrediu rapidamente, acentuando-se no claustro, “em ruínas, mas que tem algumas colunas de cantaria e outras pedras que agora ainda se podem aproveitar em outras obras que a Câmara projeta fazer”. Na sessão municipal realizada em 31 de maio de 1859, ultimou-se a proposta destinada a obter licença régia para a desmontagem do claustro e autorização para a reutilização das suas colunas e cantarias.
No outono de 1858, na sessão de 30 de setembro, apreciou-se um ofício do Governo Civil que tratava da instalação de uma estação telegráfica dentro do edifício do extinto Convento de S. Bento. Contudo, o progresso das comunicações equivalia ao aumento de exigências sobre os moradores de algumas aldeias do Concelho, impondo-lhes o ónus de trabalharem gratuitamente. Como exemplo, aponte-se a obrigatoriedade dos habitantes de Vale de Nogueira, Bragada, Quintela e Veigas abrirem as covas para a colocação dos postes que sustentariam as linhas do telégrafo.
Em 1860, também as aulas do Liceu decorriam no edifício que tinha pertencido às freiras beneditinas. E o seu claustro, talvez convertido em lugar de recreio, era ponto de passagem dos escolares para as aulas. A experiência de algum acidente ou a consciência da antecipação do perigo levou a Câmara, entidade responsável pela administração das casas do Convento, a tomar medidas cautelares. Na verdade, constatava-se que “os telhados da parte do claustro… estão completamente arruinados, prometendo desabar de um a outro momento, com eminente risco das pessoas menos cautas que por ali passam, especialmente dos mancebos que ali concorrem com o fim de frequentarem as aulas do Liceu, que apesar dessas ruínas ainda ali se conserva”.
Logo a seguir, deliberou-se o apeamento dos telheiros e alpendres mais arruinados, retirando-se e arrecadando-se os materiais aproveitáveis, e procedendo ao seu escoramento nas partes que o exigiam. Entretanto, o furto de materiais do convento constituiu outra face de um processo de progressivo desmantelamento das suas partes constituintes, o que não invalidou que alguns dos seus espaços, como “o pátio da portaria e casa contígua”, fossem reclamados pelo Governo Civil, para aí instalar “a estação da guarda do cofre central”.
Relativamente à igreja deste antigo Convento, pouco se sabe desde o momento em que a carta de lei de D. Maria II, na sequência do decreto das Cortes de 4 de julho de 1853, permitiu que fosse entregue à confraria de S. Pedro com a obrigação de continuar o culto e de zelar pelo edifício. Um outro testemunho resulta da solicitação que, em junho de 1860, o juiz e mesários da Irmandade de S. Pedro apresentaram à Câmara para que lhes cedesse a chave da porta do coro a fim de ”poderem fazer uso dos sinos para o sinal de suas funções”. A continuidade da atividade religiosa permitiu a salvaguarda de um conjunto que, ainda hoje, expressa o fulgor alcançado pela arte barroca.
Paralelamente, outras intenções levavam à adaptação e ao derrube de alguns dormitórios da cerca. Assim, em estruturas existentes, viu-se a abertura da casa da Alfândega mas também se presenciaram demolições inclementes para se erguer o edifício da Junta Geral do Distrito, onde posteriormente funcionaria o Governo Civil.
Por ser olhado como um emblema de tempos de progresso e também como signo de poder da nova classe política, pretendeu-se que o seu prospeto principal pudesse ser abraçado num único relance. Só que, para que os olhares pudessem contar desembaraçadamente o número de janelas da nova frontaria, não se hesitou na destruição parcial dos coros alto e baixo do templo, amputando-o na sua envergadura longitudinal. Curiosamente, nas vésperas da implantação da República, quando se elogiava a ação do malogrado Abílio Beça, esta obra foi enquadrada no conjunto “dos projetos mais característicos de uma civilização”.
As preocupações filantrópicas conheceram uma nova dimensão, com a criação, em 1867, do Asilo Duque de Bragança, instituição vocacionada para o acolhimento e educação das crianças desamparadas que foi inicialmente dirigido por duas mulheres piedosas que estavam no recolhimento que as Oblatas do Menino Jesus tinham na Mofreita. Mas apesar da dedicação de muitos, a administração da meritória casa não demorou a ser confrontada com penosas carências que muito dificultavam a sua sustentação. Tais dificuldades, uma e outra vez, debateram-se nas sessões municipais, como a proposta analisada na sessão de 26 de janeiro de 1893 exemplifica: “que se represente ao Governo de Sua Majestade a fim de que se digne subsidiar com a quantia necessária o Asilo Duque de Bragança, sem o que não poderá subsistir aquela instituição porque os poucos fundos que ele possui conjuntamente com os rendimentos que este Município pode dispor são deficientes para prover os encargos da sua conservação”.
Daí que se envidassem todos os esforços para que os propósitos da casa de acolhimento não definhassem.
Entre as instalações que o Asilo usava do antigo Convento das Beneditinas, devia, provavelmente, contar-se a antiga sala do capítulo conventual, espaço que, em regra, merecia mais atenção no que respeita ao investimento decorativo. Pensamos que a esta divisão pertencia um teto integralmente executado em talha com ornatos modelados de acordo com a gramática do estilo nacional, um trabalho meritório que nunca chegou a receber a folha de ouro ou efeitos de policromia. Mesmo assim, o nível de execução não deixou indiferentes alguns espíritos que trabalharam para o deslocarem para o Museu Distrital de Bragança, onde seria aplicado numa das salas do sobrado.

CONTINUA...

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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