(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Meu pai era rapaz citadino, aluno da Escola de Belas Artes.
Sempre vivera rodeado de livros; e do mundo, apenas conhecia subúrbios do Porto, principalmente, a Maia, onde ia visitar o Padre Ernesto, amigo e confidente.
Nas férias, ia de comboio, até Vizela, frequentar as termas.
Casou com transmontana – amiga de infância, – que viera para a cidade estudar.
Após o matrimónio, e curta lua-de-mel em Viana do Castelo, minha mãe, quis apresentá-lo à família, que vivia em pequena aldeia, perdida nas faldas de serra, algures no distrito de Bragança.
Feito as malas, embarcaram em São Bento, e só pararam no Cachão, onde se hospedaram em estalagem (da Calrreta?), aguardando a chegada de familiares.
Pela manhã, estando ainda deitados, entrou-lhes, pelo quarto, a hospedeira; e sem mais, declarou: que estavam, lá fora, a perguntarem por eles, com bestas.
Estremunhados, ergueram-se, e apressaram-se a recebe-los.
Feito as apresentações, indicaram-lhes, para montar, soberbos cavalos.
Meu pai, vendo bicho tão grande, e de pernas tão altas, recusou. Insistiram. Recusou, novamente, apontando para simpático jeriquinho, que lhe pareceu réplica do burro de Sancho Pança.
Como teimasse, não encontraram melhor remédio, se não carregar as malas, no cavalo, e ajudá-lo a sentar-se na albarda do burrico.
Foram por atalhos, pelas serras. O burrico, vendo-se livre, caminhava, a passo miudinho, apressadamente, distanciando-se da comitiva.
Receosa, minha mãe, avisava aflito o cunhado, para que parasse o jerico. De longe, ele barrigava:
- “Xó! …Xó! …Xó! …” – Mas, o animal, impassível, seguia seu caminho – e, voltando-se para minha mãe, para a sossegar:
- “Bô! … Ele sabe o caminho! … Não se perde! …”
E assim, distanciando-se, com as mãos fincadas na crina do animal, lá foi por serras e vales, até o burrito entrar num povoado…
Foi entrada triunfal! Acontecimento inédito, naquela pacata aldeia: ver um homem, montado num burro, aferrado, como lapa, ao pelo do asno…
Parou o animal, à porta de residência. A dona da casa, que estava sentada na escaleira, cumprimentou-o, insistindo para se apear.
Mas, as pernas adormecidas, não permitiam…
Insistiu; meu pai, respondia-lhe:
- “Estou a descansar um bocadinho…”
De súbito, o burro, cansado de esperar, enfia-se por estreita porta, no escuro estábulo.
Meu pai estirou-se todo, para não bater a cabeça, nas traves, que sustinham o teto; e nessa caricata situação, o foram encontrar…
Durante o almoço, perguntou, a minha mãe, se havia comboio, para baixo. Como lhe dissesse: só amanhã. Resignou-se.
Uma semana depois, encontrava-se encantado: conversava, não só com parentes, mas com toda a aldeia…Tão encantado ficou, que todos os anos ia a Trás-os-Montes, correndo Vilas a aldeias vizinhas.
E, mais tarde, foi com alegria e entusiasmo, que soube, que o Município de Vila Flor, lhe concedera o honroso título de vilaflorense adoptivo.
Assim termina a desventura, de nato citadino, que aborrecia a solidão do campo, e se tornou, de alma e coração, em campesino.
Tudo isso, ocorreu meses antes da famigerada Segunda Guerra Mundial.
Humberto Pinho da Silva, nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA.Foi redactor do jornal: “Notícias de Gaia"” e actualmente é o responsável pelo blogue luso-brasileiro: " PAZ".
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